sábado, novembro 09, 2013

COMO DAR FIM A UMA REUNIÃO DE DIRETORIA

É injusto! Profundamente injusto! O atribuir à avançada idade as peripécias em que me meto, sabe Deus por quê. É absurdo! Sempre foi assim. Desde que me entendo por gente, episódios similares, antecedentes e consequentes, à queda do Ministro, ocorrem com certa freqüência. Na mais tenra idade eram descartados com um sorriso complacente pelos adultos da família com a frase: coisa de criança. Deviam ter prestado mais atenção, os adultos. Quem sabe, atacado a tempo, o mal teria sido eliminado de minha vida, poupando-me, sobretudo, poupando a outros, o envolvimento em situações pra lá de constrangedoras.

O relato que fiz na crônica do episódio da queda do Ministro havia me dado certo alívio. O colocar no papel, isto é na tela, exorcizou, sublimou o fato. Veio-me a sensação de estar dele me livrando. Vai daí que pensei: vamos ver se funciona com outros e, quem sabe, é este o medicamento para este mal, nos últimos tempos atribuído à demência senil. Vai daí que resolvi contar, senão todos, pelo menos os mais significativos. Decido: por discrição vou eliminar os nomes reais. Afinal as pessoas objeto de meu descompasso no comportamento social já sofreram muito. Pra que acrescentar? Tenho sido perdoada, mas é bom não exagerar.

A empresa estatal era outra, diversa daquela do Ministro. Mas eu era, como naquela ocasião, relativamente graduada no ranking do corpo gerencial. Convocada para uma reunião de chefias com o novo Diretor da área sentei-me ao lado de meu grande amigo (inacreditavelmente ainda o é, depois do ocorrido). Era uma reunião pra lá de séria. Todas as divisões, na pessoa de seus chefes e substitutos, haviam sido convocadas para decidir estratégias de sobrevivência. O faturamento estava caindo! Cada chefia era conclamada a analisar a situação dos serviços que vinha prestando e a razão da não ampliação do mercado atendido.

Meu pai não admitia orelhas furadas. Não! Não se trata de uma radical mudança de assunto. Tem tudo a ver. Dizia ele – papai – que era coisa de índio. Nunca proibiu, mas eu, morrendo de vontade de furar, não furava (fui fazê-lo muito depois de sua morte, já com netas). Afinal ele sempre tivera razão. Devia estar certo. Mas o não furar causava certo desconforto. Os brincos de pressão, depois de algum tempo de uso contínuo, causavam a paralisação da circulação no lóbulo da orelha, e isto chegava a ser doloroso. E era o que estava acontecendo em plena reunião.

Discretamente, tirei o brinco esquerdo na intenção de massagear vigorosamente o lóbulo da orelha, restabelecendo a circulação, único remédio para o mal. Tão logo pousei o brinco sobre a mesa para levar a mão à orelha, o Diretor dirigiu-me uma pergunta direta. Deve ter sido este o fato gerador do que se seguiu. Comecei a responder ao mesmo tempo em que massageava o lóbulo da orelha. Uma sensação estranha se instalou: não estava melhorando. Para falar a verdade nem mesmo estava sentido a massagem. Desta vez está bravo, pensei, enquanto respondia. 

Mas alguma coisa muito esquisita estava acontecendo. Meu discurso provocava um estranho efeito: todos, incluindo o diretor, olhavam em minha direção como se estivessem presenciando algo de inacreditável. Surpreendi-me: havia me preparado para a reunião e até tinha argumentos válidos e – acreditava – inteligentes.  Mas não a ponto de provocar tanto espanto. O silêncio havia se instalado e nem uma só voz se levantava para refutar ou concordar com o que eu dizia, como havia acontecido nas manifestações que antecederam à minha. Alguma coisa está errada, pensei. Discretamente voltei-me para o amigo ao lado. Quem sabe através do olhar dele, tão meu conhecido e, portanto, revelador poderia ter uma dica do que estava ocorrendo. Ao fazer isto, ainda pensei: esta orelha vai cair! Está absolutamente insensível! Morreu!

O rosto do amigo estava rubro e ele olhava para frente, duro, imobilizado numa expressão de pânico! Que estranho! Volto mais a cabeça e... todo o horror se revelou! Minha mão estava massageando o lóbulo da orelha, dele!!! Isto explicava a insensibilidade de minha própria orelha, explicava o espanto dos circunstantes, explicava o constrangimento do amigo. Mas nada, nada no mundo, poderia explicar o descontrole direcional da massagem. Dei um grito que foi saudado por um ataque de riso generalizado. O Diretor, sufocado de riso, resolveu fazer um intervalo e pediu uma rodada de café. Impossível retomar o clima de seriedade naquele momento. Desculpei-me com o amigo que, baixinho, mandou-me um palavrão, seguido de um murmúrio raivoso: depois a gente conversa!

O café começa a ser servido e o colega da direita oferece-me uma caixinha com sacarina ou coisa equivalente: aquelas pílulas minúsculas que se usavam à época. Aceito agradecida e... coloco duas delas delicadamente sobre a língua e viro o café de um gole, engolindo-as e dando término à reunião que não mais conseguiu retornar ao rumo, porque foram todos acometidos de um “fou-rire” incontrolável.

2005

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