sábado, outubro 05, 2013

VERSÃO CARIOCA DE ANTÍGONA

-    Essa rua que a senhora quer ir tá em obra. Lugar perigoso pra “daná” e esta hora tem nada mais aberto. Que mal lhe pergunte: que é que a senhora vai fazer lá?

A expressão do motorista de táxi é genuinamente preocupada, além de simpática, evitando um irritado “o que é que o senhor tem com isto?” Muito ao contrário resolvo prestar contas:

-   Vou ver uma peça de teatro, quer dizer não é de fato uma peça, É a leitura de uma peça.
-   Cumé que é?! É só artista lendo?
-   Não são atores. São juízes que resolveram ler uma peça.
-   Eu, heim? E por que é que eles vai fazer isto?
-   Por que a peça é muito boa.
-   Ah! É comédia?
-   Não. É... é tragédia. Quer dizer, é muito triste.
-   E a senhora sem ver já sabe que é muito triste?
-   Eu já conheço. Já li várias vezes. 
-   Eu, heim?! Vai ver um teatro que não é teatro com gente que não é artista lendo uma história que a senhora tá careca de conhecer! Cumé que é o lance dela? Diz ai.
-   Aconteceu na Grécia que é um país....
-   ... sei qual é. Tá uma confusão dos diabos por lá. Vi na televisão. Desemprego brabo! Tô sabendo. Triste mesmo.
-   Não é isto! A história aconteceu há muito tempo. Antes de Jesus nascer!
-   Caramba! Antes de Jesus nascer era no tempo dos dinossauros, né? E ai?
-   É a história de uma moça chamada Antígona. O tio dela, chamado Creonte, era o rei. E havia uma guerra pra tirar ele do trono. Um dos irmãos de Antígona era a favor, outro contra. Ai um mata o outro. Quer dizer, os dois se matam. E Creonte proíbe todo mundo de enterrar o que lutava contra ele. Tinha que apodrecer sendo comido por bichos. Ai Antígona...
-   ... porreta este pinta! Jeito maneiro de castigar bandido. Sempre pensei assim: bandido mesmo morto tem que ser castigado.
-   Mas ele não era bandido!
-   Cumé que não era? Tava lutando contra o tio e mais o irmão. E ainda mata o irmão. Qual é?!
-   Não era bandidagem. Era uma guerra que tinha seus motivos.
-   Tá legal a gente não vai brigar por causa desse seu Creonte. Mas conta lá. O que foi que aconteceu com a mocinha?   
-   A “mocinha” desobedece o tio e vai lá enterrar o irmão e os soldados do tio prendem ela. Então o tio resolve condená-la a morte mandando enterrar viva numa caverna.
-   (rindo) O homem era mau mesmo!
-   Mas o pior é que o filho de Creonte era noivo de Antígona. Ele fica desesperado e se suicida. Então a mãe dele, mulher de Creonte, também se mata.
-   Danou-se! E esse Creonte ficou na pior, né?
-   Ficou desesperado. Arrependido!
-   Acaba ai? Essa tal de Antígona não tinha mais ninguém, não? Pra defender ela? Nem pai, nem mãe?
-   A mãe tinha se suicidado também muito antes. E o pai já tinha morrido também. É outra história que também virou uma peça de teatro muito bonita.
-   Bonita? Com essa desgraceira toda? Eu quero é distância! Porque a mãe da guria se suicidou?
-   Porque descobriu que o marido, era seu filho.
-   Putzgrila! Depois diz que por aqui só tem violência! Esta tal da Grécia é uma sem-vergonhice das grandes. Eles merecem tudo que está acontecendo por lá. Pode uma coisa dessas?! Aqui bandido respeita a mãe. Os pior respeita! É de lei! Coitada da mocinha. Vai ver só ela que tava certa. Eu só não entendo como é que a senhora quer ver esta porqueira de novo! É só pouca vergonha. Agora me diz: o pai da mocinha que casou com a mãe dele mesmo, morreu de quê? Também deu um tiro nos cornos?
-   Não tinha tiro naquele tempo! Quando ele descobriu que era filho da mulher furou os próprios olhos e foi pra longe. Ele era o rei e deixou o reino para o cunhado que era o Creonte. Morreu pobre e só. 
-   Cacilda! Só tem tarado nessa história. Agora me diz por que os juiz vai ler esta pouca vergonha? Juiz tem mais é que mandar bandido para cadeia. O que me encafifa é que a senhora acha bonito. Qual é? Vai ver isso aconteceu porque foi antes de Jesus nascer. Eu nunca fui muito pros lados dos evangélicos. Mas só mesmo o poder de Jesus pra não deixar uma sacanagem dessas acontecer!
2011



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