quarta-feira, dezembro 04, 2013

EU SAPATEIRO

Sei lá eu por que, do México, um amigo envia uma inquietante informação: fui, numa encarnação passada, um sapateiro! Pode isto? E eu que sonhava em ter sido Cleópatra (como ocorre com uma minha amiga) ou, pelo menos uma de suas serviçais (como ocorre com outra). O mais extraordinário é que eu-sapateiro vivia no lado ocidental da Austrália, em torno do ano de 1576. E eu que não sabia que nesta época os aborígenes usavam sapatos! Por que será que deixaram de usar? Será isto devido a minha incompetência à época? Vai ver eu os fabricava imperfeitos para caçar ornitorrincos e impróprios para saltar como cangurus. Será que fui o último dos sapateiros australianos do século 15?

Algo de muito errado deve ter acontecido já que o parágrafo em que reside a informação desta minha personalidade é encabeçado pela seguinte declaração: no sé si le parecerá bien o no, pero usted era males en su última encarnación terrena. E conclui: Su profesión era Zapatero. Não me pareceria nem bem nem mal não fosse pelo usted era males.  Por que “males”? Afinal sapateiro é uma profissão digna. Estas coisas deveriam ser mais bem explicadas.

Mas tem pior. O breve perfil psicológico deste eu-sapateiro me descreve como “inquisitivo, inventivo, le gustaba llegar a la base misma das cosas y hacer búsquedas febriles en los libros. Talento natural para el teatro”. Como dificilmente existiriam livros na Austrália Ocidental naquela época e muito menos teatro devo ter sido um ser frustrado e triste. Então me vejo em meio aos sapatos que inventava desgraçadamente possuído de um incontido desejo de saber sei lá o quê, sem dispor de fontes onde pudesse realizar minhas buscas febris. Possivelmente, por ausência de público e palco declamava solilóquios com um sapato nas mãos ao invés de caveira.

Existe ainda uma importantíssima informação: é afirmado que uma lição eu aprendi desta vida passada e que poderá ser de grande ajuda para a atual encarnação: “hay un vínculo invisible entre el mundo material y el mundo espiritual. Su lección es buscar encontrar y usar ese puente mágico”. Caramba! Põe invisível nisto! Passados 434 anos pelo menos, eu ainda não consegui descobrir e sequer vislumbrar este vínculo. E agora? Desconfio que nesta encarnação não conservo esta febril disposição de “hacer búsquedas”. E mesmo que houvesse conservado, só agora dispondo desta valiosa informação. Ainda haverá tempo para usufruir desta extraordinária ponte? Tudo indica que não, já que outros aspectos me são revelados pelo vidente virtual que afirma alguma coisa que não me era desconhecida, mas jamais tinha percebido com tanta clareza.

O primeiro destes aspectos, que dá origem a todos os outros, é conhecido por mim de há muito. Só não havia me dado ao trabalho de efetuar os cálculos que inequivocamente leva aos demais. Positivamente não conservei o febril afã por “búsquedas”. Fico sabendo que:

Tienes 79 anos y 327 días
Has nacido en martes
Desde que naciste han pasado: 29.181 días.
Desde que naciste han pasado: 959 meses
Desde que naciste han pasado: 4.168 semanas

Fora o fato de ter nascido numa terça-feira que me era desconhecido o resto de nada me serve. Mãe do céu! É tempo que não acaba mais. Eu não fiz “búsqueda” nenhuma e me ferrei. Qual será esta ponte e cá pra nós, para onde leva? Será que se refere à fé em correntes que, se encaminhadas, me tornariam milionária? Vai ver é isto. Uma ponte entre mim e outros internautas. E eu que jamais encaminhei estas malditas (que agora desconfio benditas) correntes? Bem que falavam que se eu tivesse fé e repetisse o versinho-reza que as acompanhava dentro de alguns dias ou minutos ou segundos um valor inesperado e bastante vultoso me chegaria às mãos. E eu não acreditei.

Ah! Mulher de pouca fé! Viu só! De que adiantou você ser um sapateiro espiritualizado? Passei uns 400 anos no limbo e voltei sem fé! Foram necessários 29.181 dias para que atentasse para isto. Que vergonha! Que me perdoem os amigos, os apenas conhecidos e até os leitores. Se eu for detentora de seus endereços de e-mail os inundarei de promessas que talvez não se cumpram porque vocês não foram, como eu, em 1546, um sapateiro que numa outra encarnação (esta) descobriria este invisível vínculo.

Lamento mas não é ganância, não. O INSS torna a “búsqueda” imperiosa. Caso se concretize o encontro desta ponte estarei plenamente satisfeita com o eu-sapateiro e não o trocaria pela passada personalidade Cleópatra de minha amiga, que pelo que sei, dela só herdou um Marco Antônio que não a fez nada feliz. A amiga ex-serviçal da rainha até que se deu melhor e está muito bem em companhia de um ex-escravo egípcio que trabalhou na construção das pirâmides, segundo me contou. Mas que eu saiba não lhe foi repassado nenhuma ponte invisível. Então viva o sapateiro!  

2010

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