A expressão da recepcionista do laboratório é severa ao
declarar: o Plano de Saúde não aprovou
este exame para o zumbido! Os
olhares de todos os que estão sendo atendidos nas outras baias e também dos que
aguardam a chamada para exames, voltam-se para mim. Alguns com espanto, outros numa clara censura.
Vai ver para estes últimos o assunto é familiar e de algum modo me julgam
responsável pela não aprovação do zumbido ou quem sabe até culpada de ter este
sintoma.
Para mim é um mistério totalmente desconhecido. Desconhecido,
mas presente. De fato há dias um zumbido constante me atormenta. Minha médica
resolveu pesquisar e entre as pesquisas a serem feitas solicitou um exame que
responde pelo encantador nome de Dopler Colorido dando como justificativa o
zumbido. E vinha disto a não aprovação pelo Plano de Saúde que, vai ver, julgou
improcedente a realização de tal exame por motivo tão pouco nobre.
Perco-me em divagações sobre o assunto e a recepcionista
repete mais alto: Senhora! O Plano de Saúde não aprovou este exame para o
zumbido! Contenho a única resposta
que me parece razoável: eu não estou
é aprovando o zumbido! Polidamente pergunto se há alguma outra providência
que possa tomar. Existe, sim: uma consulta à auditoria médica do Plano,
providência já solicitada por ela. É necessário aguardar a resposta.
Sento-me junto aos que esperam a chamada para exames,
aguardando o veredicto. A senhora ao lado dirige-se a mim: a senhora esta zumbindo? Informo que existe um zumbido, mas que não
sei se sou eu a emitente. E ela sai-se com um comentário espantoso: não se escuta nada daqui de fora! E eu que não havia imaginado que este fato
extraordinário pudesse estar acontecendo. Mas a afirmação de que não é escutado
pelos presentes me tranquiliza. Seria profundamente desagradável ser confundida
com esta cigarra anêmica que me habita.
Do outro lado um senhor, curioso, pergunta: existem outros casos de zumbido em sua
família? Antes que eu pudesse
responder uma senhora sentada na fileira de traz, afirma severa: não é genético. É velhice. Minha avó morreu sem conseguir se livrar
dele. Contenho a pergunta: e morreu dele?!!! A moça a seu lado deve
ter percebido meu pânico e adoça a pílula: a
medicina tem progredido muito. Podem já ter descoberto a cura. Sorrio
agradecendo. A senhora ao lado volta a falar: qual foi o exame que seu médico pediu? Informo dando ênfase no
“colorido” que me encantou e percebo horror em todos os olhares. O senhor
murmura: Deve ser grave.
Todos parecem familiarizados com o tal exame. E escuto a
senhora que da fileira de trás, num firme diagnóstico: E é! Muito grave! Carótida entupida. Não há a menor dúvida. E severa: A senhora fuma? Sentindo-me um rato respondo murmurando que sim. E
ela declara ainda mais severa: É nisto
que dá! Entupiu!
Desconsolada e culpada me convenço de que zumbido é causado
pelo entupimento ou vive-versa. Os olhares sobre mim agora são de franca
comiseração. Escuta-se a campainha do telefone da recepcionista que me atendeu.
Ela olha significativamente para mim e movimenta a boca sem emitir som: pode-se
ler em seus lábios “é do plano”.
Instala-se o suspense na platéia que observa atenta o desenlace. A moça escuta
o Plano com uma expressão indecifrável. É longa a explicação que, no entanto,
torna-se bastante reduzida quando ao desligar ela comunica agora a toda
platéia: a auditoria do Plano não aprova. Seu médico terá que dar
outro motivo que não seja zumbido. Pergunto: o médico vai ter que mentir então? Não existe mais nada além do zumbido. A moça entendida me
esclarece: é que tem que mencionar há
suspeita de problema cardio vascular! Eles são muito exigentes.
E é como entupida
que me despeço. Escuto palavras de
ânimo até dos que ainda não tinham se manifestado: boa sorte, vai ver não é nada de maior, às vezes não precisa operar,
tem que entregar a Deus e outros que tais. Já na rua fico em dúvida se devo passar em alguma igreja para
pela primeira vez na vida fazer uma promessa desentupidora. O zumbido continua
zumbindo furiosamente. Dúvidas me assaltam: a carótida passa pelo ouvido? E
ainda que passe, existem duas? Por que os dois ouvidos escutam o zumbido. Já em
casa telefono para minha neta que forma-se em medicina este ano. Ela está em
Piraí fazendo um estágio em postos de saúde e se assusta com a chamada e mais
ainda com a pergunta:
- Quantas
carótidas eu tenho?
- Tá
maluca, vó? Você está careca de saber que tem duas. Mas por que...
- Elas
costumam entupir ao mesmo tempo, provocando zumbido?
- O
que?!!
- Está
acontecendo um zumbido. Ou melhor, dois. Um em cada ouvido.
- Vai
ao médico.
- Já
fui. Mas depois a gente conversa. Na verdade eu só queria esclarecer a
quantidade de carótidas. Ciau. Gente se
fala.
E penso: se
eu sobreviver até lá. Desligo presa de uma imensa raiva me dando conta de que o
maldito Plano de Saúde pode ser responsável por um ridículo diálogo quando
ocorrer minha morte que parece iminente:
-
Não
diga! Morreu de quê?
-
De
zumbido!
2007
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