Não! Não se trata de
sanguinolentos embates. Não de menos é, ou melhor, foi um massacre! Já casada e
com filhos, na época, absurdamente não me dei conta de sua extensão. Imaginava
tratava-se de um fenômeno que só acorria no meio militar. Eu sempre me havia
sentido como um peixe fora d’água no convívio daquelas senhoras com patentes.
Porque as tinham, as senhoras de oficiais mais graduadas do que eu. Para meu
enorme espanto eu havia, ao casar, sido promovida ao mesmo posto de meu marido,
um segundo tenente da aeronáutica. Eram-me estranhas as conversas e tudo que se
dizia ou pensava não fazia sentindo para mim. Vai daí que julguei que militares
eram diferentes: pertenciam a um mundo que não era o meu e que nunca havia
visto de perto.
Hoje ao receber de uma amiga um elenco de
frases publicadas em revistas femininas das décadas de 50 e 60, percebo que a
diferente era eu. O mundo era aquele mesmo. Eu é que era oriunda de outro.
Minha família inteira era um mundo aparte que havia me educado fora dos parâmetros
da época. Estas mesmas frases que hoje fazem rir são as mesmas que eu ouvira,
naquela Base Aérea e com freqüência num tom de alerta ou recriminação. E não
tinha a menor graça quando eu as escutava. As palavras não eram as mesmas, mas
o sentido era idêntico. Foi muito complicado sobreviver sem me sentir uma
desclassificada.
Eu só tinha 19 anos
ao lá chegar e a insegurança batia, claro. Graças a Deus exceções havia e eu
consegui me relacionar com umas poucas moças que, como eu, eram marginalizadas
pelo que diziam, pelo que faziam e pelo que pensavam. Mas vamos a elas, as frases.
Não se deve
irritar o homem com ciúmes e dúvidas. (Jornal das Moças, 1957)
Se desconfiar da
infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto.
(Revista Claudia, 1962)
A desordem em um
banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa. (Jornal
das Moças, 1945)
A mulher deve
fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com serviços
domésticos. (Jornal das Moças, 1959)
A esposa deve
vestir-se depois de casada com a mesma elegância de solteira, pois é preciso
lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa.
(Jornal das Moças,
1955)
Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo
simples fato de cair cinzas no tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda
casa. (Jornal das Moças, 1957)
A mulher deve
estar ciente que dificilmente um homem pode perdoar uma mulher por não ter
resistido às experiências prenunciais, mostrando que era perfeita e única,
exatamente como ele a idealizara. (Revista Cláudia, 1962)
Mesmo que um homem
consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de
ver que ela cedeu. (Revista Querida, 1954)
O noivado longo é
um perigo (Revista Querida, 1953)
É fundamental
manter sempre a aparência impecável diante do marido. (Jornal das Moças, 1957)
O lugar de mulher
é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza. (Revista Querida, 1955)
Eu poderia ilustrar
com exemplos reais a tragédia que ocorreu com muitas das leitoras das revistas
em questão, pela adoção do comportamento preconizado. Só agora, passados muitos
anos, tenho conhecimento da fonte que as orientava. E percebo que se
comportavam “by the book”. Era
enorme o esforço que faziam para fornecer carinho e provas de afeto aos maridos
infiéis garantindo a eles uma confortável e tranquila permanência no estado de
infidelidade; mantinham uma aparência impecável na presença deles o que
contrastava com a descuidada aparência dos mesmos em casa; permaneciam reclusas
“no lar” tendo no marido a única fonte de informação. Vai daí que só sabiam o
que a ele convinha.
Hoje percebo que eles
– os maridos - nem faziam isto de caso pensado: era assim. Para eles era isto o
normal. Deixavam que elas pensassem que a garantia de mantê-los como “caça”
conquistada viria unicamente da forma com que se apresentassem e seguissem à
risca todas as orientações dadas. E era terrível ver como sofriam aquelas moças
quando logo e muito cedo percebiam que as coisas não davam certo e que não eram
felizes. Assustadas e feridas percebiam que a “caça” insistia em se rebelar e a
não agir nos conformes. Mesmo que passassem a vida arrumando banheiros e
distribuindo cinzeiros pela casa. Mesmo que recebessem os trêfegos e infiéis
maridos com sorrisos ternos e agrados quando regressavam da casa da “outra” e
mesmo que fingissem não ter a menor ideia do que estava ocorrendo.
Não consigo achar
graça nestas frases que me foram enviadas na intenção de exibir um divertido
contexto da época. Elas foram responsáveis por muito sofrimento. O que hoje faz
rir fez muita gente chorar. E chorar muito.
2006
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