Drauzio Varella publica na Folha de São Paulo
uma espantosa revelação: existe, calculado, um índice de felicidade tipo IDH medido por instituições sérias! Foi assim que fiquei sabendo que na faixa dos
62 anos os ucranianos são os indivíduos mais infelizes do mundo! Caramba! Nossa
Presidente (ou Presidenta, como prefere) encontra-se perigosamente nesta faixa
e, filha de pai búlgaro, tem avô ucraniano. Espero, para nosso bem, que a
infelicidade avoenga não seja transmissível geneticamente ou que os búlgaros
(não mencionados por Dráuzio Varella) sejam extremamente felizes anulando a
perigosa ascendência ucraniana.
Afirma também o estudo que os suíços são
portadores de uma infelicidade máxima aos 35 anos! Coitados! Uma idade tão
simpática com toda esta desesperança. Mas como a esta altura de minha vida é
pouco provável que me veja cercada de ucranianos de 62 anos ou de suíços de 35,
que me levariam ao desespero e à tristeza, esta informação de pouco me serve. O
espanto me vem das conclusões de análises feitas a partir dos índices
encontrados, mundo afora.
Ao que parece na maioria dos países o bem
estar emocional é excepcional até os dezoito anos. A partir daí começa a
decrescer acentuando-se a queda depois dos trinta chegando a um nível
catastrófico aos 46 quando volta a subir. Entre os 65 e 70 os níveis passam a
se igualar aos da juventude. Quem sou eu para discordar da America’s General
Social Survey ou do Instituto Gallup! Mas o fato é que não é este quadro que
percebo aqui por nossas paragens brasileiras. Afirma também a pesquisa que os
mais velhos são mais hábeis para resolver conflitos. Será? Que me perdoem meus
pares, mas conheço um grande número de idosos que são verdadeiros especialistas
em criá-los. Será que os brasileiros fogem à regra?
Diz Drauzio Varella que as conclusões
estranhamente são as mesmas, seja para os Estados Unidos, seja para o Zimbábue
e não fornece qualquer dado específico sobre o Brasil. Vai ver não foram
colhidos sobre nossa terra. Quem sabe as instituições responsáveis pelo estudo,
informadas que foram sobre a “alegria do povo brasileiro”, internacionalmente
louvada a partir de imagens do carnaval, julgaram que por aqui haveria um
enorme desvio e nos eliminaram da amostra. De qualquer modo o estudo, pelo
menos do meu ponto de observação, não bate com o que vejo.
Acho mesmo impossível estratificar bem estar
e felicidade por faixa etária. Com ou sem razão as pessoas são felizes ou
infelizes em todas as idades. Ou melhor, as pessoas são capazes de momentos ou
épocas de felicidades ou infelicidades em todas estas idades. O tempo todo
ninguém é uma coisa ou outra embora alguns consigam manter uma infelicidade
crônica que fabricam e carinhosamente cultivam a partir de qualquer ou nenhum
motivo.
Conheci um homem talentoso, inteligente e
bonito que era sempre muito infeliz. Quando, já aos cinqüenta anos esta
infelicidade era contestada por nós, seus amigos, vinha a invariável e absurda resposta
desolada: mas eu sou órfão! Órfão aos
50?! A verdade é que no todo-dia felicidade pode ser disparada por vários
gatilhos e infelicidade idem. E, em qualquer idade, na maioria das vezes os
gatilhos são acionados por acontecimentos comuns, corriqueiros.
Lembro-me da declaração radiante de meu filho
mais velho, aos nove anos, ao chegar do colégio e ser derrubado e lambido
efusivamente por seu cão boxer: isso é a
coisa melhor do mundo! Ou de uma
cozinheira que aqui trabalhou cujo sonho era ir a um shopping (comércio recém
criado) e ter um vestido longo. E foram estes meus presentes naquele Natal. Na
volta para casa repetia sem cessar: nunca
fui tão feliz em minha vida. E olha que estava na idade de chegar ao fundo
do poço segundo os índices mundiais. Muitos anos depois veio me visitar e
declarou: foi o dia mais feliz de minha
vida! Nunca vou esquecer!
Os ditados populares procuram inutilmente
ensinar a receita do bem estar e da felicidade: o copo meio cheio meio vazio,
os limões com os quais se pode fazer uma limonada, não há mal que sempre dure e
por ai vai. Digo inútil porque tenho a impressão que algumas pessoas já nascem
com a capacidade de aplicá-los as suas vidas mesmo sem ter deles conhecimento e
outras não. É como ver beleza. Existem pessoas que não conseguem ver beleza no
que quer que seja. Desviam os olhos de enormes brilhantes voltando a atenção
para minúsculas jaças.
Há muitos anos atrás reunimos-nos, vários
casais, na casa daquele que havia feito uma viagem lá pros lados da Polinésia.
A reunião destinava-se a assistir a um filme da viagem. Preparamo-nos para os
costumeiros comentários que ilustrariam a exibição: “nós em frente à...; nós em cima do...; nosso hotel. Nosso quarto era
ali...”. Mas, ao contrário, nos foi
mostrada uma explosão de cores e formas dignas do pincel de Van Gogh. Impossível
descrever. Assistíamos calados e maravilhados a uma avant première do Paraíso. E eis que quebra o silêncio, soturna,
uma das mulheres presentes conhecida pelo negativismo e pelo português nem
sempre correto: ai deve de ter muito
mosquito. Imediatamente uma nuvem destes desagradáveis insetos nos invadiu.
Ela conseguiu tirar de nós a felicidade da beleza. E olha que nem estava na faixa etária da
total ausência de bem estar!
Tenho pra mim que em todas as idades existem
pessoas especializadas em alertar para a presença de mosquitos, tirando-nos o
prazer de bons momentos. Para elas não existe inseticida que os elimine. E,
infelizes como um suíço de 35 anos, têm como destino cruel passar uma vida
coçando-se das picadas.
2011
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