Desoladamente,
desço a Rua Voluntária da Pátria demandando a agência do BANERJ. Hoje é o IPTU
de um terreno que tenho em Miguel Pereira. Só pode pagar lá. Para piorar,
fecharam a agência do Humaitá. A
Voluntários, na altura de D. Mariana, é um perto-longe. Não tem sentido tomar
ônibus, táxi ou pedir uma carona à minha filha. O jeito é ir a pé, sol a pino,
aproveitando para resolver pendências, no caminho: a pilha do telefone sem fio,
a tomada do abajur da cabeceira, a borracha da fazedora de café italiana, que
em vão procuro, aquele botão que caiu e nunca será encontrado deixando aquele
buraco entre os demais que teimam a se agarrar à blusa azul, o cartucho de
tinta da impressora e outros itens daquela lista que organizo com perfeição e
que jamais se esgota. As soluções insistem em ser sempre em menor quantidade
que os acréscimos.
Mais
eis que chego ao BANERJ e, passada a porta giratória, empenho-me na execução da
operação que desenvolvi com perfeição desde os benditos 60 anos que me valeram
o privilégio, entre outros nem tanto, da “fila dos idosos”. Passo 1: peço à
última ou ao último colocado dos idosos que me guarde o lugar; passo 2:
memorizo os traços dele ou dela; passo 3, repito os passos 1 e 2 na fila dos
não idosos; garantidas as colocações nas duas filas, inicio o passo 4: percorro
a fila dos idosos contando as pessoas, até a boca do caixa; passo 5: verifico
quantos caixas estão atendendo esta fila; passo 6: divido a quantidade de
pessoas pela quantidade de caixas e encontro o resultado “x” (só executado quanto há mais de um caixa, o
que é raríssimo); passo 7: repito os passos 4 a 6 para a fila dos não idosos e
encontro o resultado “y”; passo 8: comparo o resultado “x” com o resultado “y”;
passo 9: opto pela fila que probabilisticamente andará mais depressa. Quase
sempre há um empate o que faz com que sempre duvide da eficácia do método.
Neste
dia, no entanto, a fila dos idosos evidencia uma sensível vantagem sobre a
outra. Volto à pessoa que era a última da fila não idosa (que, evidentemente,
não é mais última), agradeço e dispenso a guarda do lugar. Sabe-se Deus por
que, parto numa carreira desabalada para ocupar meu lugar na fila vencedora. O
senhor empertigado e sério que me guardou o lugar está ainda no mesmo lugar.
Agradeço
sorrindo. O senhor, solene, fala num leve tom de censura: eu sei o que a senhora fez e posso lhe garantir, minha senhora, não
adianta! e termina num tom definitivo: pelos
meus cálculos, qualquer que seja a fila, vamos ficar aqui uma hora e
meia. Sufoco a curiosidade de perguntar como é o sistema de cálculo dele.
Um tanto irritada afirmo: não creio.
Existem 16 pessoas na minha frente. Numa média de 3 minutos por pessoa vai dar
cerca de 48 minutos. Com uma margem de segurança para os que demoram um pouco
mais vai dar, no máximo, uma hora. Um sorriso irônico surge no rosto
do senhor: a média vai ser, no mínimo,
de 6 minutos, e continua com um ar de desdém, a maioria tem contas a pagar. A senhora não considerou este dado no
cálculo da sua média.
Furiosa e num arroubo juvenil (e imbecil),
pergunto: quer apostar? A resposta
vem com escândalo: claro que não! O
“claro que não” soa como um insulto. Velho cretino! Deve ser um chato em casa.
Vai ver inferniza a vida de todo mundo. Ufa! A senhora gorda que estava no
caixa está se mandando. Discretamente, para que o desagradável vizinho não
perceba, consulto o relógio para marcar o tempo da senhora magra que avança
ávida para a portinhola, bramindo ameaçadora um calhamaço de papeis. Raios! Ela
vai pagar contas. Tem um carnê de INSS. Deus! Faça com que não tenha que ser
calculada multa! Esquecida do velho observo hipnotizada o ponteiro dos segundos
que roda inexorável contrapondo-se à imobilidade das costas da velha magra, em
frente ao caixa.
A voz do velho vem carregada de ironia: ela já está lá ha 4 minutos. Vai ficar mais de cinco. Até agora só
recebeu dois comprovantes autenticados e tem no mínimo umas cinco contas na
mão. Isto se não for pedir saldo e retirar dinheiro. Acredite, minha senhora,
de uma hora e meia a duas horas! Vai dar o que eu afirmei – e num
riso mau – ou mais! Finjo não ouvir.
Finalmente
as esquálidas costas abandonam o caixa. Agora é a vez dos cabelos de um amarelo
duvidoso, um capacete de laquê! Ainda se usa isso, gente?! Vitória! Fica apenas
um minuto. Intrépidas e másculas avançam as calças jeans de um velho esportivo
que dando uma pirueta, num tempo recorde e num andar lépido, passam, céleres,
demandando a saída, enquanto lentos chinelos avançam para o caixa. Coitada,
deve ser joanete. Diz que dói pra burro. Numa rapidez incrível a mulher avança.
É... não são joanetes. É desleixo mesmo! Os chinelos somem na porta giratória.
Não
me contenho e cutuco as costas do velho. Falo num tom de desafio: foram três em menos de cinco minutos. Seis
minutos daquela primeira e mais quatro minutos dos três últimos, dá dez minutos
que divididos por 4 dá... (quase grita) dois minutos e meio! E agora só faltam 12. Mantenho minha
média! Vamos ficar aqui mais 36 minutos que somados aos 10 que já passaram dá
46 que é, praticamente, o que eu calculei! Seis minutos é um desvio
desprezível, estatisticamente. O velho aponta para o caixa um dedo
acusador, carregado de péssimas intenções, que se faz acompanhar de um arfar
rouco, macabro. Uma senhora avança amparada por uma acompanhante que tem nas
mãos uma mixórdia de papeis de todos os feitios e tamanhos. Agora, minha senhora, sua média, vai
para o beleléu! Esse cretino falou beleléu! Não tem nada a ver com ele esta
palavra. Este personagem jamais diria isto! É inverossímil! Decido: este homem
não existe!
Ostensivamente,
com grosseria, volto às costas ao velho e à fila e puxo conversa com a senhora
portuguesa que, atrás de mim, parece tão simpática e otimista. A senhora sorri
com bondade: está demorando, pois não?
Acho que vamos cá ficar mais de uma hora! Humilhada e vencida, concordo: e pois!
2004
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