É grande a quantidade de pessoas que faz
desmedidos esforços para não envelhecer. Verdade que por algum tempo conseguem
obter algum resultado. Mas as intervenções plásticas que se multiplicam, ainda
que por vezes possam retirar do rosto e do corpo as marcas do tempo, evidenciam
que foi necessário fazê-las e isto sem dúvida atesta que o sujeito ou sujeita
esta envelhecendo.
Não sou contra plásticas. Longe de mim
qualquer crítica a quem a faz. Acho que se alguém se sente bem ao fazê-las deve
ir à luta. O que me espanta é que pensem
que o com isto não estão envelhecendo. Creio que estas pessoas tenham medo de que o
envelhecimento destrua o encanto ou o charme que têm. Ledo engano! O que
realmente causa esta perda, provocando uma morte em vida é outro mal,
devastador, sobre o qual pouco se fala. E é triste que raramente sejam
empreendidas ações efetivas para combatê-lo: este mal é a sua exclusão do
catálogo.
São muitos os sinais que denunciam que esta
exclusão vai se dar e, pasmem, os sintomas começam a ocorrer muito cedo, muito
antes que os sinais físicos de envelhecimento fiquem evidentes. Um dos primeiros é
o olhar de censura com que observam os mais jovens reprovando seus gostos,
tendências e procedimentos. Esquecem os que assim procedem que quando jovens
eram também precursores de novos comportamentos, de novos hábitos. A reprovação
que demonstram faz com que os jovens deles se afastem o que é péssimo porque
estes são antídotos poderosos contra a desfenestração do catálogo.
Depois surgem as terríveis declarações que
iniciam sempre por “no meu tempo” ou “no nosso tempo”. Neste (tempo) filmes,
peças de teatro, atores, musicas, livros e que mais sei eu, eram melhores.
Pode?! Até estatisticamente é impossível que isto ocorra. Tanto no passado,
quanto hoje, as coisas podem ser boas ou ruins, agradando ou desagradando de
acordo com gosto pessoal, cultura e vivência. “Ay there’s the rub”! Ou como
melhor diria um Hamlet tupiniquim: ai é que está o buzilis! Quando a “vivência”
deixa de ser um processo que muda pontos de vista, trazendo o novo, o diferente, e
estaciona no passado, o indivíduo torna-se um chatíssimo saudosista.
Um ser com quem é impossível conversar ou trocar idéias sobre a vida que está
em curso. Nada de interessante ou original deles virá. Vai daí que vão se
afastando, ou melhor, vão sendo afastados, até que sejam retirados totalmente
do catálogo público ficando disponíveis somente para um catálogo familiar onde
são aceitos, até carinhosamente, mas sempre com a palavra “coitado” precedendo
ao nome.
Convenho que à medida que os anos passam
manter-se no catálogo pode exigir um esforço considerável, sobretudo se a
pessoa pertence ao mundo dos aposentados do INSS que dificulta, e muito, a
atualização nos assuntos. Livros, discos, espetáculos, assinaturas de jornais e
revistas são objetos caros. A televisão nunca vai fundo e os filmes que nela
passam já foram vistos e discutidos há algum tempo pelos seres mais abonados.
Aliás, aqui vale um parêntese: já repararam
como na televisão não existem pausas? Estas que enriquecem e têm um papel
importantíssimo na música, nos textos dramáticos e até na vida do todo dia, não
tem vez nesta mídia. Ao contrário há uma preocupação em evitar que ocorram. Por
que será? Vai ver que é porque pausa é um tempo de reflexão que se dá ouvinte e
tudo que não se quer na televisão é que este reflita sobre o que quer que seja.
Caso isto ocorra haverá o perigo do espectador se perder em pensamentos deixando
de olhar a tela, como ocorre quando se pára a leitura para pensar no que se
leu.
Mas voltando ao catálogo, ou melhor, à dificuldade de nele se manter com pouco numerário. É difícil, mas não
impossível: existem os “de grátis” (como diz uma de minhas netas), as pessoas
pra lá de interessantes, as conversas que se escutam sem querer nas ruas, nos
restaurantes, e até aquelas frases deliciosas, sem princípio ou fim, que
escutamos em elevadores. Mas, sobretudo, existe a observação da vida que está
ocorrendo hoje.
Adorei os filmes que vi na mocidade. Tenho
certeza que muitos ainda veria com prazer hoje em dia. Mas existiram outros que
foram ultrapassados pelo tempo, este Deus esquisito que transmuda as coisas, porque
não mais se está na época que respaldava o encanto que provocaram. Hoje, bem
mais velha, posso avaliar os destinados a qualquer idade o que é uma enorme
vantagem e, sobretudo, posso perceber a transformação que descrevem nos usos,
nos costumes, na vida enfim.
Outra coisa que muito me impressiona é a
força com que preconceitos pululam nos “fora de catálogo”. Preconceito
envelhece! E como! E triste perceber como as pessoas tornam-se velhas pela não
aceitação do outro diferente de si, na cor, na preferência sexual, na origem,
na classificação social e sei eu lá mais o quê.
E tome “no meu tempo”! E eis que de repente o futuro célere só lhes oferecerá
a saudade do que existiu e não mais existe.
O sentir que a lembrança nos traz é coisa pra lá de boa, mas
impossível de ser compartilhado com os que não viveram os momentos que as
provocam. É coisa particular. Viver dele ou nele e é morrer em vida. E, quando ocorre a morte real ouve-se em todas as bocas o terrível
comentário: Morreu?! Pensei que já
houvesse morrido há anos!
2011
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