sábado, setembro 21, 2013

UM EXTRAORDINÁRIO PROFISSIONAL

Rodolfo não é seu nome verdadeiro. Uso o verbo no presente, mas não sei se ainda está entre nós. De qualquer modo acho que devo preservar sua real identidade embora ele próprio se orgulhasse muito da estranha e rara e profissão que havia escolhido e que exercia com maestria. Rodolfo graduara-se em “amigo de rico”.
Quando o conheci, colega de classe no científico do Andrews, já ensaiava os primeiros passos nesta profissão, usufruindo das benesses que as fortunas de alguns poucos colegas ofereciam: lanchas, festas e casas de verão eram freqüentadas por Rodolfo com uma freqüência espantosa. Claro que havia um preço a pagar: copiar pontos, responder chamada, dançar a noite toda com as feias irmãs dos colegas abonados, encantar as mães com frases de rapaz bem educado e respeitador, e que mais sei eu.
Justiça seja feita não era só a parte financeira que o interessava. A “cultura” dos ricos o fascinava. O que possuíam, o que usufruíam, era um sério objeto de estudo para Rodolfo que se empenhava para adquirir o “savoir faire em toda e qualquer situação vivida pela classe favorecida. Isto é claro, não lhe deixava tempo para se dedicar às matérias escolares tornando improvável  o ingresso numa faculdade. Preparava-se então para garantir o sustento na profissão a que se dedicava. Fala-se muito hoje no “enochato”, mas nos meados dos anos 40, Rodolfo já era um.
O perdi de vista quando terminei o científico que ele tentava sem muito sucesso concluir. Como última lembrança me havia ficado um incidente ocorrido em Cabo Frio quando a turma por lá passou um fim de semana. Ao passarmos em frente à casa do Magalhães Pinto, na hora do almoço, podia-se ver através do portão várias pessoas em volta de uma mesa, numa refeição ao ar livre. Rodolfo, hipnotizado pela visão, maravilhado, sai-se com esta: os Olha só os Magalhães Pinto! O que será que eles comem?!
Anos depois, já casada e morando em Salvador, vim ao Rio passar férias e num jantar encontro Rodolfo acompanhado de um paulista quatrocentão, riquíssimo. Melhor seria dizer acompanhando por que segundo me contou grudara-se ao sujeito do momento em que o conheceu. Encontrara nele uma verdadeira mina. O homem aportara no Rio, em depressão, por ter sido traído pela mulher e encontrou em Rodolfo um delicado e compreensivo ouvinte de suas desventuras.
Rodolfo organizou um programa de recuperação, caríssimo e de grande efeito: pequenas viagens, teatros, concertos, jantares requintadíssimos e fins de semana em Cabo Frio aliados às apresentações feitas a toda “carteira de ricos” que ele havia formado durante anos. Partimos amanhã para Bariloche, disse-me um Rodolfo, radiante. Para maior comodidade o senhor o havia convidado para instalar-se no Copacabana Palace, onde havia se hospedado e, pela manhã, à beira da piscina, elaboravam planos para o dia. Um grandor! A meta confessou-me, Rodolfo, era Paris. Mas obedecendo a um gradativo “upgrade na programação das viagens Salvador estava prevista. Procuraremos você, disse-me ele condescendente já que eu, de direito, não figurava no elenco de pessoas nas quais valia a pena investir. Creio que meu marido meio francês garantia certa importância.
De fato, nos procurou. Mais do que isto nos convidaram para jantar no Anjo Azul, uma espécie de “cave” que embora não inacessível no preço entrava na categoria do pitoresco. Neste jantar ocorreu o episódio que demonstrou o profissionalismo de Rodolfo. Já alterado pelo vinho, caríssimo e raramente consumido ali, como denunciou a expressão do garçom, desmancha-se o quatrocentão em elogios a Rodolfo garantindo mesmo que lhe havia salvado a vida. O teor etílico provocou confidências impróprias para nossos ouvidos de quase desconhecidos. Chegara ao Rio um farrapo humano e aos poucos foi readquirindo a alegria de viver. Pensara nunca mais voltar a São Paulo, dilapidando a fortuna da família em orgias e bebidas e agora, tinha certeza, poderia reassumir os negócios de cabeça erguida e com entusiasmo. Ao ouvir esta última declaração Rodolfo empalideceu. Via escapar-se das mãos um verdadeiro tesouro.
Foi aí que competente e decidido, numa voz pausada e coberta de carinho, esquecido de nossa presença, passou a alertar para o perigo deste retorno. Não era prudente. O mundo é cruel e as pessoas mais ainda. Marido enganado leva anos para se livrar desta pecha. É por muito tempo um ser ridículo. É injusto, mas é assim. Mais que isto a distância tem o dom de mascarar sentimentos. Voltar a São Paulo significaria certamente rever a adúltera que ele pensava ter esquecido. Não! Isto leva anos para ocorrer! Este retorno só deveria se dar quando pudesse voltar por cima, vitorioso, acompanhado por uma bela mulher que sobrepujasse em tudo a pecadora que havia causado tanto sofrimento.
À medida que escutava o pobre homem foi se rendendo e uma expressão de dor passou a figurar em seu rosto até então radiante. E ele murmurou desanimado: Esta mulher não existe, Rodolfo. Ao que este retruca entusiasmado: claro que existe, amigo! Em Paris! E nós vamos a procura dela!

2008

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