Sempre achei injusto considerar omissão um
mal feito. Afinal ao omitir-se nada se fez de condenável. Nenhuma ação foi
perpetrada! Quem sabe penso assim por
ser volta e meia responsável por alguma omissão voluntária. E aqui venho,
contritamente, confessar uma que cometi contra possíveis leitores destas
crônicas que escrevo. Quando me propus divulgar, possivelmente na busca de
exorcismo, os meus episódios serial
clumsy, prometi a mim mesma que não revelaria um deles que até hoje me dá
arrepios ao lembrar. Mas eis que um amigo, testemunha do fato, me cobra o
relato. E eis que ele me interpelou: você
ainda não contou “aquilo”. Se você não
contar eu mando um mail circular contando para todos os amigos comuns.
Vai daí que não me resta alternativa já que
por experiência sei que quando testemunhas relatam estes meus comportamentos
absurdos sempre o fazem com a maior crueldade acrescentando detalhes que não
existiram, tornando tudo ainda mais caricato e terrível.
Meses depois da virada do século, este meu
colega e eu, fomos fazer levantamentos para desenvolvimento de um sistema em
Curitiba. De lá seguiríamos diretamente para Recife. Estas viagens com escala
sempre apresentam um problema para mim: a mala. Detesto viajar com uma que
tenha que ser despachada. E na de mão nem sempre cabe tudo que preciso. Nesta
viagem o frio que me esperava em Curitiba não combinava com a temperatura amena
que poderia ser esperada em Recife. Optei por acondicionar na mala de mão
apenas roupas adequadas para o calor do nordeste e levar na mão um casacão que
poderia ser posto por cima de qualquer vestimenta impedindo o congelamento que
sempre ocorre no inverno do Paraná.
Terminado o trabalho em Curitiba, devidamente
encasacada, embarquei no vôo para Recife na companhia de meu colega. Não
conseguimos lugares juntos e ele sentou-se no fundo do avião enquanto eu fui
agraciada com um assento mais à frente.
Ao chegarmos a São Paulo, onde trocaríamos de aeronave, eu me sentia dentro de
um forno e tão logo o avião estacionou levantei-me para sair imediatamente para
livrar-me do casaco. Retirei do bagageiro minha mala de mão com rodinhas que
puxei pelo corredor com uma das mãos tendo na outra a bolsa e uma sacola com
doces da Confeitaria das Famílias de Curitiba, que em má hora eu havia resolvido
trazer para presentear uma amiga em Recife. Em pé, no corredor junto aos
primeiros assentos, esperei a porta abrir para me mandar em busca de ar
indispensável à vida que se estava esvaindo pela sufocação causada pelo casaco.
E a porta do avião não abria, sabe-se lá por que. Já em desespero largo a alça
da mala, coloco no chão a sacola com os doces e a bolsa e faço manobras de
contorcionismo para tirar o casaco que jogo por cima do ombro num gesto que até
me pareceu muito elegante.
Neste momento escuto um grito lancinante.
Horrível mesmo. Um misto de dor e medo. Olho por cima do ombro livre. Vejo
alguns passageiros ainda sentados rindo muito e outros com uma expressão de
espanto. Nada esclarecia o motivo do grito. Olho por cima do outro ombro e,
horrorizada, vejo preso ao meu casaco um bicho peludo que não consegui
identificar. Ai quem gritou fui eu. Gargalhada agora se faziam ouvir e eu a
medo olho mais atenta para o bicho do qual só eram visíveis os pelos. Longos,
negros e brilhantes. O exame mais atento, me deixa gelada: era uma peruca.
Baixo o olhar e vejo uma careca reluzente sentada na poltrona ao meu lado. O
rosto indignado olhava com ódio para mim.
O meu casaco ao ser arremessado sobre o ombro
havia atingido a cabeça do pobre senhor arrebatando a peruca que nele se
grudou. Neste momento a comissária, que também ria discretamente, abre a porta
e eu solto a nojenta peruca no colo do careca e desabalo pela escada e pelos
infindáveis corredores de Cumbica como perseguida por mil demônios. Infelizmente
quando consigo chegar a meu portão de embarque para Recife alguns passageiros
que assistiram à decapitação da peruca começam a passar às gargalhadas
apontando para mim. Meu colega chega sufocado de riso e me informa que o
infeliz careca permanecia no assento quando ele saiu provavelmente em estado de
choque. Peço encarecidamente que esqueça este episódio, o que ele evidentemente
não fez, deliciando a equipe de Recife com o relato de mais este meu malfeito.
2011
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