domingo, dezembro 01, 2013

CORRIGINDO UMA OMISSÃO

Sempre achei injusto considerar omissão um mal feito. Afinal ao omitir-se nada se fez de condenável. Nenhuma ação foi perpetrada!  Quem sabe penso assim por ser volta e meia responsável por alguma omissão voluntária. E aqui venho, contritamente, confessar uma que cometi contra possíveis leitores destas crônicas que escrevo. Quando me propus divulgar, possivelmente na busca de exorcismo, os meus episódios serial clumsy, prometi a mim mesma que não revelaria um deles que até hoje me dá arrepios ao lembrar. Mas eis que um amigo, testemunha do fato, me cobra o relato. E eis que ele me interpelou: você ainda não contou “aquilo”.  Se você não contar eu mando um mail circular contando para todos os amigos comuns.

Vai daí que não me resta alternativa já que por experiência sei que quando testemunhas relatam estes meus comportamentos absurdos sempre o fazem com a maior crueldade acrescentando detalhes que não existiram, tornando tudo ainda mais caricato e terrível.

Meses depois da virada do século, este meu colega e eu, fomos fazer levantamentos para desenvolvimento de um sistema em Curitiba. De lá seguiríamos diretamente para Recife. Estas viagens com escala sempre apresentam um problema para mim: a mala. Detesto viajar com uma que tenha que ser despachada. E na de mão nem sempre cabe tudo que preciso. Nesta viagem o frio que me esperava em Curitiba não combinava com a temperatura amena que poderia ser esperada em Recife. Optei por acondicionar na mala de mão apenas roupas adequadas para o calor do nordeste e levar na mão um casacão que poderia ser posto por cima de qualquer vestimenta impedindo o congelamento que sempre ocorre no inverno do Paraná.

Terminado o trabalho em Curitiba, devidamente encasacada, embarquei no vôo para Recife na companhia de meu colega. Não conseguimos lugares juntos e ele sentou-se no fundo do avião enquanto eu fui agraciada com um assento  mais à frente. Ao chegarmos a São Paulo, onde trocaríamos de aeronave, eu me sentia dentro de um forno e tão logo o avião estacionou levantei-me para sair imediatamente para livrar-me do casaco. Retirei do bagageiro minha mala de mão com rodinhas que puxei pelo corredor com uma das mãos tendo na outra a bolsa e uma sacola com doces da Confeitaria das Famílias de Curitiba, que em má hora eu havia resolvido trazer para presentear uma amiga em Recife. Em pé, no corredor junto aos primeiros assentos, esperei a porta abrir para me mandar em busca de ar indispensável à vida que se estava esvaindo pela sufocação causada pelo casaco. E a porta do avião não abria, sabe-se lá por que. Já em desespero largo a alça da mala, coloco no chão a sacola com os doces e a bolsa e faço manobras de contorcionismo para tirar o casaco que jogo por cima do ombro num gesto que até me pareceu muito elegante.

Neste momento escuto um grito lancinante. Horrível mesmo. Um misto de dor e medo. Olho por cima do ombro livre. Vejo alguns passageiros ainda sentados rindo muito e outros com uma expressão de espanto. Nada esclarecia o motivo do grito. Olho por cima do outro ombro e, horrorizada, vejo preso ao meu casaco um bicho peludo que não consegui identificar. Ai quem gritou fui eu. Gargalhada agora se faziam ouvir e eu a medo olho mais atenta para o bicho do qual só eram visíveis os pelos. Longos, negros e brilhantes. O exame mais atento, me deixa gelada: era uma peruca. Baixo o olhar e vejo uma careca reluzente sentada na poltrona ao meu lado. O rosto indignado olhava com ódio para mim.

O meu casaco ao ser arremessado sobre o ombro havia atingido a cabeça do pobre senhor arrebatando a peruca que nele se grudou. Neste momento a comissária, que também ria discretamente, abre a porta e eu solto a nojenta peruca no colo do careca e desabalo pela escada e pelos infindáveis corredores de Cumbica como perseguida por mil demônios. Infelizmente quando consigo chegar a meu portão de embarque para Recife alguns passageiros que assistiram à decapitação da peruca começam a passar às gargalhadas apontando para mim. Meu colega chega sufocado de riso e me informa que o infeliz careca permanecia no assento quando ele saiu provavelmente em estado de choque. Peço encarecidamente que esqueça este episódio, o que ele evidentemente não fez, deliciando a equipe de Recife com o relato de mais este meu malfeito.

2011

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