sábado, outubro 19, 2013

REFLEXÃO SURGIDA DA INTERMAÇÃO


Dou-me conta de que, no meu em torno, existem vários seres humanos tipo “um de cada”. Uma única filha, um único filho, um único irmão, uma única cunhada, uma única sobrinha e um único sobrinho. Esta unicidade tem lá suas vantagens: podem ser todos meus preferidos já que não há concorrência de similar. Mas será que são só eles os únicos? Dou uma revisada nas netas, estas sim, plurais. São três. Mas não é que são únicas! Impossível compará-las. Completamente diferentes uma da outra.

Volto um olhar crítico para os amigos, estes em maior número, embora para coleção de uma vida inteira possa parecer pouco já que do tipo incondicional são treze ao todo. Número cabalístico, né? Analiso um por um. É.. são únicos também. Uma salada de personalidades. Nenhuma coincidência no modo de ser e de pensar, no comportamento, na crença e sei eu lá o que mais. Diferentes entre si e totalmente diferentes de mim.

Amplio o campo de observação e percebo que todas as pessoas que conheço são únicas! Não estou me referindo aos aspectos físicos. Estes nunca me pareceram importantes. Que mentira, Anna Maria! Na adolescência isto era importantíssimo. Qual é a explicação para ter namorado aquele colega do científico deslumbrantemente lindo e extraordinariamente chato? Ora, foi uma única escorregadela e ele era lindo demais!

Esta lembrança do Apolo de antanho, me faz analisar a categoria dos chatos. Será que também são únicos? Pelo efeito que causam inegavelmente são similares. Mas a similitude é só no efeito, não neles próprios. Aqueles a quem conheço são portadores de uma chatice única lá deles. Vai do erudito citador que memoriza e cita incessantes frases ditas por personalidades que vão de Confúcio a MV Bill até o que só consegue contar uma história, seja qual for, iniciando por um prólogo monumental e daí perde o rumo fazendo com que ambos (ele que conta e você que desgraçadamente escuta) esqueçam completamente do que tratava a narrativa original.

 Volto-me para um nível mais sério e percebo que “o duplo” de que fala Freud, e que todos temos, é completamente diferente de cada um de nós. O duplo sempre se apresenta totalmente diverso do original que o esconde. Não tive o prazer (ou quem sabe o desprazer) de conhecer meu duplo. Confesso que tenho uma enorme curiosidade em conhecê-lo. Se isto um dia ocorrer sei que vamos nos desentender já que, mesmo sem duplo, discordo de mim mesma com certa freqüência. Com maior intensidade e quem sabe até com violência, pois é certo que este – cruel - vai evidenciar traços de personalidade que eu gostaria de esconder.

Pensando bem o duplo até que poderia resolver alguns problemas: quem sabe pessoas desagradáveis, chatas e inviáveis seriam mais palatáveis se o duplo assumisse o dia-a-dia? Será que os terapeutas, que tentam fazer vir à tona os duplos para depois eliminá-los, poderiam realizar esta proeza às avessas? Ou seja, implantar o duplo eliminando o original. Surpresas agradáveis poderiam ocorrer, gerando comentários: depois que o duplo dele assumiu tornou-se interessantíssimo, ou ainda, você já esteve com o duplo dela? Incrível! Irreconhecível! É... nem pela existência do duplo se escapa de ser único.

Crio um neologismo para substantivar a descoberta da unicidade: ”serúnico”. Não tem um som bonito, é verdade, mas descreve perfeitamente esta condição dos seres humanos. Somos todos, efetivamente, “serúnicos”! Alguns mais serúnicos que outros, é verdade, apresentando personalidades para lá de interessantes; outros mais modestos, até um tanto sem graça. Mas um sem graça único! A consciência de ser “serúnico” pode envaidecer a todos. Afinal cada um é raridade. Esta constatação poderá jogar a auto-estima na estratosfera, quem sabe? Um “serúnico”, justificadamente, pode orgulhar-se de ser quem é, já que ninguém a si mesmo se igualaria.

Releio o que escrevi até aqui e me assusto: será que o calor absurdo a que estou sendo submetida neste dia escaldante está me levando ao delírio? É bem possível. Mas não deixa de ser um sonho. Mal conformado, mas ainda assim um sonho. E sonhar é indispensável à vida.

Tranquilizada pela quase certeza de não estar enlouquecendo procuro aplicações práticas para minha tese e volto o olhar para o cenário político administrativo deste País, povoado de inúmeros “serúnicos” de péssimo nível. E eis que se apresenta uma solução passível de ser adotada para melhorar a qualidade. Associações de terapeutas poderiam promover um mutirão gigantesco destinado a fazer vir à tona o duplo de “serúnicos” nos Três Poderes, promovendo o desaparecimento dos originais quando estes, avaliado por parâmetros éticos e morais, fossem de má qualidade, substituindo-os pelos ditos duplos.

A revelação do duplo seria então uma obrigatoriedade para candidatura ou indicação para qualquer cargo público. Um procedimento tipo Ficha Limpa da Personalidade. Mesmo que através de alguma liminar ou decisão do STF os originais obtivessem o direito de sobreviver (tudo é possível no Egrégio), seus duplos, uma vez revelados publicamente, seriam atuantes conjuntos. Como conseqüência, nos dias aprazados para votações, a urna eletrônica nos ofereceria a opção de votar num ou noutro.
2011

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