sábado, novembro 23, 2013

PODE MANDAR SUBIR!

São muitas as coisas que não se aplicam à terceira idade. Todos os dias me dou conta de mais uma. Hoje foram os horóscopos. Aquelas pequenas frases de alerta ou de esperança determinadas por astros se lixam da terceira idade. Raramente os leio. Só ocorre quando tendo tempo para ler todo o jornal, me sobram os horóscopos. E então percebo que para que nós – os velhos – sejamos incluídos nos prognósticos é necessário um complicado exercício de interpretação de texto.

Quase sempre vaticinam o surgimento de novos amores ou ressurgimento de velhos ou então de novas oportunidades de trabalho. Os novos amores e as oportunidades de trabalho, embora não impossíveis, são improváveis. O ressurgimento de velhos amores traria, com certeza, funestas conseqüências porque os sei casados e bem casados. E um drama passional em minha idade não seria nada edificante. Nem na idade deles, é claro.

Vai daí que procuro sempre fazer uma releitura de tais vaticínios. “O fique atento. Um velho amor poderá ressurgir” pode ser traduzido para: fique atento. A antiga agência do Banco do Brasil perto de casa poderá ser reaberta. Ou então uma nova oferta de emprego poderá surgir ao longo do dia deve significar uma nova oferta de aspirina prevent (embalagem de 130 comprimidos) pode surgir hoje nas farmácias. Esta ausência de prognósticos para os velhos me intriga. O que têm os astros contra eles? Afinal o futuro talvez não seja muito extenso, mas qualquer que seja seu tamanho algum futuro existe. 

Toda esta reflexão vem da hermética e extraordinária exortação hoje endereçada aos Áries, ascendente Câncer: “É, talvez você tenha razão em insistir: escondidinho, longe de olhares curiosos, pode ser bem melhor, principalmente se a pessoa em questão se sentir mais à vontade. Vencida a primeira etapa, passe rapidamente ao item 2: inspiração & imaginação. Ponha seus talentos a funcionar e faça este dia entrar para a história”. Deus meu! Será que ando, sem me dar conta, insistindo em fazer coisas escondidinhas?

Longe dos olhares curiosos sempre procuro me manter, é verdade. Mas não porque faça seja lá o que for que exija a postura escondidinha. É meu jeito mesmo. Mas há indícios de que este vaticínio seja mesmo dirigido a mim: o diminutivo é sempre usado quando falam aos de minha idade. O verbo insistir denuncia que ando me escondendo muito ultimamente e para complicar existe a “pessoa em questão”. Quem será? É claro que existem em minha vida várias “pessoas em questão” dependendo do que acontece no dia-a-dia. Mas o sentido da mensagem é meio maroto, não é? Não creio que se refira a qualquer de meus filhos ou netas e, muito menos ao Zé porteiro a quem estou esperando para que troque a lâmpada da sala de jantar. Matutando, reconsidero: vai ver é o Zé mesmo. Todas as vezes que a ele recorro é um tanto em segredo para não provocar indignados protestos dos outros condôminos a quem ele se recusa a socorrer. E quase posso afirmar que o Zé se sente muito à vontade com isto.

Mas feita em segredo a troca da lâmpada, final da primeira etapa, que raio de inspiração devo ter e qual o exercício de imaginação devo fazer na segunda etapa para garantir que o dia entrará para história? E o pior é que tenho que fazê-lo antes que este dia termine. Gente! E se “entrar na história” significar passar desta para melhor?! Já sei! Vou cair fulminada na sala de jantar sob o olhar apavorado do Zé. Isto entraria para história! Pelo menos para história do condomínio. Mas morrer não me parece um ato que exija imaginação e inspiração e eu jamais usaria meus talentos (se é que os tenho!) para tal. Além disto não estou com a menor vontade de fazer isto. Mas vai ver, é isto mesmo. O destino é assim. Insiste em não consultar meus quereres.

Em pânico escuto o soar da campainha. É o Zé! As engrenagens do tempo são inexoráveis. E o jeito é deixar que o destino tome seu curso. Olho com raiva a lâmpada que deverá substituir a queimada. Não chegarei a vê-la brilhar. Um pensamento vem como um raio: e se eu não trocar a lâmpada interrompendo a seqüência dos fatos e mandando o destino para o espaço? Para quê lâmpada?! Posso comer à luz de velas! 

A campainha soa insistente. Pera aí, Zé! É um caso de vida ou morte. Minha nossa!  Numa revelação vem uma possibilidade! Não é nada disto que eu estou pensando! É um velho amor que vai aparecer de repente (velho mesmo) Vai ver, sem me dar conta, ando pensando nisto escondidinho. E escondidinho ele virá para um jantar à luz de velas. E vai se sentir muito à vontade porque eu não verei as rugas dele e nem ele as minhas! Depois acontecerá o que minha imaginação, minha inspiração e o meu talento terão que trabalhar furiosamente para acontecer, seja lá isto o que for! Abro a porta e enfrento o espanto do Zé, declarando firme:

-      Não precisa mais. Vai ficar sem lâmpada mesmo. E, Zé, se alguém aparecer me procurando não precisa tocar o interfone. Pode mandar subir!

2006 

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