Há
uma semana viajávamos! O Colega e eu. Já nem me lembro mais do motivo que
fizera com que ficássemos pulando de uma capital para outra, na direção
sul-norte. Mas o fato é que estava exausta. Disto lembro-me muito bem. Não só
pelo trabalho e pelos horários disparatados das partidas e chegadas, mas,
sobretudo, porque odiava (e ainda odeio) aeroportos. Pode lugar mais
desagradável? E, neste circuito, os aeroportos se faziam presentes a cada dois
dias. Meu mau humor crescia numa razão exponencial também pelo comportamento do
Colega.
É
necessária aqui uma explicação: o Colega era (e é até hoje, passados mais de 20
anos, e para todo sempre) uma das pessoas de quem muito gosto. Além de gostar, eu
o admirava (admiro e vou admirar para sempre) como a poucos. Mas tem um
defeito: um bom humor inesgotável e uma capacidade de arquitetar gracinhas que,
dirigidas a alguém que se encontra destituído de qualquer senso deste humor,
podendo levar a pessoa (no caso, eu) à loucura. A bem da verdade e para que se
faça justiça, é necessário que se diga que não posso culpá-lo, ou a qualquer
outro, por acontecimentos absurdos que me ocorrem. Eu os coleciono às minhas
próprias custas!
Mas
sempre existe um fato gerador causado por alguém ou por alguma circunstância.
Neste caso foi o Colega com seu inesgotável bom humor. Entre outras, no
aeroporto de Curitiba, na madrugada abaixo de zero, me vi rodando no
estacionamento procurando uma pessoa que me havia chamado no auto-falante do
aeroporto, com urgência. Era mais uma brincadeirinha do dito Colega. E este é o
prólogo da desgraça que rememoro: em Fortaleza, já no quase no término da
maratona, um funcionário do órgão-cliente, pediu-me que levasse uma
documentação para outro funcionário do mesmo órgão, em São Luiz. Este iria ser
hospedado no mesmo hotel em que o Colega e eu ficaríamos. Acondicionei a tal
documentação no fundo da mala para que não amassasse e dela esqueci.
Durante
a viagem para São Luiz, o animadíssimo Colega fazia planos para jantar,
naquela mesma noite na Base do Germano onde se comia uma caldeirada de camarões
maravilhosa. Sabe-se lá porque explodi e, entre imprecações e recriminações,
informei que iria me trancar no quarto assim que chegasse e que qualquer
manifestação dele, a qualquer título, teria resultados funestos... e emburrei
pelo resto da viagem. O hotel era antigo, muito antigo mesmo. Nem telefone no
quarto tinha. Ao nos registrarmos, o Colega ainda tentou persuadi-me, acenando
com camarões imensos. Lancei-lhe um olhar furibundo e dirigiu-me para o quarto
com um feroz: nem pense em aprontar alguma hoje! Nem pense!
Dentro
do quarto o cansaço bateu. Deitei-me na cama como estava, olhando para o teto,
exausta, tomando coragem para abrir a mala e tomar um banho. Acho que cochilei
e subitamente sentei-me na cama assustada por vigorosas batidas na porta. Uma
raiva desmedida tomou conta de todo meu ser e eu urrei: HOJE NÃO! ACABOU VIU!
As batidas cessaram e eu me espantei. Ele não é de desistir assim tão fácil.
Vai ver está na porta aprontando alguma. Pé-ante-pé fui até a porta e olhei
pelo imenso buraco da fechadura. Aparentemente não estava mais lá. A medo
entreabri a porta. Inspecionei o corredor vazio. Nossa, pensei: acho que
exagerei no grito. Ele escafedeu-se. Feliz com meu feito dormi como um anjo. No
dia seguinte, quando desci para o café encontrei o Colega já em meio ao seu.
Sorrindo, saboreando a vitória, interpelei: ficou com medo de minha reação,
heim? O Colega olhou para mim verdadeiramente surpreso: que reação? Insegura,
expliquei: Ora... o berro que dei quando ontem você fez a gracinha de ir bater
no meu quarto. E ele tranqüilo: Ontem eu fui direto comer camarão. Nem passei
pela porta de seu quarto. Mistério! Então quem?
Neste
momento entra pela sala um homem que se dirige para a nossa mesa e apresenta-se
como funcionário do órgão-cliente. Engraçado, pensei, ele parece estar cheio de
dedos. Gaguejando o homem me pergunta se, por acaso, não era eu portadora de uma
documentação enviada por alguém de Fortaleza.
A pergunta me atinge como um raio. Foi ele! Foi ele o batedor da porta!
Meu Deus! Eu gritei “hoje não”! Pode?! Sob o olhar carregado entendimento do
homem, que pelo desconserto, denunciava a conclusão a que havia chegado, levantei-me
para ir buscar o raio dos papeis.
Ao
voltar encontra o Colega sozinho na mesa: ele pediu para você deixar na
portaria. Homenzinho esquisito: convidei-o para jantar conosco hoje e ele,
cheio de mesuras, disse que não queria importunar. E, mudando de
assunto, curioso: mas o que história de berro é esta? E eu: Nada!
Absolutamente, nada! Durante toda a reunião do dia tive que aguentar os olhares
carregados de malévolo entendimento que o homem dirigia a mim e ao Colega. Não
só ele, mas todos os demais. Era evidente que minha enfática negativa, havia
sido repassada a todos. Anos depois, num jantar, sentou-me ao lado de um dos
que estavam presentes naquela ocasião. À horas tantas, ele pergunta: aquele
caso de vocês, terminou?
2005
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