Como se não bastasse esta frase irritante quase sempre vem precedida
de “bem feito!” juntando a ofensa à injúria. Deus que me perdoe o julgamento,
mas sempre me fica a sensação de que os que a proferem o fazem com um imenso
prazer como se a constatação do acerto de suas catastróficas previsões lhes
conferisse alguma superioridade.
Fui, vida afora, vítima desta praga talvez até com mais
freqüência do que são os demais mortais, dada a minha condição de “serial
clumsy” que propicia um alto índice de acerto das previsões que fazem sobre conseqüências de
meus atos. Como esta expressão, outras existem,
igualmente irritantes. “Na minha modesta opinião” é uma delas. Por que raios a
opinião de quem pretende ser irônico ao se contrapor a alguma coisa que
afirmamos é “modesta”? Opinião é apenas e tão somente opinião. Todos têm
direito a sua. Mas não precisa ser e de fato nunca é modesta.
Hoje, sei lá eu por quais artes, me veio à cabeça que
respostas e comportamentos esdrúxulos poderiam ser criados para enfrentar estes
ditos fornecendo o sabor de uma doce vingança. Como iria se sentir o
interlocutor se ao proferir o nefasto “eu não falei?” eu caísse em pranto
convulso, estivesse onde estivesse, batendo no peito, me contorcendo em agonia
e aos gritos: Falou! Falou, sim! E eu
deveria ter escutado. Ai de mim! Sou uma anta! Ai, Ai, Ai. Dependendo de
minha capacidade histriônica este mea culpa poderia se transformar num
espetáculo vexatório do qual o indivíduo ou indivídua não poderia fugir porque
eu teria me agarrado firmemente a ele ou ela, em desespero, quase ateando fogo
às vestes.
E ao dono da modesta opinião poderia ser entusiasticamente
dito: como modesta?! Uma pessoa como você
não conseguiria nem que quisesse ter uma opinião modesta. Nunca! Suas opiniões
são... são... faltam-me palavras para descrever. Uma opinião sua tem para mim
um valor inestimável. Eu até coleciono. Tenho todas transcritas num caderno.
Fale-me mais desta. Forneça detalhes.
Uma das grandes vantagens da idade avançada é que podemos
fazer coisas deste tipo que não mais serão rotuladas de falta de compostura ou
educação. No máximo ganharíamos o título de excêntricos ou já um tanto lelé da
cuca. No primeiro caso uma velha em pranto convulso certamente iria comover e,
se houvesse público presente, o que seria ótimo, poderiam ser conseguidas
manifestações apoio provocando até uma constrangida retratação do energúmeno
que provocou a encenação que aflito e numa saia justa diria: não fique assim, poderia ter dado certo.
Eu não falei por mal (o que seria uma
deslavada mentira). Por que é por mal, sim. É sempre por mal.
Os que nos querem bem, os amigos de fé, jamais fazem isto. E
olha que muitas vezes nos alertam sobre decisões que pretendemos tomar e que
aos seus olhos não darão certo. Faz tempo, muito tempo, ouvi de meu pai um
comentário: “quando alguém de você gosta estiver à beira de dar um passo em
falso, você deve se perguntar se ao alertá-lo vai se sentir superior ou se, lá
no fundo, o chamar sua atenção vai te dar algum prazer. Se for este o caso não
fale nada. Mas se for difícil falar ai sim deita o verbo porque você vai mesmo estar
querendo ajudar”. Aqui um parêntese
surgido de meu espanto ao escrever a palavra “comentário” e não “conselho”. A
esta altura da vida me dou conta que papai nunca me deu conselhos. Comentários
como este surgiam em meio a conversas.
Meus amigos, quando fazem previsões do que vai dar errado jamais proferem o “eu não falei?” quando vai tudo para o brejo. Ao
contrário, agem como se nunca tivessem me alertado e procuram ajudar a apagar o
incêndio que provoquei. Por vezes eu mesma comento: você bem que me falou. E sempre – acreditem – ouço a resposta
generosa: deixa isto pra lá! Vamos ver como é que as coisas podem se
arranjar. Lembro-me que uma vez um
deles disse: Eu te avisei?! Nem me
lembrava! (o que, como no caso do maldoso interlocutor, é também uma
deslavada mentira).
Sei que com a idade deveríamos ficar mais tolerantes. Esta
minha reação irritada contra os interlocutores de opiniões modestas e de
inefáveis “eu não falei?” talvez fosse mais apropriada aos vinte, trinta ou
quarenta anos. Este arroubo de juventude pode estar fora de hora. Pode ser até
que vocês que me leem e que têm sido tão generosos possam desta vez me ver como
uma velha intolerante. Corro o risco, sim, de ler comentários a respeito, agora
mais contundentes porque divulgados via WEB. E o W desta sigla é aterrador.
Nunca, em meus mais dourados sonhos imaginei-me exposta ao julgamento do mundo!
Mas como nenhum dos seres capazes do “eu não falei?” está
presente para me alertar vai o desabafo que tem uma justificativa: estou
digitando com menos três dedos que foram esmigalhados pela porta vai-vem da
cozinha ao fechar-se repentinamente quando eu tentava desenganchá-la de um
pedaço de tijolo caído do reparo que o bombeiro fazia na coluna de água. Ele me
alertou que isto poderia acontecer enquanto observava meus gritos de dor sem fazer
qualquer movimento para ajudar. E a me ver aos gritos, disse, absurdamente
sorridente: eu não falei pra senhora? E voltou a jogar mais entulho no chão
enquanto eu entrava em pugilato com a geladeira tentando tirar gelo com uma só
mão. Na minha nada modesta opinião pessoas assim não deveriam existir!
2007
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