sábado, outubro 12, 2013

AMIGOS

Barney Kessel me emociona nesta mais uma tarde. Faz tempo, muito tempo mesmo que o ouvi pela primeira vez desde ai sempre no sonho impossível de tornar meu violão pelo menos parecido.  Todas as vezes que escuto, descubro algo novo, nuance antes não percebida. Hoje, em meio à extraordinária execução em ré de Love is Here to Stay, descubro uma nota “blue” que nunca havia percebido, enriquecendo a harmonia. Os apaixonados por jazz e blues sabem do que estou falando. Para os demais é importante que eu esclareça o que é esta nota.
 
A “blue note” surgiu de uma briga entre as escalas pentatônica africana e a diatônica européia. Os catadores de algodão de origem africana cantavam nos campos usavam a escala pentatônica. É claro que cantavam sem o acompanhamento de instrumentos. Mas eis que esta cantoria começa a chamar atenção de músicos profissionais que com os instrumentos fabricados na Europa e, portanto, apropriados para executar a escala diatônica, tentaram em vão reproduzi-las. Empacaram no conflito entre as duas escalas. Para superar o problema os músicos Afro-americanos introduziram na escala diatônica a “blue note” que, fora da escala, traz um inesperado colorido à musica.

E eu me pego pensando meus amigos são “blue notes”! Inesperadas pessoas que fora da escala me trazem o encanto e a harmonia da vida. Não são muitos, não. Nem poderiam ser por que são raros, especiais, caros. E o que é raro, especial e caro, é escasso. Não vou nomeá-los. Eles sabem quem são e vocês não teriam deles a mais pálida descrição só lhes conhecendo o nome. Impossível descrevê-los em grupo. São tão diferentes. Profissões, maneiras de ser, formas de encarar a vida as mais variadas e até discordantes. O que menos me chama atenção em cada um deles é o aspecto físico embora eu os veja belos. Das mais variadas idades distribuem-se nas dezenas que vão dos 50 aos 80. Existe um ponto fora da curva: Ricardinho de quem já falei a vocês. Deve estar agora com 12 anos.  Este nunca mais vi. Mas era amigo de fé.   

Do que mais me lembro quando ausentes, é da voz. O jeito que dizem meu nome na surpresa gostosa da frase: vou dar uma passadinha aí ou dá uma passadinha aqui. De passadinha em passadinha, lá e cá, construímos um mundo nosso onde conversas rolam, onde apoios são dados gratuitamente, onde discordâncias e alertas são feitos, onde dizer “não” é permitido a todos sem mágoas ou recriminações. Mas criticas existem. Por que não? 

O mais recente surgiu a cerca de quinze anos atrás. O mais antigo há mais de quarenta. E todos sabem de mim, como sei deles, mesmo quando distantes (para minha enorme saudade dois se bandearam para longe e lá ficaram). Saber da gente é muito importante: só assim o que dizemos, seja o que for, é entendido em seu real sentido. O subtexto é claro entre nós. Fica fácil conversar assim, não é? E o silêncio, quando existe, não é aflitivo nem desconcertante. Não há a menor necessidade de explicações, traduções, esclarecimentos. Como isto é confortável!

Mesmo quando discordamos, e isto é freqüente, a coisa fica gostosa.  E não são carpideiras, não, os meus amigos. Se a coisa vai bem se alegram comigo e se vai mal me tiram do buraco, até com violência. E, sobretudo me fazem rir. O que é ótimo. A vida me concedeu muitos privilégios. Sem dúvida ter estes amigos é um dos maiores. 

Morreram de rir do meu medo de fazer uma biópsia por causa da agulha (tenho medo delas) e nada fizeram para diminuí-lo. Ao contrario vaticinaram momentos terríveis. Incrivelmente isto ajudou a colocar a coisa em sua devida proporção. Este comportamento não é intencional ou proposital. É natural. E isto é que é bom. Como uma cascata de “blue notes” soam. Esquentam o coração e criando harmonia. Não agradeço, não. Mesmo porque sou assim para eles também. Transitamos numa rua duas mãos. Às vezes o transito é maior num sentido e todos corremos para lá. De repente inverte e, até hoje, ninguém se desorientou ou perdeu o rumo. Competentes que somos sempre chegamos a bom porto. Talvez nem sempre inteiramente sãos e salvos, já que arranhões da vida são de lei. Mas o estoque de band-aids de que dispomos é espantoso. Jamais faltaram. E assim vivendo encantados e protegidos pela harmonia que criamos. Ah! Barney Kessel, desta você teria inveja! 
2010

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