sábado, novembro 16, 2013

MAL ESTAR CIDADÃO

É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação – isto é, de que buscam o poder, sucesso e riqueza para elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida”.

          Esta frase abre o genial livro O Mal Estar da Civilização, escrito por Freud em 1920.  Passados quase cem anos, nos quais extraordinários progressos e descobertas ocorreram em todas as áreas de conhecimento, é espantoso que o ser humano não tenha evoluído quando a esta “impressão” que atormentava o mestre naquela época. Impressão tenho eu de que nada mudou. Poder, sucesso e riqueza ainda são os responsáveis por comportamentos esquecidos e divorciados do que tem verdadeiramente valor na vida. A simples leitura de um único exemplar de qualquer jornal, em qualquer dia, evidencia, à saciedade, os efeitos desta busca por elementos tão ilusórios em sua importância. Muitas são as explicações do fenômeno fornecidas por Freud. Mas não é delas que desejo falar.

A lembrança das lições de meu muito querido professor de filosofia - David Perez – quando afirmava que “tudo tem a ver com tudo”, faz com que eu parta para consultar outro livro – um dicionário – onde busco o significado da palavra “cidadão”. A esta altura os que me lêem podem se surpreender: será que ela não sabe o que é cidadão? Eu sabia. Mas o fato de não mais encontrar esta entidade andando por aqui me faz desconfiar que o conceito mudou ou desapareceu mesmo. Vejamos: Indivíduo no gozo dos direitos civis e político de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com ele. Nossa! Não mudou, não! Mas se na primeira parte da definição incluem-se todos os brasileiros (embora este “gozo” seja muito mal distribuído) o papel mencionado na segunda é protagonizado por poucos. É triste, mas verdadeiramente poucos são os brasileiros, sejam eles colocados no alto ou na base da pirâmide, que cumprem com os seus deveres civis e políticos.  

A postura do “venha a mim” é a mais comum. E ficam verdadeiramente espantados, e muitas vezes injuriados, quando se lhes atribui o descalabro que por aqui grassa. Com honrosas exceções o “dever cívico” limita-se exclusivamente ao ato votar de dois em dois anos. E mesmo este ato é por muitos ignorado. Os crescentes percentuais de abstenção atestam isto. Para os que votam a escolha de candidatos raramente merece a análise da atuação pregressa do candidato ou das  qualificações de que são dotados para a posição que postulam.

A maioria dos eleitores têm dificuldade em recordar, passado algum tempo, em quem votou para vereador ou deputado, seja este estadual ou federal e, quando se lembram jamais lhes ocorre acompanhar a atuação destes no desempenho do mandato para verificar se mereceram seu voto e mais do que isto, para cobrar as promessas feitas. Quando o voto é para Presidente a omissão é ainda mais grave. Os Programas apresentados pelos partidos raramente são lidos. E quando o são cobranças não são feitas pelo não cumprimento.

Passados dez anos da eleição do Presidente Lula para o primeiro mandato, a relação de propósitos e intenções não cumpridos é impressionante. Só como exemplo: a reforma tributária (um vasto capitulo no Programa!) jamais foi sequer esboçada. Inúmeros outros exemplos poderiam ser dados. E me espanta a grande quantidade de pessoas que critica a pessoa de Lula e não a situação em que nos encontramos não lhes ocorrendo que poderiam ter tentado uma mudança ao votar no segundo mandato ou agir numa cobrança objetiva.

A divulgação pela mídia sobre a torrente de escândalos (ou mal feitos como os rotula nossa Presidente) só tem o poder de torná-los mais indignados. Nenhum de fazê-los agir. Fica-se no discurso e não na ação de uma efetiva, objetiva e inteligente cobrança. Este discurso tem se mostrado especialmente enlouquecido, ultimamente, quando aplicado ao Mensalão. Seja contra ou a favor. Parece-me, por vezes, uma guerra santa movida por “crenças” de uma fé religiosa, cada lado defendendo dogmas e não fatos objetivos. Os réus para os da situação são entidades santas, sem jaça e martirizadas; para oposição, demônios do mal que deveriam ser condenados às profundezas do inferno. Agem todos como torcidas organizadas em final de campeonato.

A seriedade e a significância deste julgamento, que são notáveis, não estão levando a uma reflexão cidadã: onde foi que erramos? Como deixamos chegar a este ponto? De um lado alguns partidos prestam solidariedade a criminosos que pertencem a seus quadros; de outro, partidos manifestam a indignação de não serem todos os réus condenados às penas máximas. Mas não vejo qualquer deles preocupados em mudar o que realmente precisa ser mudado. E, para coroar existem os “cidadãos” omissos (os que dizem “no mundo inteiro é assim”) e que deixam de votar porque o dia da eleição coincide com um feriadão e o apelo das praias e serras é mais forte ou, ainda, por que “detestam política” como se esta não lhes dissesse respeito.

E por descaso, omissão, não participação, somos obrigados a, entre outros absurdos, assistir ao sorriso vitorioso de um Maluf (aqui colocado como nome próprio e adjetivo), na posse do prefeito eleito pelo PT, partido que tinha por bandeira o repudio veemente a homens como Maluf!! É tão triste isto.   

2012

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