quinta-feira, dezembro 12, 2013

QUANTOS SOMOS?

Pergunto no plural, mas o sujeito a quem dirijo a pergunta é singular. Singular porque um só, singular porque único. Pergunto a cada um de nós. O extraordinário sociólogo Zygmunt Bauman que, há muitos anos, me proporciona deliciosas e esclarecedoras leituras, afirma que ao longo da vida somos muitos ou deveríamos ser. Eu já sabia disto: ao longo dos tempos fui sendo várias sem ter muita consciência de que isto acontecia. Felizmente, porque realizar esta metamorfose interna, me redefinindo a cada episódio que a vida apresentava deu bons frutos. Não conseguir dar estas cambalhotas é danoso.

Eu teria sucumbindo caso não me tornasse outra aos cinco anos quando Babá foi substituída por Fraulein Grete, a governanta alemã. Tive que me adaptar de estalo percebendo que o que valia para o convívio com Babá não valia para o que, daquele momento em diante, ocorreria com Fraulein. Tudo havia mudado e outras seriam as manhas e artimanhas de que eu teria que me valer. E assim foi a cada novo episódio: casas, colégios, amigos, cidades, casamentos, nascimentos, separações, mortes e trabalhos mudavam a vida da noite para o dia, sem aviso prévio. Tivesse eu teimado em continuar sempre a mesma em todas estas mudanças de cenário e de roteiro tudo teria dado errado. O que era ruim ou bom para o novo não valia para os anteriores. Por vezes era mesmo um avesso espantoso. À medida que coisas novas aconteciam “nova eu“ tinha que surgir para se adaptar à novidade, imprimindo um novo rumo.

É com tristeza que vejo pessoas que não mudam e até se orgulham disto afirmando “eu sou assim”, agarradas a um passado que não mais existe, adotando os mesmos procedimentos, as mesmas posturas de sempre, numa luta inglória em que são derrotados. Agarram-se ao que já era, ao que não mais existe, ao que não tem mais valor no presente embora tenha verdadeiramente tido, e muito, no passado. Não que se trate de esquecer esse passado ou negar o valor de tudo que nele existiu e do muito que nos construiu. Longe disto.

Se há uma coisa gostosa é lembrar o que “foi“ e “como foi“. A lembrança é emocionante, mesmo quando triste, porque o valor do passado não desaparece. Permanece... no passado. Não deve, nem pode ser esquecido. Mas viver como se ainda existisse no presente é perigoso. Causa miopia. E nela tudo parece desfocado. É um tal de não dar certo que nem sei! E se vai mantendo o mesmo rumo para um projeto de vida que não se pode abandonar, aconteça o que acontecer.

Ora, ligar-se a um projeto imutável numa vida mais que mutável é colecionar ferramentas obsoletas e ineficazes para a realidade do momento. Quem sabe, a arte de envelhecer sem se tornar “velho“ no sentido de não atual, é conseguir uma constante redefinição de si mesmo. Uma simples mudança de casa pode trazer uma extraordinária alteração em nossas vidas obrigando-nos a novos procedimentos, novas formas de viver, novos contatos. Mesmo para aqueles que nunca mudaram de casa, as mudanças no entorno provocam o novo, queiram ou não. E quando se estabelece o não, é sofrimento na certa. E lá vem o “era tão bom“ impedindo a visão do que “é bom“. E vem mais aquela horrível sensação de que com outras pessoas não é assim. Numa avaliação absurda se declara que estas outras pessoas têm “sorte”. E o tempo passa no desejar o impossível desejar... impossibilitando o desejável.

Uma das figuras lendárias de minha família é uma longínqua prima de minha bisavó materna - Dona Inezinha - que nos legou uma extraordinária frase, repetida por gerações: não gosto das coisas que nunca provei!  Absurdamente vejo existirem muitas D. Inezinha. Pessoas que não provam, não experimentam, não arriscam e resistem às mudanças numa saudosa lamentação do que era e não é mais. Eu já tinha filhos quando vi pela primeira vez o fenômeno da televisão! Dai a ter me ligado a informática ocorreram tantas “eu” que nem sei!

 Lembro-me do encantamento que me provocou o manejo da régua de cálculo ensinado por meu Pai. Tinha eu doze anos. Hoje vejo minha neta com a mesma idade usando o Excel com o mesmo encantamento. Não teria muito sentido eu continuar usando régua de cálculo, não é? Afinal estou vivendo na mesma época que ela. Era um belo instrumento, a régua De marfim! Mas “era”. Um instrumento pra lá de útil que se tornou um adorno. Tive que mudar muito para não mais usá-lo.

Estas mudanças de comportamento, de hábitos, de novas formas de agir, provocam enormes alterações internas nos pontos de vista, no pensar, no ser. E num vice versa contínuo estes também alteram o comportamento, os hábitos e as formas de agir. E assim vamos pulando de ponto em ponto garantindo que estes formem uma bela espiral ascendente, ao invés de um círculo que se fecha em si mesmo. E é em cada volta desta espiral que surgimos muitos e diversos.
2011







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