quarta-feira, outubro 16, 2013

O PERIGO É OUTRO

É grande a quantidade de pessoas que faz desmedidos esforços para não envelhecer. Verdade que por algum tempo conseguem obter algum resultado. Mas as intervenções plásticas que se multiplicam, ainda que por vezes possam retirar do rosto e do corpo as marcas do tempo, evidenciam que foi necessário fazê-las e isto sem dúvida atesta que o sujeito ou sujeita esta envelhecendo.

Não sou contra plásticas. Longe de mim qualquer crítica a quem a faz. Acho que se alguém se sente bem ao fazê-las deve ir à luta.  O que me espanta é que pensem que o com isto não estão envelhecendo. Creio que estas pessoas tenham medo de que o envelhecimento destrua o encanto ou o charme que têm. Ledo engano! O que realmente causa esta perda, provocando uma morte em vida é outro mal, devastador, sobre o qual pouco se fala. E é triste que raramente sejam empreendidas ações efetivas para combatê-lo: este mal é a sua exclusão do catálogo.

São muitos os sinais que denunciam que esta exclusão vai se dar e, pasmem, os sintomas começam a ocorrer muito cedo, muito antes que os sinais físicos de envelhecimento fiquem evidentes. Um dos primeiros é o olhar de censura com que observam os mais jovens reprovando seus gostos, tendências e procedimentos. Esquecem os que assim procedem que quando jovens eram também precursores de novos comportamentos, de novos hábitos. A reprovação que demonstram faz com que os jovens deles se afastem o que é péssimo porque estes são antídotos poderosos contra a desfenestração do catálogo.
Depois surgem as terríveis declarações que iniciam sempre por “no meu tempo” ou “no nosso tempo”. Neste (tempo) filmes, peças de teatro, atores, musicas, livros e que mais sei eu, eram melhores. Pode?! Até estatisticamente é impossível que isto ocorra. Tanto no passado, quanto hoje, as coisas podem ser boas ou ruins, agradando ou desagradando de acordo com gosto pessoal, cultura e vivência. “Ay there’s the rub”! Ou como melhor diria um Hamlet tupiniquim: ai é que está o buzilis! Quando a “vivência” deixa de ser um processo que muda pontos de vista, trazendo o novo, o diferente, e estaciona no passado, o indivíduo torna-se um chatíssimo saudosista. Um ser com quem é impossível conversar ou trocar idéias sobre a vida que está em curso. Nada de interessante ou original deles virá. Vai daí que vão se afastando, ou melhor, vão sendo afastados, até que sejam retirados totalmente do catálogo público ficando disponíveis somente para um catálogo familiar onde são aceitos, até carinhosamente, mas sempre com a palavra “coitado” precedendo ao nome.

Convenho que à medida que os anos passam manter-se no catálogo pode exigir um esforço considerável, sobretudo se a pessoa pertence ao mundo dos aposentados do INSS que dificulta, e muito, a atualização nos assuntos. Livros, discos, espetáculos, assinaturas de jornais e revistas são objetos caros. A televisão nunca vai fundo e os filmes que nela passam já foram vistos e discutidos há algum tempo pelos seres mais abonados.

Aliás, aqui vale um parêntese: já repararam como na televisão não existem pausas? Estas que enriquecem e têm um papel importantíssimo na música, nos textos dramáticos e até na vida do todo dia, não tem vez nesta mídia. Ao contrário há uma preocupação em evitar que ocorram. Por que será? Vai ver que é porque pausa é um tempo de reflexão que se dá ouvinte e tudo que não se quer na televisão é que este reflita sobre o que quer que seja. Caso isto ocorra haverá o perigo do espectador se perder em pensamentos deixando de olhar a tela, como ocorre quando se pára a leitura para pensar no que se leu.

Mas voltando ao catálogo, ou melhor, à dificuldade de nele se manter com pouco numerário. É difícil, mas não impossível: existem os “de grátis” (como diz uma de minhas netas), as pessoas pra lá de interessantes, as conversas que se escutam sem querer nas ruas, nos restaurantes, e até aquelas frases deliciosas, sem princípio ou fim, que escutamos em elevadores. Mas, sobretudo, existe a observação da vida que está ocorrendo hoje.

Adorei os filmes que vi na mocidade. Tenho certeza que muitos ainda veria com prazer hoje em dia. Mas existiram outros que foram ultrapassados pelo tempo, este Deus esquisito que transmuda as coisas, porque não mais se está na época que respaldava o encanto que provocaram. Hoje, bem mais velha, posso avaliar os destinados a qualquer idade o que é uma enorme vantagem e, sobretudo, posso perceber a transformação que descrevem nos usos, nos costumes, na vida enfim.

Outra coisa que muito me impressiona é a força com que preconceitos pululam nos “fora de catálogo”. Preconceito envelhece! E como! E triste perceber como as pessoas tornam-se velhas pela não aceitação do outro diferente de si, na cor, na preferência sexual, na origem, na classificação social e sei eu lá mais o quê.  E tome “no meu tempo”! E eis que de repente o futuro célere só lhes oferecerá a saudade do que existiu e não mais existe.

O sentir que a lembrança nos traz é coisa pra lá de boa, mas impossível de ser compartilhado com os que não viveram os momentos que as provocam. É coisa particular. Viver dele ou nele e é morrer em vida. E, quando ocorre a morte real ouve-se em todas as bocas o terrível comentário: Morreu?! Pensei que já houvesse morrido há anos!

2011

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