As lágrimas correm mansas e pingam no vestido da moça. Ela olha bem dentro dos olhos do amigo num
pedido de socorro. A medo, avança a mão e o toca de leve. Que olhos lindos ele tem. Parece que os vê
pela primeira vez. Ele não entende a mensagem. Sente o gesto, percebe o olhar,
mas não entende. Nunca a viu chorar e está se sentindo desconfortável. Alguma coisa mudou e mudou muito. E ela
pensa: será que ele me entende? Gostaria tanto de poder falar. Dizer tudo.
Jogar pra fora esta dor. Mas acho que ele não entenderia. Nem está se dando
conta. Não percebeu que Mauro se foi. Pra sempre! Foi horrível aquele olhar e o
grito respondendo ao grito dela: pra sempre, sim! Não volto. Nunca mais.
O amigo se afasta um pouco sem deixar de olhar pra ela. O que
está havendo? É tudo muito estranho. O sorriso com que sempre é recebido não se
vê no rosto dela. Mauro não está por ali, é evidente. Não chegou? Que coisa!
Ela está sozinha e ele não sabe como se comportar. Nunca a viu assim.
Ela ainda chora. E dá pra não chorar? Cinco anos perdidos.
Jogados no lixo. Volta a olhar para o amigo. Bem nos olhos. Você não sabe o que
fazer, não é? Pudera... nunca me viu chorar. Eu poderia explicar, mas você é
tão amigo dele. Será que vai entender? E, no entanto, você, e só você, poderia
me valer. Foi testemunha destes cinco anos. Viu tudo. Participou de tudo. Tudo
o que era bom, bonito, alegre. Você via como ele me amava! Meu Deus! Estou falando no passado! Amava!!!
Num gesto instintivo ela põe as mãos na boca para impedir que as palavras
saiam. Ainda bem que não falei, pensa. Quando se fala, alto, parece que as
coisas se tornam verdade.
Sem saber o que fazer ele se aproxima. Agora perto. Bem perto
dela. Sempre fez isto, mas desta vez é diferente. Toca de leve em suas mãos.
Com certo medo, é verdade. Sabe-se lá se é isto que ela quer. Ela é sempre tão
falante. E hoje está muda. A voz, tão carinhosa e amiga, não se faz ouvir. Mas
assim mesmo chega-se a ela. Ai o susto! Ela o agarra com força. Olha, preciso
de um contato carinhoso, amigo. Quem sabe, com você em meus braços a dor passa.
Nunca te agarrei assim. Mas também nunca precisei sentir outro calor que não o
dele. Agora eu preciso. Te agarrar, sabe? Ele se assusta e liberta-se do
abraço. Ela quase o machucou. Será que isto está certo?
E Mauro que não chega. Se ele estivesse aqui, tem certeza,
ela não faria isto. Nesta hora, os três costumam ficar juntos, divertindo-se,
brincando mesmo. E mesmo quando Mauro não está, não é assim que ela se
comporta. Se há uma coisa que ele detesta é mudança de comportamento.
Desnorteia, dá esta sensação de coisa errada.
Você se assustou, não foi? Mas eu também estou assustada.
Nunca agi assim. É verdade que nunca fiquei só. Mesmo quando Mauro não estava
havia certeza de que a qualquer momento ele iria chegar. Agora... Mas você
ainda não sabe. É impressionante como não percebe. Éramos tão unidos os três. E
Mauro não está. Não está mais. Agora só restamos eu e você. Então vem. Vem pra
mim. Me conforta. Me esquenta. Estou com frio. Você não vê?
E ela o agarra de novo e desta vez fala. Mas num tom nunca
usado: vem. Deita aqui na cama a meu lado. Ela falou! Aflita, urgente. Então
ele se rende e cai nos braços dela. Fazer o quê? Vai ver que agora vai ser
assim, sempre... Ainda chorando, ela se atira na cama com ele nos braços.
Mesmo sem entender nada - Romão - o gato, chega-se mais a
ela, ronronando e aceitando este comportamento tão estranho. E assim ficam, até
que ela dorme. Romão está com fome. Mas não ousa miar pedindo, como sempre faz.
Amanhã, quem sabe, tudo volta ao normal.
2008
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