Rodolfo não é seu nome verdadeiro. Uso o verbo no presente,
mas não sei se ainda está entre nós. De qualquer modo acho que devo preservar
sua real identidade embora ele próprio se orgulhasse muito da estranha e rara e
profissão que havia escolhido e que exercia com maestria. Rodolfo graduara-se
em “amigo de rico”.
Quando o conheci, colega de classe no científico do Andrews,
já ensaiava os primeiros passos nesta profissão, usufruindo das benesses que as
fortunas de alguns poucos colegas ofereciam: lanchas, festas e casas de verão
eram freqüentadas por Rodolfo com uma freqüência espantosa. Claro que havia um
preço a pagar: copiar pontos, responder chamada, dançar a noite toda com as
feias irmãs dos colegas abonados, encantar as mães com frases de rapaz bem educado
e respeitador, e que mais sei eu.
Justiça seja feita não era só a parte financeira que o
interessava. A “cultura” dos ricos o fascinava. O que possuíam, o que
usufruíam, era um sério objeto de estudo para Rodolfo que se empenhava para
adquirir o “savoir faire” em toda e
qualquer situação vivida pela classe favorecida. Isto é claro, não lhe deixava
tempo para se dedicar às matérias escolares tornando improvável o ingresso numa faculdade. Preparava-se então
para garantir o sustento na profissão a que se dedicava. Fala-se muito hoje no
“enochato”, mas nos meados dos anos 40, Rodolfo já era um.
O perdi de vista quando terminei o científico que ele tentava
sem muito sucesso concluir. Como última lembrança me havia ficado um incidente
ocorrido em Cabo Frio quando a turma por lá passou um fim de semana. Ao
passarmos em frente à casa do Magalhães Pinto, na hora do almoço, podia-se ver
através do portão várias pessoas em volta de uma mesa, numa refeição ao ar
livre. Rodolfo, hipnotizado pela visão, maravilhado, sai-se com esta: os Olha só os Magalhães Pinto! O que será que
eles comem?!
Anos depois, já casada e morando em Salvador, vim ao Rio passar férias e num jantar
encontro Rodolfo acompanhado de um paulista quatrocentão, riquíssimo. Melhor
seria dizer acompanhando por que segundo me contou grudara-se ao sujeito do
momento em que o conheceu. Encontrara nele uma verdadeira mina. O homem
aportara no Rio, em depressão, por ter sido traído pela mulher e encontrou em
Rodolfo um delicado e compreensivo ouvinte de suas desventuras.
Rodolfo organizou
um programa de recuperação, caríssimo e de grande efeito: pequenas viagens,
teatros, concertos, jantares requintadíssimos e fins de semana em Cabo Frio
aliados às apresentações feitas a toda “carteira de ricos” que ele havia
formado durante anos. Partimos amanhã
para Bariloche, disse-me um Rodolfo, radiante. Para maior comodidade o
senhor o havia convidado para instalar-se no Copacabana Palace, onde havia se
hospedado e, pela manhã, à beira da piscina, elaboravam planos para o dia. Um
grandor! A meta confessou-me, Rodolfo, era Paris. Mas obedecendo a um gradativo
“upgrade” na programação das viagens
Salvador estava prevista. Procuraremos
você, disse-me ele condescendente já que eu, de direito, não figurava no
elenco de pessoas nas quais valia a pena investir. Creio que meu marido meio
francês garantia certa importância.
De fato, nos procurou. Mais do que isto nos convidaram para
jantar no Anjo Azul, uma espécie de “cave” que embora não inacessível no preço
entrava na categoria do pitoresco. Neste jantar ocorreu o episódio que
demonstrou o profissionalismo de Rodolfo. Já alterado pelo vinho, caríssimo e
raramente consumido ali, como denunciou a expressão do garçom, desmancha-se o
quatrocentão em elogios a Rodolfo garantindo mesmo que lhe havia salvado a
vida. O teor etílico provocou confidências impróprias para nossos ouvidos de
quase desconhecidos. Chegara ao Rio um farrapo humano e aos poucos foi
readquirindo a alegria de viver. Pensara nunca mais voltar a São Paulo, dilapidando
a fortuna da família em orgias e bebidas e agora, tinha certeza, poderia
reassumir os negócios de cabeça erguida e com entusiasmo. Ao ouvir esta última
declaração Rodolfo empalideceu. Via escapar-se das mãos um verdadeiro tesouro.
Foi aí que competente e decidido, numa voz pausada e coberta
de carinho, esquecido de nossa presença, passou a alertar para o perigo deste
retorno. Não era prudente. O mundo é cruel e as pessoas mais ainda. Marido
enganado leva anos para se livrar desta pecha. É por muito tempo um ser
ridículo. É injusto, mas é assim. Mais que isto a distância tem o dom de
mascarar sentimentos. Voltar a São Paulo significaria certamente rever a
adúltera que ele pensava ter esquecido. Não! Isto leva anos para ocorrer! Este
retorno só deveria se dar quando pudesse voltar por cima, vitorioso,
acompanhado por uma bela mulher que sobrepujasse em tudo a pecadora que havia
causado tanto sofrimento.
À medida que escutava o pobre homem foi se rendendo e uma
expressão de dor passou a figurar em seu rosto até então radiante. E ele murmurou
desanimado: Esta mulher não existe,
Rodolfo. Ao que este retruca entusiasmado: claro que existe, amigo! Em Paris! E nós vamos a procura dela!
2008
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