sexta-feira, outubro 25, 2013

SABER E SENTIR

O grande e extraordinário poeta italiano Giacomo Leopardi (uma de minhas grandes paixões) respondendo ao irmão Carlo, que lhe que lhe pedira que falasse das maravilhas que via em Roma, escreveu:

 "delle gran cose che io vedo non provo il menomo piacere,   perchè conosco che sono maravigliose, ma'non lo sento" (*)

Ao reler esta frase, já muitas vezes lida por mim, pela primeira vez me dei conta da enorme distância que existe entre os verbos “saber” e “sentir”. Existem coisas que “sei” maravilhosas, mas que não me provocam qualquer deleite ou encantamento. Outras que jamais poderiam ser rotuladas de maravilha me causam uma emoção inexplicável. Isto acontece também em relação a pessoas que conheço ou conheci.

Vai daí que comecei a matutar sobre o único milagre que admito como tal e que tenho testemunhado por vezes na vida. Este se revela num fato que todos já tivemos oportunidade observar: a paixão duradoura e avassaladora que certos casais demonstram, desde o momento em que se viram pela primeira vez, e que dura até que um deles se vá deste mundo. Observando-os eu, e muita gente que os conhece, faz interiormente a pergunta: mas o que é que ele (ou ela) vê nela (ou nele)? São pessoas pra lá de comuns, sem dotes físicos, mentais ou financeiros que poderiam explicar esta paixão desmedida. E, no entanto ela existe sólida, invejável e linda de morrer. Os dois “sentem”! O inverso também é verdadeiro: mulheres e homens belíssimos, ricos e bem sucedidos são sabidos como tal sem que provoquem na maioria das pessoas qualquer sentimento.

Começo a fazer um balanço de pessoas, edificações, paisagens, animais, e que mais sei eu, que me fazem “sentir” e percebo que, provavelmente, esta relação poderá até chocar alguns dos leitores. Um exemplo disto são as cobras que acho lindas (até já tive uma jiboia que se chamava Julia). Emocionam-me com seu movimento sinuoso, pelo silêncio com que se movimentam, pela elegância e beleza das cores. Cavalos nem se fala. Adoro todo e qualquer um. Mas não sei explicar porque Dream Boy, meu puro sangue inglês, me emocionava muito mais do que outros que tive bem mais bonitos e melhores saltadores. Por outro lado tenho uma especial antipatia por galinhas que nunca me fizeram qualquer mal. Uma das pessoas que mais me encantou durante os muitos anos que trabalhei no SERPRO foi o Valentim, de quem sinto grande saudade. Ascensorista era ele. Não me perguntem por que me encantava. Sei lá eu por que. 

  Frequentemente recebo pela WEB uma enorme quantidade de fotos de suntuosas, modernas e extraordinárias edificações de Dubai, Mas, como Leopardi, diante das maravilhas de Roma, "conosco che sono maravigliose, ma'non lo sento!"

 Não sinto nada.  Absolutamente nada ao vê-las. Apenas sei que são belas. O mesmo acontece com alguns textos que reconheço bem escritos, com conteúdo mais que correto, pertinentes, mas que nada, nada mesmo me fazem sentir. No entanto eu ia quase às lágrimas com os versos de Tio Quirino, um velho escravo, muito velho mesmo, que vivia em Miguel Pereira em minha infância e que percorria os sítios recitando. Alguns me ficaram na memória: 

Dentro do peito tenho
Duas rolinha cantando
Uma já se foi embora
A outra ficou chorando
Mandei fazer uma casa
Com vinte e cinco janela
Pra casa com uma moça
Que eu tenho sentido nela.

Lembro de muitos outros. Mas por que deixá-los aqui registrados se provavelmente só em mim provocam este milagre do “sentir”? E os fícus de minha infância onde me escondia de Fraulein, a governanta alemã? Era tanto sentir que nem sei sei. Durante o ano letivo que me impedia de ir ao sitio, sentia saudades deles, dos fícus como se humanos fossem.. Vai ver eram mesmo. Diante das sequoias americanas que “sei” maravilhosas nada senti de parecido com o que sinto olhando a mangueira que vejo de minha janela, há anos. 

O gato Pandareco, ao lado do monitor, me lança um olhar penetrante e maroto causando certa aflição. Percebo que ele, que sempre lê tudo que escrevo, percebeu o sentido do que estou declarando e “sentiu” que o prazer que me causa é infinitamente superior ao causado por sua irmã Marta. Devolvo o olhar implorando para que não cometa a cruel inconfidência de comunicar isto a ela. Se isto acontecer nosso convívio, que já não é dos melhores, vai se tornar um tormento.  

(*) Pelas importantes coisas que vejo não experimento o menor deleite  porque sei que são maravilhosas, mas não sinto isto.        

2012

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