quarta-feira, novembro 06, 2013

DE QUE PLANETA?

Minha grande amiga e juíza Andréa Pacha é autora de um maravilhoso livro intitulado A Vida Não É Justa onde relata casos de separações e divórcios. Como o título indica as histórias são tristes, muito tristes, em sua maioria. Hoje, um mais que gentil leitor pergunta de que planeta eu vim, no sentido elogioso de achar que o que escrevo é inédito. Vocês devem estar se perguntando o que tem uma coisa a ver com a outra. Pois tem! Andréa devia ser um bebê quando se deu o caso que vou relatar e isto a salvou, quem sabe, de julgar o imbróglio que, certamente não seria incluído em seu livro. 

O gentil leitor – Antônio – me fez embarcar numa viagem. Acho que vim deste mesmo planeta que todos habitamos. Nele acontecem, todos os dias, fatos tristes, alegres, engraçados, emocionantes e eu  sempre paro para ver. E por que paro para observar, desatenta para o que se passa em volta, vez por outra a serial clumsy se revela. Suas palavras foram elogiosas, Antônio, mas a dúvida de minha origem já foi levantada, há muitos anos atrás. É verdade que em tom não elogioso e gentil como agora.

Já lá vão mais de quarenta anos quando um advogado, meu quase ex-marido e eu nos dirigimos a uma leiteria para almoçar. Na verdade o almoço não estava programado. Deveríamos, naquele momento, estar no Fórum, consumando o desquite. Naquele tempo não existia divórcio e éramos os dois assistidos por um único advogado, também grande amigo. Não havia qualquer discórdia. Já estávamos separados havia tempo e tratava-se apenas de regularizar a situação. Tudo se faria calma e civilizadamente, pensava eu...

Aconteceu que houve atraso num caso tumultuado, programado para o horário imediatamente anterior ao nosso e pediram-nos que voltássemos depois do almoço. Resolvemos então almoçar ali por perto e, para minha desgraça, numa leiteria. Não sei se vocês que me leem são do tempo das leiterias e nem mesmo se têm idade para delas se lembrar. Eram pequenos restaurantes, com mesas mínimas, que ficavam lotados na hora do almoço por serem baratos e bem servidos. Ao chegarmos à entrada meu marido, gentil como sempre, se afastou para me deixar entrar, empurrando-me suavemente. Verifiquei que só havia mesas vagas muito lá no fundo e impetuosa avancei abrindo caminho entre duas logo em frente à porta. Estas, como em todas as leiterias, deixavam apenas uma pequena passagem entre elas.

Não sei explicar até hoje como consegui, ao passar, transferir o conteúdo de uma cestinha de pães da mesa da direita para o prato de canja que era saboreado pelo ocupante da mesa da esquerda. Mas o fato é que o fiz. Desolada vi dois pequenos pães descreverem uma elegante curva no ar até a canja inundando aquele que a saboreava. Imediatamente me apoderei do que me pareceu ser um guardanapo para ajudá-lo a se limpar. Não era um guardanapo! Era a ponta da mínima toalha que ao ser violentamente arrebatada voou por sobre a mesa derrubando tudo que nela estava não só sobre o infeliz freguês, mas alcançando algumas mesas vizinhas.

Um tumulto se estabeleceu envolvendo fregueses, garçons, marido, advogado, pessoas que queriam entrar e pessoas que queriam sair, ocupando até a calçada. O amigo advogado cumprindo seu papel protetor pegou-me pelo braço, com certa violência, arrastando-me até o fundo da leiteria para evitar possíveis agressões que poderiam me ser dirigidas o que, convenhamos, seria plenamente justificado. Já instalados a expressão de meu marido era de dar pena e ele permaneceu mudo durante o almoço.

Já no Fórum fomos instruídos por nosso amigo advogado de que só deveríamos nos manifestar caso o juiz a nós se dirigisse. Ao ouvir esta orientação meu marido, alarmado pela possibilidade de mais um desastre, saiu de seu mutismo e profundamente angustiado, buscou assegurar-se de que eu havia bem assimilado a orientação. Prometi que nada mais aconteceria. Por que eu haveria de falar qualquer coisa? Embora duvidando desta minha afirmativa ele se calou mas sua expressão mostrou alarme quando observei que não haveria motivo para que eu me manifestasse já que tudo estava acertado, e muito bem acertado. Até com rima perfeita – disse eu: ao cônjuge masculino o imóvel; à cônjuge feminina o automóvel!

E eis que começa a sessão. E o juiz passa a ler os autos, em silêncio. De repente levanta os olhos e dirigindo-se a mim pergunta: a senhora tem telefone?  Achei estranhíssima a pergunta, mas ele havia se dirigido a mim e obedecendo às orientações do advogado, respondi: Tenho, sim. Para recados. É 2672.... O severo magistrado cortou-me em meio do enunciado do número, exclamando escandalizado: minha senhora! Não quero saber seu número de telefone!!! Quero saber se é titular de uma assinatura! Ouço a voz irritada de meu agora praticamente ex-marido manifestando-se com veemência e sem ser chamado: Nem eu, nem esta senhora, temos assinatura! Ela... E ele pára no “ela”, parecendo exausto. Nunca soube o que qualificaria o pronome, mas imagino porque o “esta senhora” foi dito num tom terrível. Encolhi-me na cadeira e lá permaneci até que o advogado me fez levantar dizendo: por hoje chega

Desolado meu agora ex mesmo dirige-se a ele: muito obrigado por tudo e, por favor, desculpe. Nunca consegui descobrir de que planeta ela veio!



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