Será que você pode me dizer quanto custa um mico de três meses?
Irritada, num primeiro impulso, pensa em desligar o telefone. Mas dá-se conta
de que é a única culpada. A curiosidade, a maldita curiosidade que a acompanha
há oitenta anos, aliada às mais absurdas informações fornecidas pelos
vizinhos de poltrona nos muitos trechos BSB/RIO ou RIO/BSB (BSB é Brasília),
fazem com que sua já lotada cabeça deixe sair pelo ladrão declarações
esdrúxulas que motivam gracinhas como esta.
Quem mandou deixar escapar em meio ao jantar, e ainda por cima,
com veemência: vocês não devem alimentá-los! É péssimo porque... e
enveredou pela explanação sobre o mal feito de alimentar micos quando percebeu
a expressão divertida dos amigos. Calou-se, mas o estrago já estava
feito. De nada lhe valeu na vida o alerta que sempre fez aos estagiários:
excesso de informação não gera conhecimento.Deste mal acabou sendo a maior vítima.
Mal o avião decolou o
companheiro ao lado lhe confidenciou: sou veterinário especializado em animais
silvestres. Pronto! Deixa dada, a curiosidade atacou e as perguntas surgiram
seguidas de respostas extensas, elucidativas, técnicas e até poéticas. Os micos são monogâmicos! O que tem isto a ver? Sabe-se lá, mas o fato é que são e
apesar de viver em bandos são fiéis às suas micas. E tem mais! Os pais é que
cuidam do bebê após quatro dias de nascidos.
Sentiu-se culpada! No laptop o modelo de dados que inicia o
desenvolvimento do novo sistema exigia retoques! Procurou, no passado, razão
para justificar seu interesse maior pelos micos: seu velho professor de
filosofia insistia que tudo tem a ver com tudo. Tentou relacionar os micos ao
modelo para sossegar a consciência. Não conseguiu e teve que optar. Venceram os
micos! Quando as rodas do avião tocaram a pista, apressada, ainda formulou uma
pergunta. A resposta veio do alto. Ele já estava retirando a mala do
compartimento de bagagem e deixando-a cheia de perguntas não formuladas sobre
esta espécie.
Prometeu-se não olhar para o lado, na volta. Se ele falar (é
sempre ele e não ela. Por que será?) vai polidamente informar que tem que
trabalhar durante a viagem. Mas... ele abriu um jornal do Maranhão. Mostrou a
foto de um gol iminente e aponta: esse jogador é meu! Foi-se por água abaixo
o raio do modelo, agora mais complexo, e ela perguntou: é do seu time? Pergunta
pequena, inocente, mas abriu um mundo de informações. O sujeito era agente de
jogador de futebol. Vocês sabem quanto ganha um goleiro de um time do Maranhão?
Eu agora sei! Eles, os jogadores, moram numa república. É mais barato, sabe? E
se você, quer dizer, ele, for zagueiro dá mais chance de aparecer na mídia, em
fotos, porque quando marca um jogador como o Teves, as câmeras estão sempre
apontadas em sua direção. Mesmo que seja zagueiro de um time do Maranhão. E
quando dá sorte de ser dono de um que vai para a Europa? Nossa! A comissão
(20%) é em Euro!
Tentou, obediente a seus mínimos conhecimentos filosóficos do
científico (é... estudava-se filosofia no científico) juntar esta informações
aos micos e ao modelo. Na verdade teria que acrescentar a estas, as obtidas do
taxidermista do trecho RIO/THE (THE é Teresina) cujo mercado é voltado para
colecionadores e pesquisadores. Até que dá para juntar alguma coisa. Micos e
taxidermista guardam uma clara relação e relação tem a ver com modelo. Embora
não conheça, devem existir pesquisadores e colecionadores que necessitam de
micos empalhados e certamente de um sistema informatizado para tratar as
informações sobre os ditos cujos. Mas a prática da taxidermia seria criminosa
se adotada, por um agente, em um zagueiro.
No trecho RIO/POA (POA é Porto Alegre) observa o jovem, muito
jovem, que coloca o cinto a seu lado. Este não vai nem falar comigo! Maravilha!
Coloca o laptop no colo, pronta para ação. A voz vem simpática, até
carinhosa: a senhora parece com minha avó ela também adora computador. Brinca o
dia inteiro fazendo paciência! Um grande alívio a invade. Nenhum perigo.
Que ela saiba não existe “especialização avó”, o que lhe garante a não
ocorrência de um manancial de novas informações.
A voz continua doce: estou indo para casa dela. Tranquila
pergunta: vai de férias? E na resposta, carregada de orgulho, o horror que se
anuncia: não! Sou campeão de skates. Vou para uma competição! Já no hotel,
exausta, tenta conseguir o merecido sono, preparando-se para as muitas reuniões
do dia seguinte. Em vão: micos machos, com filhotes empalhados às costas, jogam
um novo tipo de futebol sobre skates que são dotados com o centro de gravidade
baixo e de pegada larga, o que lhes garante maior estabilidade!
2007