Foi no primeiro dia depois das férias de julho do primeiro
científico. A matéria nem era muito de meu agrado – História. Comentou-se no
pátio que havia professor novo. Notícia de pouco interesse. Nem era matéria que
poderia derrubar-me no vestibular.
Naquele tempo vestibular não era
esta guerra que é hoje: bastava estudar e pronto. Eu estava de costas quando
ele entrou e só me dei conta quando o silêncio se fez, pondo fim à bagunça que
reinava. Voltei-me e foi um alumbramento!
Hoje, quando me lembro, a cena correu em câmara lenta: ele
encaminhando-se para a mesa, lindo de morrer; eu deslumbrada, achando-me
deslumbrante, longos cabelos acompanhando o movimento de voltar-me para ele.
Primeira coisa que pensei: eu tinha que vir com este vestido horrendo? Ainda
bem que passei os cabelos a ferro! E
foi ai que ele falou. Que voz! Disse quem era, o que pretendia ensinar e pediu
que nos apresentássemos à medida que faria a chamada. O coração veio até a
boca. Não havia tempo para decidir qual das atrizes da Metro deveria orientar a
postura e a modulação da voz. Era preciso algum preparo e muita concentração
para incorporar. E eu seria, como sempre, a primeira a ser chamada. Um handicap
negativo que a letra A me trazia em todos os exames orais. Nunca perdoei o
fato de meus pais não terem pensado no desastre que a ordem alfabética pode
causar numa hora destas. Tudo que consegui dizer foi um patético e sem graça: sou eu proferido na ponta dos pés para
parecer mais alta. Tentei fazer com que as outras informações fossem mais
sedutoras. Impossível! Como é que um professor de história vai se interessar
por alguém que está se preparando para o vestibular de química?! Tentei
consertar: ... mas História é o meu
grande prazer! Já de posse de todos os meus recursos dramáticos acompanhei
esta declaração por um volteio de cabelos fazendo com que cobrissem
parcialmente o rosto à imagem de Verônica Lake. Hoje, visto daqui, percebo que
o olhar dele que me pareceu de encanto era mesmo de enorme espanto! Revoltada
escutei um “eu, heim? Embirutou!” dito
pelo colega que sentava atrás e que cursou o científico inteiro a custa das
colas que eu lhe passava.
Não escutei nada do que ocorreu depois perdida que fiquei
nos sonhos de um futuro (próximo) em que veria correspondido o arrebatamento de
que fui presa. Durante a eternidade de cerca de três meses Ele reinou em minha
vida até que se deu o amargo fim.
A primeira providência seria me tornar a primeira aluna em
História. Aliada esta a um maior esmero no vestir. Passei até a me pintar,
coisa que não fazia para ir ao colégio. Naquela época não se usava máscara para
os cílios: neles aplicava-se Cilion que, garantiam os anunciantes, além de
escurecê-los tinha o dom de fazê-los crescer em quantidade e comprimento. E foi lambuzada de Cilion que não sabendo que dissertação seria pedida na primeira prova mensal passei noites
elaborando várias sobre a matéria dada, caprichando no estilo e chegando a
conclusões originalíssimas e certamente inéditas.
Foi o primeiro desastre não percebido como tal. Na entrega das
notas Ele, com aquele mesmo olhar por mim mal interpretado declarou: você escreve muito bem e é visível que você se esmerou, mas da
próxima vez procure ser mais objetiva. Algumas impropriedades foram cometidas. Para
não sofrer, agarrei-me no “você se esmerou” que junto ao “visível” devia
significar, em código, uma apreciação de minha figura. Só podia ser. Aquele
olhar que só era dirigido a mim não deixava dúvidas.
Na segunda prova fui objetiva, sim, mas... em versos
decassílabos! Em rimas extraordinárias louvei Ptolomeu e Cleópatra. E o olhar
dele começou a denunciar pânico o que eu interpretei como medo de ceder a meus
encantos. Sem dúvida era isto, mesmo porque, durante as aulas, por várias vezes
fixava os olhos em mim como se esperasse algum pronunciamento. Entendi o recado
e pronunciava-me cada vez mais ousada, abusando do duplo sentido. O “o que é que está dando em você?”
interpelado pelo colega receptáculo de cola não conseguiu alertar-me para o
fato de que para toda classe era visível seu comportamento esdrúxulo. E pensei:
criança!
E veio o dia glorioso em que ele me chamou para uma conversa
a sós na sala dos professores! Entrei sorrindo, sedutora, neste dia transmudada
em Ava Gardner A voz – ah! aquela voz –
iniciou mágica: “meu bem!” E depois...
a catástrofe. Ava Gardner nunca passou por uma situação assim. Com um enorme
carinho ele foi dizendo que não era a primeira vez que isto acontecia;
esclareceu que quando era menino também havia se apaixonado por uma professora.
Entendia o que eu estava “pensando” que sentia. Que era normal, mas estava
perturbando o mais importante que eram as aulas. O adquirir conhecimento, o
passar de ano, o gol do vestibular. Tem
tanto menino interessante em sua classe. Por que não prestar atenção neles? Com
eles você pode dançar, ir ao cinema, ir à praia, viver uma verdade. E foi
ai que veio o tiro de misericórdia: Olha
só! Aquele que senta atrás de você (o imbecil da cola!) parece estar interessadíssimo em você. Dá uma chance a ele!
2007
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