São
muitas as coisas que não se aplicam à terceira idade. Todos os dias me dou
conta de mais uma. Hoje foram os horóscopos. Aquelas pequenas frases de alerta
ou de esperança determinadas por astros se lixam da terceira idade. Raramente
os leio. Só ocorre quando tendo tempo para ler todo o jornal, me sobram os
horóscopos. E então percebo que para que nós – os velhos – sejamos incluídos
nos prognósticos é necessário um complicado exercício de interpretação de
texto.
Quase
sempre vaticinam o surgimento de novos amores ou ressurgimento de velhos ou
então de novas oportunidades de trabalho. Os novos amores e as oportunidades de
trabalho, embora não impossíveis, são improváveis. O ressurgimento de velhos
amores traria, com certeza, funestas conseqüências porque os sei casados e bem
casados. E um drama passional em minha idade não seria nada edificante. Nem na
idade deles, é claro.
Vai
daí que procuro sempre fazer uma releitura de tais vaticínios. “O fique atento. Um velho amor poderá
ressurgir” pode ser traduzido para: fique atento. A antiga agência do Banco do Brasil perto de casa poderá
ser reaberta. Ou então uma nova
oferta de emprego poderá surgir ao longo do dia deve significar uma nova oferta de aspirina prevent
(embalagem de 130 comprimidos) pode surgir hoje nas farmácias. Esta
ausência de prognósticos para os velhos me intriga. O que têm os astros contra
eles? Afinal o futuro talvez não seja muito extenso, mas qualquer que seja seu
tamanho algum futuro existe.
Toda
esta reflexão vem da hermética e extraordinária exortação hoje endereçada aos
Áries, ascendente Câncer: “É, talvez você tenha
razão em insistir: escondidinho, longe de olhares curiosos, pode ser bem
melhor, principalmente se a pessoa em questão se sentir mais à vontade. Vencida
a primeira etapa, passe rapidamente ao item 2: inspiração & imaginação.
Ponha seus talentos a funcionar e faça este dia entrar para a história”. Deus meu! Será que ando, sem me dar conta, insistindo em
fazer coisas escondidinhas?
Longe dos olhares curiosos sempre procuro me manter, é verdade.
Mas não porque faça seja lá o que for que exija a postura escondidinha. É meu jeito mesmo. Mas
há indícios de que este vaticínio seja mesmo dirigido a mim: o diminutivo é
sempre usado quando falam aos de minha idade. O verbo insistir denuncia que
ando me escondendo muito ultimamente e para complicar existe a “pessoa em
questão”. Quem será? É claro que existem em minha vida várias “pessoas em
questão” dependendo do que acontece no dia-a-dia. Mas o sentido da mensagem é
meio maroto, não é? Não creio que se refira a qualquer de meus filhos ou netas
e, muito menos ao Zé porteiro a quem estou esperando para que troque a lâmpada
da sala de jantar. Matutando, reconsidero: vai ver é o Zé mesmo. Todas as vezes
que a ele recorro é um tanto em segredo para não provocar indignados protestos dos
outros condôminos a quem ele se recusa a socorrer. E quase posso afirmar que o
Zé se sente muito à vontade com isto.
Mas feita em segredo a troca da lâmpada, final da primeira
etapa, que raio de inspiração devo ter e qual o exercício de imaginação devo
fazer na segunda etapa para garantir que o dia entrará para história? E o pior
é que tenho que fazê-lo antes que este dia termine. Gente! E se “entrar na
história” significar passar desta para melhor?! Já sei! Vou cair fulminada na
sala de jantar sob o olhar apavorado do Zé. Isto entraria para história! Pelo
menos para história do condomínio. Mas morrer não me parece um ato que exija
imaginação e inspiração e eu jamais usaria meus talentos (se é que os tenho!)
para tal. Além disto não estou com a menor vontade de fazer isto. Mas vai ver,
é isto mesmo. O destino é assim. Insiste em não consultar meus quereres.
Em pânico escuto o soar da campainha. É o Zé! As engrenagens do
tempo são inexoráveis. E o jeito é deixar que o destino tome seu curso. Olho
com raiva a lâmpada que deverá substituir a queimada. Não chegarei a vê-la
brilhar. Um pensamento vem como um raio: e se eu não trocar a lâmpada
interrompendo a seqüência dos fatos e mandando o destino para o espaço? Para
quê lâmpada?! Posso comer à luz de velas!
A campainha soa insistente. Pera aí, Zé! É um caso de vida ou
morte. Minha nossa! Numa revelação vem
uma possibilidade! Não é nada disto que eu estou pensando! É um velho amor que
vai aparecer de repente (velho mesmo) Vai ver, sem me dar conta, ando pensando
nisto escondidinho. E escondidinho ele virá para um jantar à luz de velas. E
vai se sentir muito à vontade porque eu não verei as rugas dele e nem ele as
minhas! Depois acontecerá o que minha imaginação, minha inspiração e o meu
talento terão que trabalhar furiosamente para acontecer, seja lá isto o que
for! Abro a porta e enfrento o espanto do Zé, declarando firme:
- Não precisa mais. Vai ficar sem lâmpada mesmo. E, Zé, se alguém
aparecer me procurando não precisa tocar o interfone. Pode mandar subir!
2006
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