“É
impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos
padrões de avaliação – isto é, de que buscam o poder, sucesso e riqueza para
elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que
verdadeiramente tem valor na vida”.
Esta frase abre o genial livro O Mal
Estar da Civilização, escrito por Freud em 1920. Passados quase cem anos, nos quais
extraordinários progressos e descobertas ocorreram em todas as áreas de
conhecimento, é espantoso que o ser humano não tenha evoluído quando a esta
“impressão” que atormentava o mestre naquela época. Impressão tenho eu de que
nada mudou. Poder, sucesso e riqueza ainda são os responsáveis por
comportamentos esquecidos e divorciados do que tem verdadeiramente valor na
vida. A simples leitura de um único exemplar de qualquer jornal, em qualquer
dia, evidencia, à saciedade, os efeitos desta busca por elementos tão ilusórios
em sua importância. Muitas são as explicações do fenômeno fornecidas por Freud.
Mas não é delas que desejo falar.
A lembrança das lições de meu muito querido
professor de filosofia - David Perez – quando afirmava que “tudo tem a ver com
tudo”, faz com que eu parta para consultar outro livro – um dicionário – onde
busco o significado da palavra “cidadão”. A esta altura os que me lêem podem se
surpreender: será que ela não sabe o que é cidadão? Eu sabia. Mas o fato de não
mais encontrar esta entidade andando por aqui me faz desconfiar que o conceito
mudou ou desapareceu mesmo. Vejamos: Indivíduo
no gozo dos direitos civis e político de um Estado, ou no desempenho de seus
deveres para com ele. Nossa! Não mudou, não! Mas se na primeira parte da
definição incluem-se todos os brasileiros (embora este “gozo” seja muito mal
distribuído) o papel mencionado na segunda é protagonizado por poucos. É
triste, mas verdadeiramente poucos são os brasileiros, sejam eles colocados no
alto ou na base da pirâmide, que cumprem com os seus deveres civis e políticos.
A postura do “venha a mim” é a mais comum. E
ficam verdadeiramente espantados, e muitas vezes injuriados, quando se lhes
atribui o descalabro que por aqui grassa. Com honrosas exceções o “dever
cívico” limita-se exclusivamente ao ato votar de dois em dois anos. E mesmo
este ato é por muitos ignorado. Os crescentes percentuais de abstenção atestam
isto. Para os que votam a escolha de candidatos raramente merece a análise da
atuação pregressa do candidato ou das
qualificações de que são dotados para a posição que postulam.
A maioria dos eleitores têm dificuldade em
recordar, passado algum tempo, em quem votou para vereador ou deputado, seja
este estadual ou federal e, quando se lembram jamais lhes ocorre acompanhar a
atuação destes no desempenho do mandato para verificar se mereceram seu voto e
mais do que isto, para cobrar as promessas feitas. Quando o voto é para
Presidente a omissão é ainda mais grave. Os Programas apresentados pelos
partidos raramente são lidos. E quando o são cobranças não são feitas pelo não
cumprimento.
Passados dez anos da eleição do Presidente
Lula para o primeiro mandato, a relação de propósitos e intenções não cumpridos
é impressionante. Só como exemplo: a reforma tributária (um vasto capitulo no
Programa!) jamais foi sequer esboçada. Inúmeros outros exemplos poderiam ser
dados. E me espanta a grande quantidade de pessoas que critica a pessoa de Lula
e não a situação em que nos encontramos não lhes ocorrendo que poderiam ter
tentado uma mudança ao votar no segundo mandato ou agir numa cobrança objetiva.
A divulgação pela mídia sobre a torrente de
escândalos (ou mal feitos como os rotula nossa Presidente) só tem o poder de
torná-los mais indignados. Nenhum de fazê-los agir. Fica-se no discurso e não
na ação de uma efetiva, objetiva e inteligente cobrança. Este discurso tem se
mostrado especialmente enlouquecido, ultimamente, quando aplicado ao Mensalão.
Seja contra ou a favor. Parece-me, por vezes, uma guerra santa movida por
“crenças” de uma fé religiosa, cada lado defendendo dogmas e não fatos
objetivos. Os réus para os da situação são entidades santas, sem jaça e
martirizadas; para oposição, demônios do mal que deveriam ser condenados às
profundezas do inferno. Agem todos como torcidas organizadas em final de
campeonato.
A seriedade e a significância deste
julgamento, que são notáveis, não estão levando a uma reflexão cidadã: onde foi
que erramos? Como deixamos chegar a este ponto? De um lado alguns partidos
prestam solidariedade a criminosos que pertencem a seus quadros; de outro, partidos
manifestam a indignação de não serem todos os réus condenados às penas máximas.
Mas não vejo qualquer deles preocupados em mudar o que realmente precisa ser
mudado. E, para coroar existem os “cidadãos” omissos (os que dizem “no mundo inteiro
é assim”) e que deixam de votar porque o dia da eleição coincide com um
feriadão e o apelo das praias e serras é mais forte ou, ainda, por que
“detestam política” como se esta não lhes dissesse respeito.
E por descaso, omissão, não participação, somos
obrigados a, entre outros absurdos, assistir ao sorriso vitorioso de um Maluf
(aqui colocado como nome próprio e adjetivo), na posse do prefeito eleito pelo
PT, partido que tinha por bandeira o repudio veemente a homens como Maluf!! É tão
triste isto.
2012
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