A
história é verdadeira e se passa no final dos anos 40. O pós-guerra havia
acometido os costureiros franceses de furor delirante de luxo e feminilidade,
contidos que haviam sido pelas restrições impostas pela Segunda Guerra Mundial.
Christian Dior e Coco Channel faziam as delícias das grandes damas da sociedade
do Rio de Janeiro, ainda a capital do País, que voltaram a consumir a moda
francesa com avidez. Não se falava em socialite naquela época muito menos em
emergente (então denominadas arrivistas). A senhora protagonista, longe disto,
pertencia ao “grand monde”.
Não
vou citar nomes, embora existam em minha memória. Pra quê? Todos os atores já
não devem estar mais entre nós (um deles com certeza não, como verão a seguir)
e de fato não interessa quem e sim o quê ocorreu.
Era
naquele tempo considerada “bem” a participação de senhoras em torneios de
biriba ou buraco (não me lembro se um ou outro) para fins beneficentes.
Ocorriam em requintados chás de final de tarde e se constituíam num verdadeiro
desfile de modas onde cada uma buscava suplantar a outra em elegância e,
sobretudo, na exibição de um último modelo chegado de Paris. Pois foi num
destes torneios que tudo começou.
Nossa
protagonista havia recebido na véspera um chapéu Dior (na época chapéus eram
indispensáveis no horário vespertino). Modelo único, composto de flores de
cores discretas e belas formas, presas a uma base quase invisível que fazia com
que parecesse apenas pousado sobre os cabelos por artes de mágica. Lindo de
morrer! O torneio seria uma ótima ocasião para exibir o primaveril e delicado
assessório que denunciava a autoria: indiscutivelmente um Dior! Encantada, a
senhora percebeu nas demais, ao ingressar na sala, todos os sentimentos bons e
maus que um autentico Dior pode causar: inveja, admiração, espanto e outros que
tais. As não acometidas pela inveja generosamente se desmancharam em louvores
tendo o bom gosto que não perguntar o preço que todas e, sobretudo a
proprietária, sabiam escandaloso!
Pois
bem, uma das parceiras da mesa em que se encontrava a senhora, estava atrasada.
E eis que chega aflita com uma triste notícia. Havia falecido, inesperadamente,
um senhor também pertencente ao “grand monde”. O velório estava acorrendo naquele momento no São João Batista
e se estenderia noite adentro. A desolação foi enorme. A nossa protagonista,
tristíssima, declara que embora não íntima do casal lhes tinha enorme simpatia
tendo mesmo participado com eles de vários jantares onde mantiveram deliciosas
conversas. Havia até previsto convidá-los para uma de suas “open house” para estreitar relações.
As
outras declaram que iriam ao enterro programado para a manhã seguinte. Mas ela
não podia. Tinha um compromisso inadiável. Resolveu que logo terminado o
torneio iria direto para o velório para passar alguns momentos prestando
homenagem ao morto e conforto à viúva. Já a caminho se dá conta de que o chapéu
não era dos mais próprios para a cerimônia e o retira.
Entra
na capela levando o chapéu nas mãos e dirige-se para a viúva que junto ao
caixão chorava desolada. Estende os braços para abraçá-la e estarrecida vê
confiscado seu chapéu pela senhora que, entre lágrimas comovidas, murmura: que delicadeza! E em seguida coloca
sobre as mãos do falecido o que lhe havia parecido um elaborado arranjo floral.
Impossibilitada de, naquele momento realizar a operação contrária, para recuperar
das mãos do morto o caríssimo chapéu, nossa personagem gruda-se ao lado do
caixão aguardando uma oportunidade em que a viúva, distraída pelos cumprimentos
incessantes, permitisse a recuperação do bem sem que fosse notado o surrupio.
Horas
se passaram e nada. A noite já ia alta e ela não arredava pé com uma expressão
de intenso sofrimento que foi comentada em prosa e verso por todos: não a sabiam tão amiga do morto. Nos
momentos em que imaginava que seria possível a retomada de posse, mal tocava de
leve no chapéu alguém ao lado comentava: lindo
arranjo, não?
Exausta,
já pela manhã, começa a chorar copiosamente. As colegas do jogo de biriba
chegam e diante do caixão, incrédulas, arregalam os olhos diante da visão da
pequena fortuna grudada às mãos do morto. O choro da amiga desmentia o que lhes
havia sido dito na véspera: a relação entre ela e o morto era apenas
superficial. E ainda por cima havia aquele gesto extraordinário, de garantir
sua presença junto a ele fazendo com que levasse para eternidade o que tinha de
mais caro (nos dois sentidos de “caro”).
Passam
a cochichar entre si, aumentando os rumores de um romance secreto entre a amiga
e o morto que já vinham circulando entre os presentes diante do inexplicável
desespero da dona do chapéu. E eis que os encarregados aproximam-se com a tampa
do caixão para encerrar para sempre o morto... e o chapéu. O respeitoso
silêncio foi rompido com um grito lancinante da dona do Dior: NÃO! E, para todo
sempre se garantiu que o Senhor X e a Senhora Y haviam mantido em segredo, um
tórrido caso de amor.
2006
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