segunda-feira, outubro 07, 2013

ABELHAS E MIGUÉIS

Abelhas não são insetos de minha especial simpatia desde que fomos, eu e meu querido cavalo Dream Boy, perseguidos por uma colmeia enraivecida, nos meus longínquos 13 anos. E de mel nem gosto muito. Mas agora tenho notícia de que as abelhas estão desaparecendo da face da terra. Isto me causa uma desagradável sensação de que, se transmudando em ratos, estão sendo as primeiras a abandonar o navio que, convenhamos, não está lá muito seguro nos tempos que correm. Tô sabendo que o motivo pode se dever ao aquecimento global, aos gases e que mais sei eu. Mas tenho pra mim que não é isto, não. Pelo menos no que toca às nossas abelhas tupiniquins. Estas, acho, têm outro motivo mais imediato.

Existia um provérbio (digo existia porque não o escuto desde minha infância) que me volta agora no espanto de perceber que começa a fazer o maior sentido: Miguel, Miguel, não tens abelhas e colhes mel!  Que me perdoem os Miguéis substantivos. Não é deles que falo. Nem poderia desmerecê-los já que sou orgulhosa neta de um e sobrinha de outro. Falo dos que são adjetivados com este nome, no provérbio. Por que, acreditem, trata-se de um adjetivo. Vai ver as abelhas, desesperançadas, viram desaparecer gradativamente aqueles que se empenhavam em contratá-las para que produzissem mel. Ou seja, os que valorizavam seu trabalho num contrato justo e certo em que competência, probidade, organização e planejamento garantiam o sucesso do negócio gerando lucro lícito para ambas as partes.

 Colhia-se o mel que vinha de origem certa e digna: fruto de trabalho. E eis que agora se revelam centenas de Miguéis produzindo uma espantosa quantidade de mel sem que abelhas sejam. No início Miguéis desconhecidos do público e sem expressão na escala de poder. Gente de quem nunca se tinha ouvido falar: Delúbios e Marco Valérios que só se tornaram notórios depois de descoberta a melada lambança que fizeram. Logo depois entraram em ação os de alto coturno. Todo mundo colhendo mel em profusão, sem que tenham, favos ou colméias que possam explicar a sua origem. Isto, convenhamos, é para derrubar qualquer abelha que se preze. Miguel deputado, Miguel senador, Miguel bicheiro, Miguel empresário, Miguel ministro, todos chafurdando-se no mel que, em última análise, foi produzido por nós abelhas e a duras penas. Triste isto.

Nem de propósito uma abelha, ainda não fujona, abandona a mangueira para voltear sobre o monitor. Não sei se é sempre a mesma, mas ultimamente surge curiosa todas as manhãs parecendo querer ler o que escrevo. Nunca puxei conversa: como disse não me dou bem com a espécie. Mas hoje sou tomada de certa ternura pelo inseto. Afinal fomos as duas espoliadas. Ela parece um tanto descontrolada, sem rumo, volteando o micro como se uma flor fosse. Quem sabe é seu jeito de mostrar agradecimento ao meu reconhecimento de sua desdita. Procuro animá-la: tem gente que não é Miguel, sabe?  Estão um tanto desaparecidos. Mas existem.

E me vem um pensamento: se uma maçã podre pode contaminar todo um saco de maçãs a recíproca será verdadeira? Aparecendo alguém correto, competente, verdadeiro e corajoso poderá “desapodrecer” os outros? Uma reação em cadeia... por que não? A abelha, parada no ar, olha para mim numa interrogação. Intuo a pergunta: então você acha que eu devo continuar a fabricar mel? Claro! Deve, sim! Você e todos nós. Operários que somos não devemos abrir mão do fabrico para o qual fomos treinados, durante anos e anos.  É continuar fabricando e cuidando para que os Miguéis tenham o destino que merecem. Se a gente sai de cena vai facilitar para eles. Juro que a abelha sorriu e, vendo a inutilidade de voltear em torno do árido monitor, parte esperançosa para a mangueira.

E eu aqui fico rezando para que voltem abelhas capazes de produzir pela experiência, pela competência, pela ética, pelo espírito público. E, de hoje em diante, prometo rever minha posição sobre as elas. Dream Boy já se foi, faz tempo, muito tempo, mas eu ainda estou por aqui. Quem sabe naquela manhã em que fomos, ele e eu, impiedosamente perseguidos, havíamos invadido o território da colméia. E nos tomando por Miguéis elas partiram para defender o produto de seu trabalho. Da mesma maneira que devemos nós agora impiedosa e corajosamente defender o produto do nosso, espoliado por Miguéis espúrios. 


2007

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