quinta-feira, outubro 10, 2013

QUESTÃO DE FÉ

Volta e meia tenho provas de que o mal causado pela incompetência é tão ou mais danoso quanto o causado pela corrupção. A leitura da Folha de S. Paulo me surpreendeu relatando um monumental erro causado por incompetência! Monumental mesmo! Causou um considerável desconforto espiritual aos duzentos milhões de muçulmanos da Indonésia.

Tudo aconteceu porque o Conselho de Ulemás daquela região julgou-se competente em conhecimentos de cosmografia e astronomia e, ao invés de consultar um especialista, há décadas determinava aos fiéis que direcionassem suas orações na direção oeste. E os coitados munidos de seus tapetes assim o faziam certos de que estavam enviando as preces diretamente para a cidade sagrada de Meca como determina o Alcorão. Só que esta cidade, que se localiza na Arábia Saudita, encontra-se de fato a noroeste! As orações estavam então sendo catapultadas para África, mais precisamente para Quênia e para Somália!

Descoberto o erro o Conselho tranquilizou os fiéis informando que isto não havia impedido que suas preces fossem ouvidas. “Alá compreende que o homem cometa erros” afirmou um representante do Conselho. E isto, é claro, é o que se espera de qualquer deus. Mas me fica uma enorme dúvida: se as rezas necessariamente têm que ser lançadas em uma direção específica do planeta por alguma razão isto é determinado. Quem sabe um canal direto e virtual é automaticamente estabelecido entre qualquer região em que se encontre um muçulmano rezando e Meca, desde que este se coloque na direção correta.

As preces endereçadas a Quênia e a Somália, no mínimo devem ter sofrido interferências e atrasos. Concedo que as dirigidas à Somália possam ter sido automaticamente redirecionadas à Meca já que neste país a quantidade de muçulmanos é considerável e as erradamente para lá enviadas podem ter tomado carona nas corretamente endereçadas que de lá partem. Mas o mesmo não deve ter ocorrido no Quênia onde apenas dez por cento da população são muçulmanos. Este redirecionamento causou, no mínimo, um monumental congestionamento e, certamente, atrasos fatais de imprevisíveis conseqüências.

De qualquer modo foi um erro humano causado por incompetência. O que é impressionante é que durante todo este tempo ninguém tenha questionado a direção errada já que é estatisticamente impossível que entre duzentos milhões não exista na Indonésia um só muçulmano com noção de direção. Mas isto se explica: tratava-se de uma questão de fé e quando esta entra em cena tudo se torna indiscutível.

Somos no Brasil mais de cento e trinta e cinco milhões de eleitores e preocupa-me que grande parte destes possam ser induzidos a errar por uma questão de fé. Senão vejamos: destes milhões um quantidade considerável tem avaliado os governos do Presidente Lula e da Presidente Dilma como ótimo ou muito bom. Não sei qual é exatamente o conceito de ótimo adotado pelas pesquisas. As palavras quando isoladas têm um conceito um tanto subjetivo. Mas de qualquer modo “ótimo” e “muito bom” significam um grau de excelência. Ou seja, tudo vai bem, no melhor dos mundos.

Não estou entre os que só vêem erros nestes dois governos. Longe disto. A redução do nível de pobreza, por exemplo, foi de fato significativa e louvável. A Bolsa Família embora embora não acompanhada de medidas destinadas a resolver o problema de maneira definitiva, atuando somente na conjuntura, deu um excelente resultado imediato. E, como sabiamente dizia Betinho, que tem fome tem pressa. Bendito Cristóvão Buarque que deu origem a esta providência com a criação da Bolsa Estudo. 

Mas ótimo?! Estas pessoas que assim os classificaram acham ótima a total ausência de ações, planos e projetos para conduzir este País a um patamar no mínimo aceitável? A incompetência  flagrante na gestão da área econômica? A inexplicável manutenção de um pífio Ministro da Fazenda que adota o método de tentativa e erro e que consegue produzir um fenômeno estatístico mais do que improvável: erra sempre? O abandono da Educação? A proliferação espantosa de ministérios para atender a alianças políticas desconsiderando totalmente o fator competência? O espantoso e exponencial crescimento dos gastos públicos e da dívida na área federal? O extraordinário superfaturamento de obras públicas que além de caras são mal executadas? O estado de abandono em que se encontram as obras de transposição do São Francisco nas quais foi gasto uma fábula? O não cumprimento de uma só promessa contida nos planos de campanha? A proposta da criação de um trem bala entre o Rio de São Paulo quando a situação das estradas em todo País e catastrófica? A paralisação total de obras no setor ferroviário? Os gastos com os estádios da Copa que ultrapassaram de maneira espantosa todas as previsões? Esta enumeração poderia continuar por páginas e páginas, todas elas comprovadas não por notícias divulgadas pela mídia, mas por dados, informações e declarações do próprio Governo.  

A explicação só pode ser uma: é uma questão de fé. É dogma. Não se discute. Se aceita porque o “Papa” é infalível. É inegável o carisma do ex-presidente Lula. É também inegável sua esperteza e sua inteligência. Até desconfio que as “boutades” que comete são em sua maioria propositais para criar um personagem inédito e instigante. A escolha da candidata Dilma Rousseff para sucedê-lo foi compreensível: seria difícil conseguir outra figura que se submetesse, durante quatro anos, a obedecer cegamente suas ordens e diretrizes, mantendo-o como Guru. Haveria sempre o perigo da criatura devorar o criador e isto impediria o grito do “Vota Lula”. A obediência e subordinação da Presidente foi evidenciada diversas vezes. Para citar só uma: o seu deslocamento para São Paulo buscando instruções de como agir no caso das recentes manifestações populares. Por respeito à dignidade do cargo que ocupa deveria, pelo menos, tê-lo convocado ao palácio e não ir a seu encontro. Ela é ou não a maior autoridade?    


É espantoso que nada do que comprovada e inegavelmente ocorre seja avaliado com equilíbrio por mais de cento e quatro milhões de eleitores. Só pode ser mesmo questão de fé. Como ocorreu com os indonésios um enorme contingente de pessoas neste País está rezando em direção a uma não Meca. Mas se para os indonésios trata-se de uma questão do indiscutível divino, para os brasileiros o caso é terreno: constatado o erro, aqueles que acreditam com fé igualmente verdadeira não serão tranquilizados, como mereceriam, por um Conselho de Ulemás que lhes garantirá terem sido escutados e atendidos em seus mais que legítimos anseios e esperanças.

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