terça-feira, agosto 13, 2013

O EXTRAORDINÁRIO DESTINO DE UM CHAPÉU DIOR

A história é verdadeira e se passa no final dos anos 40. O pós-guerra havia acometido os costureiros franceses de furor delirante de luxo e feminilidade, contidos que haviam sido pelas restrições impostas pela Segunda Guerra Mundial. Christian Dior e Coco Channel faziam as delícias das grandes damas da sociedade do Rio de Janeiro, ainda a capital do País, que voltaram a consumir a moda francesa com avidez. Não se falava em socialite naquela época muito menos em emergente (então denominadas arrivistas). A senhora protagonista, longe disto, pertencia ao “grand monde”.
Não vou citar nomes, embora existam em minha memória. Pra quê? Todos os atores já não devem estar mais entre nós (um deles com certeza não, como verão a seguir) e de fato não interessa quem e sim o quê ocorreu.
Era naquele tempo considerada “bem” a participação de senhoras em torneios de biriba ou buraco (não me lembro se um ou outro) para fins beneficentes. Ocorriam em requintados chás de final de tarde e se constituíam num verdadeiro desfile de modas onde cada uma buscava suplantar a outra em elegância e, sobretudo, na exibição de um último modelo chegado de Paris. Pois foi num destes torneios que tudo começou.
Nossa protagonista havia recebido na véspera um chapéu Dior (na época chapéus eram indispensáveis no horário vespertino). Modelo único, composto de flores de cores discretas e belas formas, presas a uma base quase invisível que fazia com que parecesse apenas pousado sobre os cabelos por artes de mágica. Lindo de morrer! O torneio seria uma ótima ocasião para exibir o primaveril e delicado assessório que denunciava a autoria: indiscutivelmente um Dior! Encantada, a senhora percebeu nas demais, ao ingressar na sala, todos os sentimentos bons e maus que um autentico Dior pode causar: inveja, admiração, espanto e outros que tais. As não acometidas pela inveja generosamente se desmancharam em louvores tendo o bom gosto que não perguntar o preço que todas e, sobretudo a proprietária, sabiam escandaloso!
Pois bem, uma das parceiras da mesa em que se encontrava a senhora, estava atrasada. E eis que chega aflita com uma triste notícia. Havia falecido, inesperadamente, um senhor também pertencente ao “grand monde”. O velório estava acorrendo naquele momento no São João Batista e se estenderia noite adentro. A desolação foi enorme. A nossa protagonista, tristíssima, declara que embora não íntima do casal lhes tinha enorme simpatia tendo mesmo participado com eles de vários jantares onde mantiveram deliciosas conversas. Havia até previsto convidá-los para uma de suas “open house” para estreitar relações.
As outras declaram que iriam ao enterro programado para a manhã seguinte. Mas ela não podia. Tinha um compromisso inadiável. Resolveu que logo terminado o torneio iria direto para o velório para passar alguns momentos prestando homenagem ao morto e conforto à viúva. Já a caminho se dá conta de que o chapéu não era dos mais próprios para a cerimônia e o retira.
Entra na capela levando o chapéu nas mãos e dirige-se para a viúva que junto ao caixão chorava desolada. Estende os braços para abraçá-la e estarrecida vê confiscado seu chapéu pela senhora que, entre lágrimas comovidas, murmura: que delicadeza! E em seguida coloca sobre as mãos do falecido o que lhe havia parecido um elaborado arranjo floral. Impossibilitada de, naquele momento realizar a operação contrária, para recuperar das mãos do morto o caríssimo chapéu, nossa personagem gruda-se ao lado do caixão aguardando uma oportunidade em que a viúva, distraída pelos cumprimentos incessantes, permitisse a recuperação do bem sem que fosse notado o surrupio.
Horas se passaram e nada. A noite já ia alta e ela não arredava pé com uma expressão de intenso sofrimento que foi comentada em prosa e verso por todos: não a sabiam tão amiga do morto. Nos momentos em que imaginava que seria possível a retomada de posse, mal tocava de leve no chapéu alguém ao lado comentava: lindo arranjo, não? 
Exausta, já pela manhã, começa a chorar copiosamente. As colegas do jogo de biriba chegam e diante do caixão, incrédulas, arregalam os olhos diante da visão da pequena fortuna grudada às mãos do morto. O choro da amiga desmentia o que lhes havia sido dito na véspera: a relação entre ela e o morto era apenas superficial. E ainda por cima havia aquele gesto extraordinário, de garantir sua presença junto a ele fazendo com que levasse para eternidade o que tinha de mais caro (nos dois sentidos de “caro”).
Passam a cochichar entre si, aumentando os rumores de um romance secreto entre a amiga e o morto que já vinham circulando entre os presentes diante do inexplicável desespero da dona do chapéu. E eis que os encarregados aproximam-se com a tampa do caixão para encerrar para sempre o morto... e o chapéu. O respeitoso silêncio foi rompido com um grito lancinante da dona do Dior: NÃO! E, para todo sempre se garantiu que o Senhor X e a Senhora Y haviam mantido em segredo, um tórrido caso de amor.

2006  

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