-
Nós
temo que se valorizar.
O
tom do motorista do táxi é grave. A afirmação é feita para satisfazer minha
curiosidade. Eu havia perguntado a razão das flores artificiais presas nas
costas dos bancos fronteiros.
-
Sem
dúvida, digo eu.
Agora
a pergunta vem em minha direção:
-
A
senhora se valoriza?
Afirmo
que procuro fazer isto. Mas a coisa complica:
-
Como
é que a senhora faz isto?
- Depende
da ocasião. A maioria das vezes me fazendo respeitar.
-
Tô
sabendo. Solta os cachorros quando alguém chama a senhora de baranga.
Droga!
É evidente que ele está vendo a possibilidade de alguém fazer isto. Não
resisto:
- O
senhor acha que alguém pode me chamar de baranga?
- Poder,
pode, né? Velho toda hora tá ouvindo essas coisas!
Procuro
me conter, mas o tom sai irritado:
-
Eu
nunca ouvi!
-
Sorte
sua!
A
coisa está fugindo do controle e sem me dar conta do ridículo pergunto, mais
irritada ainda:
-
Pelo
jeito o senhor acha que eu sou uma baranga.
- Que
isso! De jeito maneira. A senhora até que tá legal. Na sua idade, indo para um
bar sozinha! Fiquei até pensando... .
Eu
estava me dirigindo para a reunião mensal do SERPROVECTOS, no Botequim Informal
do Leblon, onde nos reunimos todo mês, nós os aposentados do SERPRO. O
“pensando”, com reticências pode significar que o desgraçado do motorista está
imaginando que eu vá me embebedar, velha caduca, solitária e triste numa mesa
de bar. Será isto o que as barangas velhas fazem? O ridículo de meu
comportamento continua quando eu resolvo explicar a razão de minha ida para
evitar mal entendidos. O infeliz ri:
-
Quer
dizer que os velhinhos se encontram todo mês pra jogar conversa fora?
-
Não
são velhinhos!
Cada
vez mais irritada, ao invés de calar a boca, respondo. Pelo jeito o homem nega a possibilidade de
uma velhinha como eu manter relações com outros viventes que não sejam tão
idosos quanto. Imagino que uma coleção de barangas (existe o masculino?)
arrastando-se com dificuldade pelas mesas do bar.
- Coisa
nenhuma. São quase todos mais moços do que eu!
- E
o que é que a senhora tá fazendo no meio deles?
Ah!
Era aquilo mesmo que ele estava imaginando! È claro que eu poderia explicar que
quando entrei para o SERPRO já vinha de vários outros empregos e que a maioria
dos analistas havia iniciado carreira na empresa que também era muito jovem.
Mas estou furiosa, irritada e num tom gélido disparo:
-
E
o que é que o senhor tem com isto? Vamos parar esta conversa por aqui. Está
desagradável. Por favor, fique calado até lá.
E ao invés de me obedecer ele volta a cabeça
para traz e sorri:
- Tá
pedindo respeito, né dona?! Legal! Legal mesmo. E me dando respeito também me
chamando de senhor!
O
sorriso é encantador e eu derreto, sorrindo também.
-
Tudo bem!
Mas,
prudente, passo a comentar o inesperado calor e a promessa de chuva. Comentar o
tempo é sempre uma conversa que não compromete. O valor da corrida já está em
minhas mãos quando o carro para frente ao bar. Estendo a mão para pagar quando
a porta do táxi se abre. Um colega me havia reconhecido e estende a mão para
ajudar-me a sair, saudando alegre.
- Anna
“do INCRA” (assim era eu conhecida no SERPRO). Que bom que você veio!
O
motorista volta-se para mim pegando o pagamento.
- Tô
vendo que eles gostam da senhora. Isso é de respeito. Vai com Deus.
E
eu lá fui eu. Com Deus e com meu ex-colega, na antecipação de mais uma noite
muito agradável, sentindo que nem sempre é fácil se fazer respeitar, mas sempre
vale à pena. Baranga ou não!
2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário