Faz
tempo um ex-delegado de polícia, meu amigo, contou-me este incidente como
verdade verdadeira por ele vivida. Rolava o ano de 1969, auge da repressão. Um
senhor entra numa delegacia da Zona Sul e autoritário exige ser atendido pelo
Delegado o que é dificultado por um mal humorado escrivão. O irritado tom de
voz do senhor chega aos ouvidos do Comissário que aparece aos gritos: Tá pensando que isto aqui é casa da mãe
Joana?! O apopléctico senhor parece que vai dar uma de “sabe com quem
está falando”, mas se contém. Puxa o Comissário para um aparte e apresenta-se
em segredo: é o General XX, famoso por suas ações contra-terrorismo.
Cheio de
mesuras o Comissário apressa-se em conduzi-lo ao Delegado. Um mutismo
inexplicável ataca o General na presença do Delegado que imagina que o General
ali está para solicitar a colaboração da polícia no estouro de um aparelho o
que o faz perder-se num discurso laudatório às gloriosas forças armadas na
defesa da ordem e dos poderes constituídos: estes terroristas têm mais é que
ser exterminados sem dó nem... O General interrompe e pede a saída do
Comissário. É indispensável o maior sigiloso. O Delegado ordena a saída do
humilhado Comissário e aguarda a honrosa demanda que lhe fará o General. Este
depois de muito pigarrear e hesitar termina por declarar que ali está para
solicitar um flagrante de adultério: sua segunda mulher, muito jovem, o está
traindo com um garotão. O Delegado disfarçando o riso, contrito apresenta suas condolências pontuadas com “lamentável, lamentável...” Sigilo haverá, é claro, mas as formalidades legais
terão que ser cumpridas: é necessária a presença do escrivão e do comissário além
de um investigador e da sua própria. Mas fique o General tranqüilo. Ele cuidará
para que nada transpire dentro ou fora da Delegacia.
O General informa que irá participar da diligência e que embora a presença dos demais seja exigida deverão todos manter os olhos baixos em respeito a ele e àquela que apesar de tudo ainda é sua mulher. O Delegado com tudo concorda. Agendados dia e hora de acordo com as informações fornecidas pelo General, este deixa a Delegacia onde minutos depois explodem gargalhadas em todas as dependências. Não querendo mostrar favorecimento o Delegado promove um sorteio para indicar qual dos investigadores terá o privilégio de participar do flagrante. O escrivão, sempre relegado a uma menor importância, está exultante.
O General informa que irá participar da diligência e que embora a presença dos demais seja exigida deverão todos manter os olhos baixos em respeito a ele e àquela que apesar de tudo ainda é sua mulher. O Delegado com tudo concorda. Agendados dia e hora de acordo com as informações fornecidas pelo General, este deixa a Delegacia onde minutos depois explodem gargalhadas em todas as dependências. Não querendo mostrar favorecimento o Delegado promove um sorteio para indicar qual dos investigadores terá o privilégio de participar do flagrante. O escrivão, sempre relegado a uma menor importância, está exultante.
No dia e hora aprazados
encontram-se todos na calçada, frente a um hotel em Copacabana. O Delegado
conduz a diligência como sendo uma operação de altíssimo risco. O Comissário
entra sozinho, encarregado da negociação necessária à obtenção da chave do
quarto. Conseguida esta, volta à calçada. O Delegado determina que os membros
da diligência (incluindo o General) entrem no hotel a intervalos regulares para
não chamar atenção. Deverão se encontrar na porta do quarto do pecaminoso
casal. Risos dos funcionários de hotel acompanham a entrada do General
evidenciando que o Comissário compartilhou com eles a história. Exigindo
sigilo, é claro!
Já em frente a porta do quarto o Delegado, murmura, severo: olhos baixos de preferência fechados! A
presença de vocês é apenas para que se cumpra a formalidade. Ninguém olha!
O escrivão escandalizado tenta se insurgir. Se não olhar como é que vai lavrar
o termo? O Delegado rebate: lavra-se
de memória, cretino! É tudo sempre igual: nudus cum nuda in eodem
lectum*! Orgulhoso
pela citação latina ele volta-se buscando o aplauso do General que furibundo
diz apenas: Cale-se, idiota! Humilhado o Delegado repassa a fúria a
seus subordinados como se a frase no singular fosse um lapso do General: Calem-se, idiotas!
A um sinal do
Delegado, o Comissário gira a chave e entram todos de supetão no quarto onde o
adultério está sendo consumado a pleno vapor. Bastam alguns segundos para que a
jovem senhora reaja: ela põe-se em pé na cama exibindo sua esplendorosa nudez e
aos gritos dirige impropérios ao General usando palavras que aqui eu não
ousaria transcrever, mas que são furiosamente anotadas pelo escrivão que se não
podia ver, podia ouvir. O Delegado solene e respeitoso, olhando de banda,
adianta-se tentando cobrir a nudez da jovem com um lençol. Esta se debate aplicando-lhe
uma saraivada de tapas certeiros.
Empenhado em defender-se e de costas para o
grupo que permanece de olhos baixos ele não vê que o General acaba de puxar uma enorme pistola apontando-a para o atlético rapaz que, sentado na beira da
cama parecia estar se divertindo muito. Este apavorado percebe que sua vida
está por um fio e rápido apossa-se do avantajado corpo do Delegado, fazendo-o
sentar-se em seu colo, usando-o como um escudo. O Delegado em pânico se dá
conta de que acaba de se transformar num alvo certeiro para o tresloucado
General. E mandando para o espaço o respeito à patente, o Delegado urra para a
equipe: SEGURA O CORNO! SEGURA O CORNO!
* Nu
com nua na cama – a modalidade mais grave de adultério segundo a legislação da
época.
2006
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