Minha
grande amiga e juíza Andréa Pacha é autora de um maravilhoso livro intitulado A Vida Não É Justa onde relata casos de
separações e divórcios. Como o título indica as histórias são tristes, muito
tristes, em sua maioria. Hoje, um mais que gentil leitor pergunta de que
planeta eu vim, no sentido elogioso de achar que o que escrevo é inédito. Vocês
devem estar se perguntando o que tem uma coisa a ver com a outra. Pois tem!
Andréa devia ser um bebê quando se deu o caso que vou relatar e isto a salvou,
quem sabe, de julgar o imbróglio que, certamente não seria incluído em seu
livro.
O
gentil leitor – Antônio – me fez embarcar numa viagem. Acho que vim deste mesmo
planeta que todos habitamos. Nele acontecem, todos os dias, fatos tristes,
alegres, engraçados, emocionantes e eu sempre paro para ver. E por que paro para
observar, desatenta para o que se passa em volta, vez por outra a serial clumsy se revela. Suas palavras
foram elogiosas, Antônio, mas a dúvida de minha origem já foi levantada, há
muitos anos atrás. É verdade que em tom não elogioso e gentil como agora.
Já
lá vão mais de quarenta anos quando um advogado, meu quase ex-marido e eu nos dirigimos a uma leiteria para almoçar. Na verdade o almoço não
estava programado. Deveríamos, naquele momento, estar no Fórum, consumando o
desquite. Naquele tempo não existia divórcio e éramos os dois assistidos por um
único advogado, também grande amigo. Não havia qualquer discórdia. Já estávamos
separados havia tempo e tratava-se apenas de regularizar a situação. Tudo se
faria calma e civilizadamente, pensava eu...
Aconteceu
que houve atraso num caso tumultuado, programado para o horário imediatamente
anterior ao nosso e pediram-nos que voltássemos depois do almoço. Resolvemos
então almoçar ali por perto e, para minha desgraça, numa leiteria. Não sei se
vocês que me leem são do tempo das leiterias e nem mesmo se têm idade para
delas se lembrar. Eram pequenos restaurantes, com mesas mínimas, que ficavam
lotados na hora do almoço por serem baratos e bem servidos. Ao chegarmos à
entrada meu marido, gentil como sempre, se afastou para me deixar entrar, empurrando-me
suavemente. Verifiquei que só havia mesas vagas muito lá no fundo e impetuosa
avancei abrindo caminho entre duas logo em frente à porta. Estas, como em todas
as leiterias, deixavam apenas uma pequena passagem entre elas.
Não
sei explicar até hoje como consegui, ao passar, transferir o conteúdo de uma
cestinha de pães da mesa da direita para o prato de canja que era saboreado
pelo ocupante da mesa da esquerda. Mas o fato é que o fiz. Desolada vi dois
pequenos pães descreverem uma elegante curva no ar até a canja inundando aquele
que a saboreava. Imediatamente me apoderei do que me pareceu ser um guardanapo
para ajudá-lo a se limpar. Não era um guardanapo! Era a ponta da mínima toalha
que ao ser violentamente arrebatada voou por sobre a mesa derrubando tudo que
nela estava não só sobre o infeliz freguês, mas alcançando algumas mesas
vizinhas.
Um
tumulto se estabeleceu envolvendo fregueses, garçons, marido, advogado, pessoas
que queriam entrar e pessoas que queriam sair, ocupando até a calçada. O amigo advogado
cumprindo seu papel protetor pegou-me pelo braço, com certa violência,
arrastando-me até o fundo da leiteria para evitar possíveis agressões que
poderiam me ser dirigidas o que, convenhamos, seria plenamente justificado. Já
instalados a expressão de meu marido era de dar pena e ele permaneceu mudo
durante o almoço.
Já
no Fórum fomos instruídos por nosso amigo advogado de que só deveríamos nos
manifestar caso o juiz a nós se dirigisse. Ao ouvir esta orientação meu marido,
alarmado pela possibilidade de mais um desastre, saiu de seu mutismo e
profundamente angustiado, buscou assegurar-se de que eu havia bem assimilado a
orientação. Prometi que nada mais aconteceria. Por que eu haveria de falar
qualquer coisa? Embora duvidando desta minha afirmativa ele se calou mas sua
expressão mostrou alarme quando observei que não haveria motivo para que eu me
manifestasse já que tudo estava acertado, e muito bem acertado. Até com rima
perfeita – disse eu: ao cônjuge masculino o imóvel; à cônjuge feminina o
automóvel!
E
eis que começa a sessão. E o juiz passa a ler os autos, em silêncio. De repente
levanta os olhos e dirigindo-se a mim pergunta: a senhora tem telefone? Achei
estranhíssima a pergunta, mas ele havia se dirigido a mim e obedecendo às orientações
do advogado, respondi: Tenho, sim. Para
recados. É 2672.... O severo magistrado cortou-me em meio do enunciado do
número, exclamando escandalizado: minha
senhora! Não quero saber seu número de telefone!!! Quero saber se é titular de
uma assinatura! Ouço a voz irritada de meu agora praticamente ex-marido
manifestando-se com veemência e sem ser chamado: Nem eu, nem esta senhora, temos assinatura! Ela... E ele pára no “ela”, parecendo exausto. Nunca soube o que qualificaria o
pronome, mas imagino porque o “esta senhora” foi dito num tom
terrível. Encolhi-me na cadeira e lá permaneci até que o advogado me fez
levantar dizendo: por hoje chega!
Desolado
meu agora ex mesmo dirige-se a ele: muito
obrigado por tudo e, por favor, desculpe. Nunca consegui descobrir de que
planeta ela veio!
Nenhum comentário:
Postar um comentário