terça-feira, outubro 01, 2013

INUSITADO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO

-    Nós temo que se valorizar.

O tom do motorista do táxi é grave. A afirmação é feita para satisfazer minha curiosidade. Eu havia perguntado a razão das flores artificiais presas nas costas dos bancos fronteiros.

-    Sem dúvida, digo eu.

Agora a pergunta vem em minha direção:

-    A senhora se valoriza?

Afirmo que procuro fazer isto. Mas a coisa complica:

-    Como é que a senhora faz isto?
-  Depende da ocasião. A maioria das vezes me fazendo respeitar.
-    Tô sabendo. Solta os cachorros quando alguém chama a senhora de baranga.

Droga! É evidente que ele está vendo a possibilidade de alguém fazer isto. Não resisto:

-  O senhor acha que alguém pode me chamar de baranga?
- Poder, pode, né? Velho toda hora tá ouvindo essas coisas!

Procuro me conter, mas o tom sai irritado:

-    Eu nunca ouvi!
-    Sorte sua!

A coisa está fugindo do controle e sem me dar conta do ridículo pergunto, mais irritada ainda:

-    Pelo jeito o senhor acha que eu sou uma baranga.
-   Que isso! De jeito maneira. A senhora até que tá legal.  Na sua idade, indo para um bar sozinha! Fiquei até  pensando... .

Eu estava me dirigindo para a reunião mensal do SERPROVECTOS, no Botequim Informal do Leblon, onde nos reunimos todo mês, nós os aposentados do SERPRO. O “pensando”, com reticências pode significar que o desgraçado do motorista está imaginando que eu vá me embebedar, velha caduca, solitária e triste numa mesa de bar. Será isto o que as barangas velhas fazem? O ridículo de meu comportamento continua quando eu resolvo explicar a razão de minha ida para evitar mal entendidos. O infeliz ri:

-    Quer dizer que os velhinhos se encontram todo mês pra  jogar conversa fora?
-    Não são velhinhos!

Cada vez mais irritada, ao invés de calar a boca, respondo.  Pelo jeito o homem nega a possibilidade de uma velhinha como eu manter relações com outros viventes que não sejam tão idosos quanto. Imagino que uma coleção de barangas (existe o masculino?) arrastando-se com dificuldade pelas mesas do bar.

-  Coisa nenhuma. São quase todos mais moços do que eu!
-  E o que é que a senhora tá fazendo no meio deles?

Ah! Era aquilo mesmo que ele estava imaginando! È claro que eu poderia explicar que quando entrei para o SERPRO já vinha de vários outros empregos e que a maioria dos analistas havia iniciado carreira na empresa que também era muito jovem. Mas estou furiosa, irritada e num tom gélido disparo:

-    E o que é que o senhor tem com isto? Vamos parar esta  conversa por aqui. Está desagradável. Por favor, fique  calado até lá.

E ao invés de me obedecer ele volta a cabeça para traz e sorri:

-  Tá pedindo respeito, né dona?! Legal! Legal mesmo. E  me dando respeito também me chamando de senhor!

O sorriso é encantador e eu derreto, sorrindo também. 

-     Tudo bem!

Mas, prudente, passo a comentar o inesperado calor e a promessa de chuva. Comentar o tempo é sempre uma conversa que não compromete. O valor da corrida já está em minhas mãos quando o carro para frente ao bar. Estendo a mão para pagar quando a porta do táxi se abre. Um colega me havia reconhecido e estende a mão para ajudar-me a sair, saudando alegre.

-  Anna “do INCRA” (assim era eu conhecida no SERPRO). Que bom que você veio!

O motorista volta-se para mim pegando o pagamento.

-   Tô vendo que eles gostam da senhora. Isso é de respeito. Vai com Deus.

E eu lá fui eu. Com Deus e com meu ex-colega, na antecipação de mais uma noite muito agradável, sentindo que nem sempre é fácil se fazer respeitar, mas sempre vale à pena. Baranga ou não!

2011

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