No
científico do Andrews – pasmem – estudávamos filosofia. Daí me vem a máxima do
mestre – David Perez - cuja verdade venho atestando vida afora: tudo tem a ver com tudo. A
constatação desta verdade indiscutível se fez presente no surgir desta crônica.
Desemprego X Reunião de Condomínio me proporcionaram momentos de real espanto.
Estas
– as reuniões de condomínio - sempre me causaram urticária nervosa. Vai daí que
covardemente eu não as frequentava escudada em razão pra lá de razoável: as
constantes viagens a que me obrigavam as consultorias que sucederam à
aposentadoria coincidiam com as ditas. Mas eis que não viajo mais! Resignada
marcho para a garagem do Bloco B, às 20:30, hora da segunda convocação já que,
segundo o porteiro, ninguém atende à primeira que se dá meia hora antes.
Percebo
que minha presença causa certa estranheza, evidenciada por meu aflito vizinho
de banco ao declarar: “se a senhora veio é porque tem algum assunto grave
incluído nos Assuntos Gerais”. Asseguro que não tenho a menor ideia do que
possa estar incluído neste item, que nem sabia existente. Uma vizinha do Bloco
A me faz sinais desesperados para eu vá sentar-me a seu lado. Obedeço mais no
intuito de saber o porquê desta insistência já que mal a conheço. O mistério se
desfaz no cochicho: “a senhora não deve sentar-se perto dos moradores do Bloco
B! Eles nos odeiam!” Embasbacada e sentindo-me desagradavelmente odiada,
percorro com os olhos os bancos de Blocos B. Meu Deus, aquele rapaz com um ar
tão saudável e pai do Ricardinho que me atropela uma vez por semana com seu
velocípede, me odeia! E aquela gorducha e simpática senhora que me sorri?
Fingida? Hipócrita?
Busco
a razão do ódio: “Por quê?!” E vem a explicação da maior lógica: “Nós
temos três quartos e vista para rua! Eles não perdoam.” Não tenho tempo
de avaliar a gravidade das diferenças causadoras da cisão Nós X Eles porque se
inicia a batalha entre as duas facções. Um horror a derrocada B! Impotentes
diante do poder econômico perdem vergonhosamente causas importantíssimas. E é
assim que as garrafas passarão a ser recolhidas no máximo até 11 horas, os
carros de visitantes não poderão mais entrar e será colocado um telefone na
portaria, aumentando o valor do condomínio, telefone este que só poderá ser
usado para receber chamadas. Ninguém, ninguém mesmo poderá utilizá-lo para
falar a não ser em situações de grandes e graves emergências cuja natureza vale
mais uma boa hora de discussões sem que se chegue a uma definição precisa de
quais seriam. Decide-se que na próxima reunião será apresentada uma lista
destas, a ser elaborada pelo síndico e por dois representantes de cada bloco.
Apavorada declino do convite de ser um destes representantes. A realidade já
anda bastante grave. Nos tempos que correm seria um tormento por minha
imaginação a serviço de emergências hipotéticas.
Olhares furibundos dos A acompanham algumas de minhas
declarações de voto à corrente B. Pronto! Agora sou odiada pelos
meus pares também. E como continuo a ter três quartos e vista para rua
permaneço objeto de ódio B. Enfim, uma unanimidade! Mas eis que chegamos aos
Assuntos Gerais. Ao que parece o Antônio é quase analfabeto e isto está
causando problemas seriíssimos na entrega de correspondência: melhor mandar
embora! Frases cruzam-se agressivas. Uma maioria do Bloco B é contra. Chego a uma conclusão importantíssima (não sei como vivi até esta
idade ignorando esta máxima): pessoas que moram em dois quartos e sem vista
para a rua são bem mais humanas. Calculo rapidamente a quantidade de votos
prováveis pró e contra. Cruzes! Vai dar empate. Fora o absurdo de causar
desemprego nos tempos que correm, fato inegável me faz decidir: não posso viver
sem Antônio. Sem o sorriso simpático jamais conseguirei resolver problemas
extremamente graves.
Antônio
é meu anjo da guarda quando as tomadas param de funcionar, assim de estalo e o
ventilador de teto inexplicavelmente passa a fazer ruídos estranhíssimos e que mais
sei eu. Isto sem contar as deliciosas histórias de sua infância lá pelo
interior da Paraíba, com que ele me delicia tomando o merecido cafezinho depois
do pronto socorro. Não! decido! Antônio não pode sumir de minha vida! A esta
altura a única perda suportável é a minha própria. E desta, felizmente, não vou
ter notícia. Proponho uma solução: posso dar aulas ao Antônio. Incompreensão e
espanto marcam as expressões A e B que em silêncio me observam. Verbalizando o
espanto geral o senhor de imensos bigodes (bloco A) numa voz severa e firme, me
interpela: Vai me dizer que a senhora,
nesta idade, ainda se lembra do que aprendeu no primário?
2005
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