Desde
que a conheci a percebi preocupada. Na verdade o mais correto seria dizer
“pré-ocupada”. Porque estava sempre ocupada com alguma coisa que “ia” acontecer
no futuro. Mais das vezes vaticinava desgraças. Que eu saiba acertava pouco.
Mas esta incapacidade de prever com acerto nem era percebida porque tão logo
evidenciado o engano de suas previsões o pensamento já estava voltado para
outro “vai” acontecer.
Vai
daí que era uma pessoa triste, muito triste. A testa franzida e os olhos
apertados e inquietos envelheciam seu rosto que seria bonito se ela permitisse.
Queixava-se de que nada de bom acontecia em sua vida. Também pudera! Somente o
futuro “existia” para ela. E no futuro, cá pra nós, nada existe. Era capaz de
desejos e sonhos, é certo. Mas estes eram definitivamente impossíveis. Nenhuma movimentação
ou providência no dia-a-dia poderia torná-los realizados. O mais engraçado é
que estes sonhos e desejos sempre eram voltados para alguma coisa que era real
na vida de alguém que conhecia ou que de quem tinha ouvido falar. E era assim
que desejava um marido “igualzinho” ao de uma amiga; o filho da outra; o corpo
sarado da sobrinha; e os olhos azuis da manicure, o sucesso da atriz que via em
novela, a fortuna do milionário noticiada pelos jornais e que mais sei eu.
Sobre
os olhos azuis me confidenciou um dia: estas
pesquisas de célula-tronco, com certeza, vão possibilitar a troca da cor dos
olhos e eu vou poder ter meus olhos azuis! E terminou triste: mas eu não vou estar mais viva quando isto
for possível! Em vão todos tentavam trazê-la para o hoje. Mas o pé no
acelerador levava célere para não existente. Preocupados os amigos reuniram-se
para tentar resgatá-la de lá. E decidiram formar uma força tarefa para
obrigá-la a enfrentar uma terapia. Foi difícil porque a futurologia de que era
capaz demonstrou, comprovou mesmo, que o analista seria péssimo e iria piorar
sua vida, além de querer cobrar os olhos da cara o que a levaria à miséria
impedindo a realização de qualquer outro gasto. Via-se impossibilitada de pagar
o aluguel, mendigando o favor dos amigos quem sabe até um prato de comida. Ela
vivia de uma pensão que havia herdado do pai - um almirante. Mas certamente um
dia esta pensão iria desaparecer por alguma mudança na legislação.
Nunca
trabalhara. Nem tinha uma profissão. Até que tentou um vestibular, quando
jovem. Mas a pré-ocupação com a certeza de não ser aprovada não lhe permitia
estudar e foi reprovada mesmo. Quem sabe vencida pelo cansaço que lhe causavam
as investidas dos amigos concordou em marcar uma consulta no terapeuta indicado.
E lá foi ela vaticinando o pior resultado possível. E, para espanto de todos,
sumiu. Quer dizer, não inteiramente porque enviou um e-mail circular para todos
dizendo que precisava ficar sozinha “para pensar no futuro” e que telefonaria
assim que terminasse este retiro. Fazer o que?
Os
amigos, desanimados com esta declaração em que o futuro ainda era o principal
personagem, decidiram: vai ver nem foi ao analista. Tem jeito, não. Dois meses
depois outro e-mail intrigante: preciso falar com todos. E convocava para uma
reunião em sua casa. Dia e hora marcada lá estavam todos. Espantados a
encontraram possuída de grande entusiasmo. Quase gritando ela declara: descobri o que há de errado comigo. Este
analista que vocês me indicaram é maravilhoso. Encantados os amigos pedem
que ela conte o que ocorreu. Vitoriosa ela informa: o problema não é futuro! È o passado! Meus pais foram os responsáveis
por tudo. E não só eles! Vocês não imaginam o que foi o meu passado. Agora está
tudo claríssimo.
Consternados
os amigos assistem ela tirar o pé do acelerador do futuro e voltando os olhos
para o retrovisor do passado. Havia chegado à conclusão que as desgraças que
vaticinava para frente tinham de fato origem no acontecido para trás. E ela
descrevia esta origem com minúcias, sofrendo muito, revivendo o que não podia
ser revivido. Ao invés de se pré-ocupar passou a se pós-ocupar. As histórias ficaram mais confusas porque
havia um trânsito do passado para o futuro sem que houvesse um presente. O
“aconteceu um dia”, se não houvesse acontecido possibilitaria um futuro
maravilhoso. Mas como havia acontecido o futuro era negro.
Conclusão:
nada a fazer. O mais engraçado é que ela mostrava um enorme entusiasmo com a
“revelação” das causas de sua infelicidade feita por seu analista.
Declarando-se “curada” o dispensou. Continuava infeliz, mas, segundo ela,
aliviada com a explicação de que o desejo (que ainda existia) de ter um marido
igualzinho ao da amiga em algum tempo futuro, era impossível porque no passado
seus pais, irmãos, colegas e quem mais sei eu, haviam causado um trauma
irreparável. E acomodando-se entre o acelerador e o retrovisor consolidou a
inexistência do hoje para todo sempre.
2010
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