No momento em que esta crônica está
sendo lida quem sabe, já sou eu Bisavó. Nesta reta de chegada para ocupar tão
honroso posto sou vítima da maior confusão: o que dizer a minha bisneta?
Oitenta e um anos nos separam. É muito, não? Será que todo este tempo vivido
deixou algum ensinamento que possa ajudá-la vida afora? Qualquer coisa que ela
pudesse, já adulta, dizer aos filhos iniciando com um “aprendi com a tataravó de vocês. Dá certo”.
Sei que estou tentando tornar-me
eterna a qualquer custo. Mas é verdadeira minha preocupação com a vidinha lá
dela. Como facilitar as coisas diminuindo os sofrimentos e frustrações que
certamente virão? Tudo muda muito ao longo dos tempos e o que hoje dá certo
pode não dar amanhã e periga eu encaminhá-la para uma estrada que, no mínimo,
não vai dar em lugar nenhum. O falar francês, indispensável quando eu era
criança, transformou-se em falar inglês. Vai daí que é mais que provável que
minha Joana se veja as voltas com o chinês mandarim. Para piorar minha confusão
eis que o horóscopo do mês anuncia aos arianos como eu: em campo afetivo, evitem inúteis especificações
para não comprometer a relação.
Seria uma
temeridade me estender em explicações e comentários sob pena de comprometer
nossa relação que apenas começa. Tem que ser curto e grosso. Nenhuma das muitas
soluções que dei a problemas ocorridos neste tanto tempo de vida parece-me
digna da póstuma citação. Mas eis que amigos me convidam para uma noite num bar
da Lapa e fez-se a luz!
Saudosa
lembro os almoços diários, na melhor das companhias, no Bar Brasil, no Nova
Capela, no Cosmopolita (para nós do SERPRO, Porta de Bandido) e das
intermináveis “a saideira e a conta” na Adega Flor de Coimbra que por ser em
frente ao estacionamento onde deixávamos os carros, nos levava a prolongar o
expediente que vez por outra entrava noite adentro. Tudo isto é motivo de
lembranças risonhas e emocionadas para muitos de nós. Tanto que até hoje nos
reunimos para lembrar. Só que agora rotulados de SERPROVECTOS e não mais na
Lapa.
Ao contrário
do que possam imaginar não estou pensando em indicar a minha bisneta o caminho
dos bares diurnos ou noturnos. Este ela irá encontrar sozinha no momento certo.
E espero que o faça e que, como eu, guarde as melhores lembranças. Ocorre que o
tal bar para onde fui convidada responde pelo nome de Bar do Acaso. É isto! É o
que posso deixar de melhor na certeza de que este ensinamento estará a salvo de
qualquer efeito causado por Tempora e Mores!
Ainda bem
jovem descobri (com enorme ajuda de meu pai) que tudo que me acontecia de
importante na vida, fosse bom ou ruim, tivera origem no acaso. E assim seria
sempre, Portanto dele – o acaso - eu não deveria fugir. Ao contrário, deveria
deixar que ocorresse expondo-me à vida e a tudo que esta pudesse me oferecer.
O
problema, o grande problema, é que o acaso é maroto como ele só: depois de
propiciar o surgimento do bom e do ruim desinteressa-se pelo assunto e não
ensina o pulo do gato para que o ruim seja eliminado e o bom desenvolvido ao
máximo. Ai o comportamento oposto deve entrar com força total impedindo que se
deixe o acaso ao acaso. Uma enorme carga de análises, planejamentos e ações têm
que necessariamente se seguir às estripulias do acaso. Caso contrário corre-se
o perigo de ativar as coisas danosas por ele ofertadas e eliminar o que deveria
ser cultivado. Começa pela análise profunda da oferta do acaso: é boa coisa ou
não? Parece fácil, mas não é. O Príncipe Encantado em que a moça literalmente
esbarrou na rua e mostrou-se encantador e, sobretudo interessadíssimo, pode se
transformar em Sapo no futuro ou tornar-se o mais companheiro dos maridos; a
viagem maravilhosa e baratíssima cujo folheto de propaganda entrou pela janela
conduzido pelo vento pode ser um convite encantadora ou uma monumental furada;
o antigo e sumido colega de trabalho que encontramos porque viramos à esquerda
e não à direita e que nos saúda com: “incrível!
Você é a pessoa que eu estava procurando para...” pode nos fazer uma oferta
irrecusável de trabalho ou nos meter em uma enorme enrascada. E por ai vai.
Mesmo
depois de avaliada a obra do acaso, mesmo quando se anuncia promissora, há um
enorme trabalho pela frente. O princípio da entropia entra em ação: se não
cuidamos incessantemente tudo será destruído. Enfim a máxima que resulta parece
ser: nunca fuja do acaso, ao contrário exponha-se a este, aceite o que lhe
trouxer, depois trabalhe como um mouro para dar certo.
Pobre
Joana! Olha só a Bisavó que o acaso lhe deu! Como existem outros três bisavôs
vivos quem sabe adoçarão a pílula que, acredite, não é tão amarga quanto
parece. Porque a vida, Joana, queira-se ou não, exige uma administração
constante e um cuidado sem fim com tudo aquilo que o acaso nos oferece. Fugir
do acaso para não ter que administrá-lo é uma forma de não viver. E viver,
minha linda, é pra lá de bom. Esta não é uma história de fadas (sossega, também
as contarei a você), mas como acontece nestas, se você atentar para esta
falação da Bisa, sua vida terá uma grande possibilidade de muitos finais
felizes.
2011
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