Abelhas não são insetos de minha especial simpatia desde que
fomos, eu e meu querido cavalo Dream Boy, perseguidos por uma colmeia
enraivecida, nos meus longínquos 13 anos. E de mel nem gosto muito. Mas agora
tenho notícia de que as abelhas estão desaparecendo da face da terra. Isto me
causa uma desagradável sensação de que, se transmudando em ratos, estão sendo
as primeiras a abandonar o navio que, convenhamos, não está lá muito seguro nos
tempos que correm. Tô sabendo que o motivo pode se dever ao aquecimento global,
aos gases e que mais sei eu. Mas tenho pra mim que não é isto, não. Pelo menos
no que toca às nossas abelhas tupiniquins. Estas, acho, têm outro motivo mais
imediato.
Existia um provérbio (digo existia porque não o escuto desde
minha infância) que me volta agora no espanto de perceber que começa a fazer o
maior sentido: Miguel, Miguel, não tens
abelhas e colhes mel! Que me perdoem
os Miguéis substantivos. Não é deles que falo. Nem poderia desmerecê-los já que
sou orgulhosa neta de um e sobrinha de outro. Falo dos que são adjetivados com
este nome, no provérbio. Por que, acreditem, trata-se de um adjetivo. Vai ver
as abelhas, desesperançadas, viram desaparecer gradativamente aqueles que se
empenhavam em contratá-las para que produzissem mel. Ou seja, os que
valorizavam seu trabalho num contrato justo e certo em que competência,
probidade, organização e planejamento garantiam o sucesso do negócio gerando
lucro lícito para ambas as partes.
Colhia-se o mel que
vinha de origem certa e digna: fruto de trabalho. E eis que agora se revelam
centenas de Miguéis produzindo uma espantosa quantidade de mel sem que abelhas
sejam. No início Miguéis desconhecidos do público e sem expressão na escala de
poder. Gente de quem nunca se tinha ouvido falar: Delúbios e Marco Valérios que
só se tornaram notórios depois de descoberta a melada lambança que fizeram. Logo
depois entraram em ação os de alto coturno. Todo mundo colhendo mel em
profusão, sem que tenham, favos ou colméias que possam explicar a sua origem. Isto,
convenhamos, é para derrubar qualquer abelha que se preze. Miguel deputado,
Miguel senador, Miguel bicheiro, Miguel empresário, Miguel ministro, todos chafurdando-se
no mel que, em última análise, foi produzido por nós abelhas e a duras penas.
Triste isto.
Nem de propósito uma abelha, ainda não fujona, abandona a
mangueira para voltear sobre o monitor. Não sei se é sempre a mesma, mas
ultimamente surge curiosa todas as manhãs parecendo querer ler o que escrevo.
Nunca puxei conversa: como disse não me dou bem com a espécie. Mas hoje sou
tomada de certa ternura pelo inseto. Afinal fomos as duas espoliadas. Ela
parece um tanto descontrolada, sem rumo, volteando o micro como se uma flor
fosse. Quem sabe é seu jeito de mostrar agradecimento ao meu reconhecimento de
sua desdita. Procuro animá-la: tem gente
que não é Miguel, sabe? Estão um tanto
desaparecidos. Mas existem.
E me vem um pensamento: se uma maçã podre pode contaminar
todo um saco de maçãs a recíproca será verdadeira? Aparecendo alguém correto,
competente, verdadeiro e corajoso poderá “desapodrecer” os outros? Uma reação
em cadeia... por que não? A abelha, parada no ar, olha para mim numa
interrogação. Intuo a pergunta: então
você acha que eu devo continuar a fabricar mel? Claro! Deve, sim! Você e todos nós. Operários que somos não devemos abrir
mão do fabrico para o qual fomos treinados, durante anos e anos. É continuar fabricando e cuidando para que os
Miguéis tenham o destino que merecem. Se a gente sai de cena vai facilitar para
eles. Juro que a abelha sorriu e, vendo a inutilidade de voltear em torno do
árido monitor, parte esperançosa para a mangueira.
E eu aqui fico rezando para que voltem abelhas capazes de
produzir pela experiência, pela competência, pela ética, pelo espírito público.
E, de hoje em diante, prometo rever minha posição sobre as elas. Dream Boy já
se foi, faz tempo, muito tempo, mas eu ainda estou por aqui. Quem sabe naquela
manhã em que fomos, ele e eu, impiedosamente perseguidos, havíamos invadido o
território da colméia. E nos tomando por Miguéis elas partiram para defender o
produto de seu trabalho. Da mesma maneira que devemos nós agora impiedosa e
corajosamente defender o produto do nosso, espoliado por Miguéis espúrios.
2007
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