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Essa rua que a senhora quer ir tá em obra.
Lugar perigoso pra “daná” e esta hora tem nada mais aberto. Que mal lhe
pergunte: que é que a senhora vai fazer lá?
A
expressão do motorista de táxi é genuinamente preocupada, além de simpática,
evitando um irritado “o que é que o senhor tem com isto?” Muito ao contrário
resolvo prestar contas:
- Vou ver uma peça de teatro, quer dizer não é
de fato uma peça, É a leitura de uma peça.
- Cumé que é?! É só artista lendo?
- Não são atores. São juízes que resolveram ler
uma peça.
- Eu, heim? E por que é que eles vai fazer
isto?
- Por que a peça é muito boa.
- Ah! É comédia?
- Não. É... é tragédia. Quer dizer, é muito
triste.
- E a senhora sem ver já sabe que é muito
triste?
- Eu já conheço. Já li várias vezes.
- Eu, heim?! Vai ver um teatro que não é teatro
com gente que não é artista lendo uma história que a senhora tá careca de
conhecer! Cumé que é o lance dela? Diz ai.
- Aconteceu na Grécia que é um país....
- ... sei qual é. Tá uma confusão dos diabos
por lá. Vi na televisão. Desemprego brabo! Tô sabendo. Triste mesmo.
- Não é isto! A história aconteceu há muito
tempo. Antes de Jesus nascer!
- Caramba! Antes de Jesus nascer era no tempo dos
dinossauros, né? E ai?
- É a história de uma moça chamada Antígona. O
tio dela, chamado Creonte, era o rei. E havia uma guerra pra tirar ele do
trono. Um dos irmãos de Antígona era a favor, outro contra. Ai um mata o outro.
Quer dizer, os dois se matam. E Creonte proíbe todo mundo de enterrar o que
lutava contra ele. Tinha que apodrecer sendo comido por bichos. Ai Antígona...
- ... porreta este pinta! Jeito maneiro de
castigar bandido. Sempre pensei assim: bandido mesmo morto tem que ser
castigado.
- Mas ele não era bandido!
- Cumé que não era? Tava lutando contra o tio e
mais o irmão. E ainda mata o irmão. Qual é?!
- Não era bandidagem. Era uma guerra que tinha
seus motivos.
- Tá legal a gente não vai brigar por causa
desse seu Creonte. Mas conta lá. O que foi que aconteceu com a mocinha?
- A “mocinha” desobedece o tio e vai lá
enterrar o irmão e os soldados do tio prendem ela. Então o tio resolve
condená-la a morte mandando enterrar viva numa caverna.
- (rindo) O homem era mau mesmo!
- Mas o pior é que o filho de Creonte era noivo
de Antígona. Ele fica desesperado e se suicida. Então a mãe dele, mulher de
Creonte, também se mata.
- Danou-se! E esse Creonte ficou na pior, né?
- Ficou desesperado. Arrependido!
- Acaba ai? Essa tal de Antígona não tinha mais
ninguém, não? Pra defender ela? Nem pai, nem mãe?
- A mãe tinha se suicidado também muito antes.
E o pai já tinha morrido também. É outra história que também virou uma peça de
teatro muito bonita.
- Bonita? Com essa desgraceira toda? Eu quero é
distância! Porque a mãe da guria se suicidou?
- Porque descobriu que o marido, era seu filho.
- Putzgrila! Depois diz que por aqui só tem
violência! Esta tal da Grécia é uma sem-vergonhice das grandes. Eles merecem
tudo que está acontecendo por lá. Pode uma coisa dessas?! Aqui bandido respeita
a mãe. Os pior respeita! É de lei! Coitada da mocinha. Vai ver só ela que tava
certa. Eu só não entendo como é que a senhora quer ver esta porqueira de novo!
É só pouca vergonha. Agora me diz: o pai da mocinha que casou com a mãe dele
mesmo, morreu de quê? Também deu um tiro nos cornos?
- Não tinha tiro naquele tempo! Quando ele
descobriu que era filho da mulher furou os próprios olhos e foi pra longe. Ele
era o rei e deixou o reino para o cunhado que era o Creonte. Morreu pobre e
só.
- Cacilda! Só tem tarado nessa história. Agora
me diz por que os juiz vai ler esta pouca vergonha? Juiz tem mais é que mandar
bandido para cadeia. O que me encafifa é que a senhora acha bonito. Qual é? Vai
ver isso aconteceu porque foi antes de Jesus nascer. Eu nunca fui muito pros
lados dos evangélicos. Mas só mesmo o poder de Jesus pra não deixar uma
sacanagem dessas acontecer!
2011
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