A leitura de um belo texto de Mário Chimanivicth - O Lamento
de um Dinossauro – me trouxe à memória “aquele olhar”... Não me recordo da
primeira vez que foi a mim dirigido. Mas naquela tarde de verão do ano 2000 o
reconheci no momento em que entrei na sala onde faria a apresentação de um novo
sistema destinado a controlar empréstimos concedidos a associações de
trabalhadores sem terra para compra de propriedade rural.
A emissora do olhar era uma dos jovens
analistas de sistemas da empresa que se encarregaria do desenvolvimento. Melhor
que emissora seria dizer atiradora já que o olhar era mortal e carregado de
significado. Era bem jovem a moça, no máximo uns 25 anos; era bem velha eu, no
mínimo 70! E o motivo da agressão visual era justamente estes no mínimo 45 anos de diferença. A frase
formulada com os olhos soava nítida: “o
que esta velha está fazendo aqui?”.
Não julguei prudente responder com olhar
adequado, mas bem que deu vontade de dar uma de Napoleão: “do alto destes setenta, mais de quarenta anos de experiência te contemplam”.
A partir daí e por cerca de uma hora, fui “sabatinada” por ela e pelos demais.
Todos pareciam muito mais interessados em verificar se eu sofria ou não de
caquexia do que sobre as definições do sistema. Munida de uma paciência que não
é muito de meu feitio consegui passar na “prova”, aparentemente até com louvor,
tomando de novo as rédeas da reunião. O olhar da moça transformou-se em espanto
e incredulidade.
Passaram-se meses até que a pobre conseguisse
olhar-me como uma colega de trabalho! Para que isto acontecesse foi necessário
que tivéssemos uma conversa que beirava o nonsense. Tudo indicava que
madrugaríamos, ela e eu, atoladas nos testes da versão Beta do
sistema. Vai daí que, já perto de meia noite, resolvemos dar uma parada para
comer alguma coisa. Instaladas no único restaurante que encontramos ainda
aberto, desenvolveu-se o diálogo do qual me lembro como se houvesse ocorrido
ontem:
- Posso te fazer uma pergunta?
- Claro.
- Como é que é ser assim?
- Assim como?
- Ora, você é ve... quer dizer, idosa.
- Pode dizer velha mesmo. Afinal eu sou. Mas antes
me diz como é que é ser jovem.
- Ora... é imaginar a vida que vou ter pela
frente; é pensar qual será o meu próximo trabalho; é me divertir; é imaginar se
vou ter filhos; sei lá! Um monte de coisas que virão pela frente.
- Incrível. É exatamente igual comigo. A não
ser pelos filhos. Agora imagino se vou ter bisnetos! E um monte de outras
coisas que virão frente também.
- Qual é! Você pode mor...
- Morrer? Posso sim, claro. Mas você não?
- !!!
A partir daí a distância encurtou. Passei a
ser “colega”. Em 2005 deixei a
assessoria que prestava aos projetos e não mais a vi. Vez por outra dela recebo
um mail. No último me informava: fiz 31
anos! E por que já tenho filho penso agora nos netos. E você já tem bisneto!
Você tinha razão: é tudo igual mesmo.
Agora ela sabe. Mas é uma exceção. A maioria
dos velhos e dos moços ainda não sabe disto. Os primeiros perdem um tempo
precioso chorando pelo acham ter perdido com a idade (como se perdas não
ocorressem desde o nascimento) e os segundos com medo, não da velhice (porque
esta lhes parece irreal), mas dos próprios velhos!
O olhar continua a me ser dirigido.
Eventualmente sou agraciada com o que é considerado um elogio: você não parece a idade que tem! Pena,
porque faço muita questão de que se reflitam em mim todos os anos vividos.
Afinal trata-se de uma conquista conseguida às minhas próprias custas. Não
gostaria de abrir mão de um só destes anos passados.
Aprendo muito com os mais jovens (e mais
jovem para mim é qualquer pessoa que tenha menos de oitenta dois anos). Aprendo
muito com o tempo que passa e que me trás novos pontos de vista, novas
possibilidades. Não tenho uma saudade sofrida “do meu tempo” quando, por exemplo,
frequentava fila de banco. Hoje não mais o faço graças à possibilidade de
acessá-lo no cibernético espaço.
Impossibilidade que dói só mesmo não ter mais
cavalos. Agora tenho gatos! Uma mudança significativa. Mas até eles, os gatos,
me ensinam. Como sabem ser zen! Possivelmente nunca atingirei o grau de
perfeição com que conseguem assim se comportar, mas já melhorei muito neste
aspecto. Pelo menos já consigo sorrir quando me lançam (e isto acontece com
freqüência) aquele olhar... Cavalos jamais me ensinariam isto. E nem teria o
menor sentido ser zen naqueles tempos eqüestres! Vai daí que embora usada para
saudar a diversidade entre os sexos tomo emprestada a frase para saudar a que
existe entre idades: et vive la
differénce!
2012
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