Dou-me
conta de que, no meu em torno, existem vários seres humanos tipo “um de cada”.
Uma única filha, um único filho, um único irmão, uma única cunhada, uma única
sobrinha e um único sobrinho. Esta unicidade tem lá suas vantagens: podem ser
todos meus preferidos já que não há concorrência de similar. Mas será que são
só eles os únicos? Dou uma revisada nas netas, estas sim, plurais. São três.
Mas não é que são únicas! Impossível compará-las. Completamente diferentes uma
da outra.
Volto
um olhar crítico para os amigos, estes em maior número, embora para coleção de
uma vida inteira possa parecer pouco já que do tipo incondicional são treze ao
todo. Número cabalístico, né? Analiso um por um. É.. são únicos também. Uma
salada de personalidades. Nenhuma coincidência no modo de ser e de pensar, no
comportamento, na crença e sei eu lá o que mais. Diferentes entre si e
totalmente diferentes de mim.
Amplio
o campo de observação e percebo que todas as pessoas que conheço são únicas!
Não estou me referindo aos aspectos físicos. Estes nunca me pareceram
importantes. Que mentira, Anna Maria! Na adolescência isto era importantíssimo.
Qual é a explicação para ter namorado aquele colega do científico
deslumbrantemente lindo e extraordinariamente chato? Ora, foi uma única
escorregadela e ele era lindo demais!
Esta
lembrança do Apolo de antanho, me faz analisar a categoria dos chatos. Será que
também são únicos? Pelo efeito que causam inegavelmente são similares. Mas a
similitude é só no efeito, não neles próprios. Aqueles a quem conheço são
portadores de uma chatice única lá deles. Vai do erudito citador que memoriza e
cita incessantes frases ditas por personalidades que vão de Confúcio a MV Bill
até o que só consegue contar uma história, seja qual for, iniciando por um
prólogo monumental e daí perde o rumo fazendo com que ambos (ele que conta e
você que desgraçadamente escuta) esqueçam completamente do que tratava a
narrativa original.
Volto-me para um nível mais sério e percebo
que “o duplo” de que fala Freud, e que todos temos, é completamente diferente
de cada um de nós. O duplo sempre se apresenta totalmente diverso do original
que o esconde. Não tive o prazer (ou quem sabe o desprazer) de conhecer meu
duplo. Confesso que tenho uma enorme curiosidade em conhecê-lo. Se isto um dia
ocorrer sei que vamos nos desentender já que, mesmo sem duplo, discordo de mim
mesma com certa freqüência. Com maior intensidade e quem sabe até com
violência, pois é certo que este – cruel - vai evidenciar traços de
personalidade que eu gostaria de esconder.
Pensando
bem o duplo até que poderia resolver alguns problemas: quem sabe pessoas
desagradáveis, chatas e inviáveis seriam mais palatáveis se o duplo assumisse o
dia-a-dia? Será que os terapeutas, que tentam fazer vir à tona os duplos para
depois eliminá-los, poderiam realizar esta proeza às avessas? Ou seja,
implantar o duplo eliminando o original. Surpresas agradáveis poderiam ocorrer,
gerando comentários: depois que o duplo
dele assumiu tornou-se interessantíssimo, ou ainda, você já esteve com o duplo dela? Incrível! Irreconhecível! É... nem
pela existência do duplo se escapa de ser único.
Crio
um neologismo para substantivar a descoberta da unicidade: ”serúnico”. Não tem
um som bonito, é verdade, mas descreve perfeitamente esta condição dos seres
humanos. Somos todos, efetivamente, “serúnicos”! Alguns mais serúnicos que
outros, é verdade, apresentando personalidades para lá de interessantes; outros
mais modestos, até um tanto sem graça. Mas um sem graça único! A consciência de
ser “serúnico” pode envaidecer a todos. Afinal cada um é raridade. Esta
constatação poderá jogar a auto-estima na estratosfera, quem sabe? Um
“serúnico”, justificadamente, pode orgulhar-se de ser quem é, já que ninguém a
si mesmo se igualaria.
Releio
o que escrevi até aqui e me assusto: será que o calor absurdo a que estou sendo submetida neste dia escaldante está me levando ao delírio? É bem
possível. Mas não deixa de ser um sonho. Mal conformado, mas ainda assim um
sonho. E sonhar é indispensável à vida.
Tranquilizada
pela quase certeza de não estar enlouquecendo procuro aplicações práticas para
minha tese e volto o olhar para o cenário político administrativo deste País,
povoado de inúmeros “serúnicos” de péssimo nível. E eis que se apresenta uma
solução passível de ser adotada para melhorar a qualidade. Associações de
terapeutas poderiam promover um mutirão gigantesco destinado a fazer vir à tona
o duplo de “serúnicos” nos Três Poderes, promovendo o desaparecimento dos
originais quando estes, avaliado por parâmetros éticos e morais, fossem de má
qualidade, substituindo-os pelos ditos duplos.
A
revelação do duplo seria então uma obrigatoriedade para candidatura ou
indicação para qualquer cargo público. Um procedimento tipo Ficha Limpa da
Personalidade. Mesmo que através de alguma liminar ou decisão do STF os
originais obtivessem o direito de sobreviver (tudo é possível no Egrégio), seus
duplos, uma vez revelados publicamente, seriam atuantes conjuntos. Como
conseqüência, nos dias aprazados para votações, a urna eletrônica nos
ofereceria a opção de votar num ou noutro.
2011
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