Sempre achei ser inadequado chamar de Lei os conceitos
físicos. Leis, embora devam ser cumpridas, podem ser descumpridas se assim o
desejarmos. Aliás, é que mais se vê ultimamente. O mesmo não acontece com as
Leis da Física. Queira-se ou não elas se cumprem lá no tempo delas sem nos dar
a menor chance de desconsiderá-las. E o pior é que mais das vezes nos causam
algum prejuízo ou no mínimo um tremendo desconforto.
Ultimamente ando tendo problemas com uma grandeza das Leis da
Termodinâmica: a Entropia. Estas (as Leis que regem a Entropia) já foram
responsáveis por acontecimentos muito desagradáveis. Um de seus formuladores
Ludwig Boltzmann, físico austríaco, suicidou-se desgostoso com a pouca
aceitação de sua formulação pela comunidade científica da época. Dizem até que
na lápide de seu túmulo está inscrita a equação objeto desta não aceitação:
S = k × ln W
Tenho para mim que o motivo não foi este. E sim a percepção
que para sempre seria vítima desta praga que é a Entropia. O enunciado e os
conceitos, como soem ser todos os da física, são pomposos e complicados. Em bom
português, na prática, o que acontece é o seguinte: todas as coisas nas quais
você não aplica um enorme trabalho e gasta um burro de um dinheiro para manter
acabam indo para o espaço ou dando uma enorme dor de cabeça. Vai daí que uma casa, cheia de “coisas” diariamente dá sinais de
entropia por mais cuidadoso que você seja. O reparo da válvula do banheiro que
quebra, os ganchinhos da cortina que espantosamente somem, a torneira que
pinga, a instalação do lustre da sala que para de funcionar minutos antes que
convidados cheguem para o jantar, a palhinha da cadeira que inexplicavelmente
aparece com um buraco, e que mais sei eu.
Tudo isto exige a presença de um profissional que nunca pode
vir na hora que convém a você e que depois de avaliar o ocorrido informa que
“não existem mais as peças de reposição” e que “vai ter que mudar tudo”. Depois
que você desembolsa uma considerável quantia ele resolve o problema deixando
sua casa imunda e no mínimo uma torneira (ou maçaneta, ou tampa de ralo ou
interruptor) completamente diferente das outras instaladas. Você
pode, é claro, fingir que não vê que alguma coisa não está mais funcionando,
dependendo da coisa, adiando assim o momento em que providências mil terão que
ser tomada.
Mas isto, na maioria das vezes não dá certo, como ocorreu
recentemente quando uma das lajotas do vestíbulo de entrada gerou, espontânea e
inexplicavelmente, uma mancha branca que desafiava qualquer limpador (foram
comprados cinco diferentes). A partir deste momento qualquer pessoa que entrava
na sala (filhos, faxineira, visitas, entregadores) me informava como se eu fosse
cega: tem uma mancha ali. Diante da impossibilidade de continuar ignorando o
fato iniciei um processo mental para descobrir o tipo de profissional que
deveria ser acionado. Pedreiro? Pintor? Envernizador?
Ataquei por lados e terminei com o cunhado do porteiro, não especializada em qualquer arte, único
que conseguiu equacionar o problema... criando vários outros: não existe mais
lajota deste tamanho. É preciso retocar e teremos sorte se conseguirmos uma
tinta de cerâmica que tenha a cor perfeita. É evidente que não conseguimos.
Então produzimos diversas misturas, fazendo experiências em pequenas áreas.
Depois de ser obtida uma lajota com varias nuances da mesma cor e de ter sido
respingada a parede creme com tinta vermelha, chegamos ao que parecia ser a cor
ideal. Descoloriu-se a lajota (mas não a parede) que pintada parecia estar
idêntica às outras. Depois de marcada com impressões das patas do gato (ficou
até bonitinho, disse o cunhado do porteiro) a calçada da fama doméstica secou... adquirindo uma cor completamente diferente das outras.
Agora não era mais uma mancha e sim a lajota inteira que
saltava aos olhos. Solução do cunhado: pintar todas, incluindo as da sala de
visitas, sala de jantar, corredor e quartos. A senhora e o gato vão ter que
passar uns dias fora, me informa o cunhado. Vai demorar porque tem que arrastar
todos os móveis de um lugar para outro e esperar secar para fazer o resto.
Heróica, decidi: vai ficar assim mesmo! Não me deixei demover pela expressão de
censura no olhar do cunhado que retrucou: mas
a parede vai ter que ser pintada. Vai ficar uma mancha quando formos tirar a
tinta que respingou. E não vamos conseguir uma tinta deste exato tom. Foi
mistura, não foi? Melhor pintar tudo. Reprimi meu instinto assassino e
declarei ameaçadora que ele teria que fazer um remendo que vai ficar igual, ouviu?!
Minha fúria surtiu efeito e foi feito o reparo tornando a
parede (quase) igual às demais. Com um suspiro de alívio acompanhei a partida
do cunhando, esperando que fosse para todo sempre. Finalmente depois de quatro
dias a paz doméstica se restabelecia. Uma chave gira na fechadura. Só pode ser
um dos filhos. Era. O filho. E veio a frase que será repetida ad eternum por todos que entrarem: esta
lajota é completamente diferente as outras. E seguindo-se a esta: o que é isto? São as patas do Pandareco? Que
idéia maluca, mamãe. Tá bem que você goste dele, mas imprimir as patas na
lajota você não acha um tanto absurdo? Que mancha é esta na parede?
2008
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