quinta-feira, novembro 28, 2013

DUAS MULHERES

Naquele dia a conversa telefônica com a neta enveredou para o sério quando a menina declarou solene: Vó, tomei uma decisão! Tomar uma decisão aos nove anos é sério mesmo, qualquer que seja esta. Seriedade que a avó devolveu: na vida, tomar decisões é muito importante! Estava orgulhosa de ter uma neta que tomava decisões tão cedo. Mas qual era esta? Não vou namorar, declara a menina. Ai complicou! Cautelosamente a avó procurou fazê-la pensar: namorar pode ser muito agradável! Depende de quem, de quando. O nunca é sempre muito perigoso nas decisões... A menina interrompeu: Eu não falei nunca, vó. Eu não vou namorar é agora. Aliviada a avó concordou: tá certo. É mesmo muito cedo. Tempo virá em que namorar será a coisa mais importante. Mas o que foi que a levou a tomar esta decisão? E vem a deliciosa e indignada resposta: Eles puxam meus cabelos!

E o telefone, naquele mesmo dia, conduz mais seriedade: a mulher chora: to sofrendo. Muito. Contém-se para não dizer o terrível e cruel “eu bem que avisei”. Tudo no passado indicava que o choro e o sofrimento seriam inevitáveis. Mas ela não quis ouvir e dizia encantada: comigo vai ser diferente. Pior é que não era a primeira vez. Todas as escolhas até ali, e já não era criança, haviam sido funestas. Trazendo dor e sofrimento motivados por uma sucessão de competentes e cruéis puxadores de cabelo. Tá legal, não há uma garantia de que vai dar certo. Nunca existe. Mas em alguns casos a garantia de que não vai dar lá está, sólida, consistente. E não se toma a decisão de pular fora. O que faz com que se marche para uma ligação que vai, na certa, fazer sofrer? As histórias são sempre iguais: possuídas pela síndrome de Pigmalião partem entusiasmadas para a operação de transformação do sapo em príncipe. Só que este, encantado com seu estado anuro, passou a vida sapeando e tornando a vida das parceiras anteriores um belo inferno. E o sapo nunca, mas nunca mesmo, vira príncipe. E vem o momento em que se percebem num brejo e não no castelo encantado com que sonharam. E têm sorte quando o sapo decide por expulsá-las de lá. Por que algumas nele permanecem por uma vida. E se partem até têm saudades do brejo e do feio sapo pensando que poderia ter sido diferente se... Este “se” é seguido de uma teoria de culpa delas próprias. Que droga, não é?

No dia seguinte anseia pelo telefonema da neta. Quer ir mais fundo nesta história. Como foi que o puxar dos cabelos passou a ser mais importante do que a exibição do namorado às colegas, ao colégio inteiro? Afinal a tentação é grande. Ah! A primeira paixão. Hoje vem absurdamente cedo! O sentimento avassalador tem o dom de vestir o sapo com ricas roupagens camuflando o puxador de cabelos.

Cautelosa puxa de novo o assunto. E as outras meninas? Namoram? Não se importam com o suplício capilar? Pois é, vó!  Tem umas que não se importam. Esabe? - elas gostam de namorar o Ricardo que é o que mais puxa!  A avó provoca: vai ver elas pensam que ele vai parar de puxar. A menina ri: vai nada! Ele é assim mesmo! Tem algum que não puxa, pergunta a avó? O tom sério da primeira conversa, retorna: tem. O Jurandir. Mas ele já namora a Teca. Ele protege ela. Até mente. Mente?! Mente que ela não fez o dever de casa porque acabou a luz na casa dela. A avó comenta que isto é muito legal. A menina se espanta: mentir é legal, vó? A avó vale-se do absurdo: é que mentir não é legal, mas proteger é. Então mentir e proteger ao mesmo tempo é meio legal. E pensa: o que é que eu estou fazendo, Meu Deus? Mais absurdo ainda o que segue dizendo: conheço uma moça que só namora quem puxa cabelos.  Deixa de brincadeira, vó! Quando já tem 14 anos eles não puxam mais cabelo. Fazem o quê, pergunta a avó. Sei lá. Eu não tenho 14 anos. A lógica é irrefutável.

Mas pelo que soube até agora a avó tem quase certeza de que ao lá chegar ela neta consiga identificar com a mesma determinação e auto-estima o desvio equivalente aos puxões vigente nesta faixa etária e nas seguintes, escolhendo o mentiroso protetor tipo Jurandir. São duas mulheres. Certamente ambas achariam absurdo estabelecerem uma relação tal as diferenças. Mas o problema é o mesmo.
2008



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