Sei
lá eu por que, do México, um amigo envia uma inquietante informação: fui, numa
encarnação passada, um sapateiro! Pode isto? E eu que sonhava em ter sido
Cleópatra (como ocorre com uma minha amiga) ou, pelo menos uma de suas
serviçais (como ocorre com outra). O mais extraordinário é que eu-sapateiro
vivia no lado ocidental da Austrália, em torno do ano de 1576. E eu que não
sabia que nesta época os aborígenes usavam sapatos! Por que será que deixaram
de usar? Será isto devido a minha incompetência à época? Vai ver eu os
fabricava imperfeitos para caçar ornitorrincos e impróprios para saltar como
cangurus. Será que fui o último dos sapateiros australianos do século 15?
Algo
de muito errado deve ter acontecido já que o parágrafo em que reside a
informação desta minha personalidade é encabeçado pela seguinte declaração: no sé si le parecerá bien o no, pero usted
era males en su última encarnación terrena. E conclui: Su profesión era Zapatero. Não me pareceria nem bem nem mal não
fosse pelo usted era males. Por que “males”? Afinal sapateiro é uma
profissão digna. Estas coisas deveriam ser mais bem explicadas.
Mas
tem pior. O breve perfil psicológico deste eu-sapateiro me descreve como
“inquisitivo, inventivo, le gustaba llegar a la base misma das cosas y hacer
búsquedas febriles en los libros. Talento natural para el teatro”. Como
dificilmente existiriam livros na Austrália Ocidental naquela época e muito
menos teatro devo ter sido um ser frustrado e triste. Então me vejo em meio aos
sapatos que inventava desgraçadamente possuído de um incontido desejo de saber
sei lá o quê, sem dispor de fontes onde pudesse realizar minhas buscas febris.
Possivelmente, por ausência de público e palco declamava solilóquios com um
sapato nas mãos ao invés de caveira.
Existe
ainda uma importantíssima informação: é afirmado que uma lição eu aprendi desta
vida passada e que poderá ser de grande ajuda para a atual encarnação: “hay un vínculo invisible entre el mundo
material y el mundo espiritual. Su lección es buscar encontrar y usar ese puente
mágico”. Caramba!
Põe invisível nisto! Passados 434 anos pelo menos, eu ainda não consegui
descobrir e sequer vislumbrar este vínculo. E agora? Desconfio que nesta
encarnação não conservo esta febril disposição de “hacer búsquedas”. E mesmo
que houvesse conservado, só agora dispondo desta valiosa informação. Ainda
haverá tempo para usufruir desta extraordinária ponte? Tudo indica que não, já
que outros aspectos me são revelados pelo vidente virtual que afirma alguma
coisa que não me era desconhecida, mas jamais tinha percebido com tanta
clareza.
O
primeiro destes aspectos, que dá origem a todos os outros, é conhecido por mim
de há muito. Só não havia me dado ao trabalho de efetuar os cálculos que
inequivocamente leva aos demais. Positivamente não conservei o febril afã por
“búsquedas”. Fico sabendo que:
Tienes
79 anos y 327 días
Has
nacido en martes
Desde
que naciste han pasado: 29.181 días.
Desde
que naciste han pasado: 959 meses
Desde
que naciste han pasado: 4.168 semanas
Fora
o fato de ter nascido numa terça-feira que me era desconhecido o resto de nada
me serve. Mãe do céu! É tempo que não acaba mais. Eu não fiz “búsqueda” nenhuma
e me ferrei. Qual será esta ponte e cá pra nós, para onde leva? Será que se
refere à fé em correntes que, se encaminhadas, me tornariam milionária? Vai ver
é isto. Uma ponte entre mim e outros internautas. E eu que jamais encaminhei
estas malditas (que agora desconfio benditas) correntes? Bem que falavam que se
eu tivesse fé e repetisse o versinho-reza que as acompanhava dentro de alguns
dias ou minutos ou segundos um valor inesperado e bastante vultoso me chegaria
às mãos. E eu não acreditei.
Ah!
Mulher de pouca fé! Viu só! De que adiantou você ser um sapateiro
espiritualizado? Passei uns 400 anos no limbo e voltei sem fé! Foram
necessários 29.181 dias para que atentasse para isto. Que vergonha! Que me
perdoem os amigos, os apenas conhecidos e até os leitores. Se eu for detentora
de seus endereços de e-mail os inundarei de promessas que talvez não se cumpram
porque vocês não foram, como eu, em 1546, um sapateiro que numa outra
encarnação (esta) descobriria este invisível vínculo.
Lamento
mas não é ganância, não. O INSS torna a “búsqueda” imperiosa. Caso se
concretize o encontro desta ponte estarei plenamente satisfeita com o
eu-sapateiro e não o trocaria pela passada personalidade Cleópatra de minha
amiga, que pelo que sei, dela só herdou um Marco Antônio que não a fez nada feliz.
A amiga ex-serviçal da rainha até que se deu melhor e está muito bem em
companhia de um ex-escravo egípcio que trabalhou na construção das pirâmides,
segundo me contou. Mas que eu saiba não lhe foi repassado nenhuma ponte
invisível. Então viva o sapateiro!
2010
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