Naquele dia a conversa telefônica com a neta enveredou para o
sério quando a menina declarou solene: Vó,
tomei uma decisão! Tomar uma decisão aos nove anos é sério mesmo, qualquer
que seja esta. Seriedade que a avó devolveu: na vida, tomar decisões é muito
importante! Estava orgulhosa de ter uma neta que tomava decisões tão cedo. Mas
qual era esta? Não vou namorar,
declara a menina. Ai complicou! Cautelosamente a avó procurou fazê-la pensar:
namorar pode ser muito agradável! Depende de quem, de quando. O nunca é sempre
muito perigoso nas decisões... A menina interrompeu: Eu não falei nunca, vó. Eu
não vou namorar é agora. Aliviada a avó concordou: tá certo. É mesmo muito
cedo. Tempo virá em que namorar será a coisa mais importante. Mas o que foi que
a levou a tomar esta decisão? E vem a deliciosa e indignada resposta: Eles puxam meus cabelos!
E o telefone, naquele mesmo dia, conduz mais seriedade: a
mulher chora: to sofrendo. Muito.
Contém-se para não dizer o terrível e cruel “eu bem que avisei”. Tudo no
passado indicava que o choro e o sofrimento seriam inevitáveis. Mas ela não
quis ouvir e dizia encantada: comigo vai
ser diferente. Pior é que não era a primeira vez. Todas as escolhas até
ali, e já não era criança, haviam sido funestas. Trazendo dor e sofrimento
motivados por uma sucessão de competentes e cruéis puxadores de cabelo. Tá
legal, não há uma garantia de que vai dar certo. Nunca existe. Mas em alguns
casos a garantia de que não vai dar lá está, sólida, consistente. E não se toma
a decisão de pular fora. O que faz com que se marche para uma ligação que vai,
na certa, fazer sofrer? As histórias são sempre iguais: possuídas pela síndrome
de Pigmalião partem entusiasmadas para a operação de transformação do sapo em
príncipe. Só que este, encantado com seu estado anuro, passou a vida sapeando
e tornando a vida das parceiras anteriores um belo inferno. E o sapo nunca, mas
nunca mesmo, vira príncipe. E vem o momento em que se percebem num brejo e não
no castelo encantado com que sonharam. E têm sorte quando o sapo decide por
expulsá-las de lá. Por que algumas nele permanecem por uma vida. E se partem
até têm saudades do brejo e do feio sapo pensando que poderia ter sido
diferente se... Este “se” é seguido de uma teoria de culpa delas próprias. Que
droga, não é?
No dia seguinte anseia pelo telefonema da neta. Quer ir mais
fundo nesta história. Como foi que o puxar dos cabelos passou a ser mais
importante do que a exibição do namorado às colegas, ao colégio inteiro? Afinal
a tentação é grande. Ah! A primeira paixão. Hoje vem absurdamente cedo! O
sentimento avassalador tem o dom de vestir o sapo com ricas roupagens
camuflando o puxador de cabelos.
Cautelosa puxa de novo o assunto. E as outras meninas?
Namoram? Não se importam com o suplício capilar? Pois é, vó! Tem umas que não se importam. E – sabe?
- elas gostam de namorar o Ricardo que é o que mais puxa! A avó provoca: vai ver elas pensam que ele vai parar de puxar. A menina ri: vai nada! Ele é assim mesmo! Tem algum
que não puxa, pergunta a avó? O tom sério da primeira conversa, retorna: tem. O Jurandir. Mas ele já namora a Teca.
Ele protege ela. Até mente. Mente?! Mente
que ela não fez o dever de casa porque acabou a luz na casa dela. A avó
comenta que isto é muito legal. A menina se espanta: mentir é legal, vó? A avó vale-se do absurdo: é que mentir não é
legal, mas proteger é. Então mentir e proteger ao mesmo tempo é meio legal. E
pensa: o que é que eu estou fazendo, Meu Deus? Mais absurdo ainda o que segue
dizendo: conheço uma moça que só namora quem puxa cabelos. Deixa
de brincadeira, vó! Quando já tem 14 anos eles não puxam mais cabelo. Fazem
o quê, pergunta a avó. Sei lá. Eu não
tenho 14 anos. A lógica é irrefutável.
Mas pelo que soube até agora a avó tem quase certeza de que
ao lá chegar ela neta consiga identificar com a mesma determinação e
auto-estima o desvio equivalente aos puxões vigente nesta faixa etária e nas
seguintes, escolhendo o mentiroso protetor tipo Jurandir. São duas mulheres.
Certamente ambas achariam absurdo estabelecerem uma relação tal as diferenças.
Mas o problema é o mesmo.
2008
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