segunda-feira, setembro 09, 2013

O ZUMBIDO E O PLANO

A expressão da recepcionista do laboratório é severa ao declarar: o Plano de Saúde não aprovou este exame para o zumbido!  Os olhares de todos os que estão sendo atendidos nas outras baias e também dos que aguardam a chamada para exames, voltam-se para mim.  Alguns com espanto, outros numa clara censura. Vai ver para estes últimos o assunto é familiar e de algum modo me julgam responsável pela não aprovação do zumbido ou quem sabe até culpada de ter este sintoma.

Para mim é um mistério totalmente desconhecido. Desconhecido, mas presente. De fato há dias um zumbido constante me atormenta. Minha médica resolveu pesquisar e entre as pesquisas a serem feitas solicitou um exame que responde pelo encantador nome de Dopler Colorido dando como justificativa o zumbido. E vinha disto a não aprovação pelo Plano de Saúde que, vai ver, julgou improcedente a realização de tal exame por motivo tão pouco nobre.

Perco-me em divagações sobre o assunto e a recepcionista repete mais alto: Senhora! O Plano de Saúde não aprovou este exame para o zumbido!  Contenho a única resposta que me parece razoável: eu não estou é aprovando o zumbido! Polidamente pergunto se há alguma outra providência que possa tomar. Existe, sim: uma consulta à auditoria médica do Plano, providência já solicitada por ela. É necessário aguardar a resposta.

Sento-me junto aos que esperam a chamada para exames, aguardando o veredicto. A senhora ao lado dirige-se a mim: a senhora esta zumbindo? Informo que existe um zumbido, mas que não sei se sou eu a emitente. E ela sai-se com um comentário espantoso: não se escuta nada daqui de fora!  E eu que não havia imaginado que este fato extraordinário pudesse estar acontecendo. Mas a afirmação de que não é escutado pelos presentes me tranquiliza. Seria profundamente desagradável ser confundida com esta cigarra anêmica que me habita.

Do outro lado um senhor, curioso, pergunta: existem outros casos de zumbido em sua família?  Antes que eu pudesse responder uma senhora sentada na fileira de traz, afirma severa: não é genético. É velhice. Minha avó morreu sem conseguir se livrar dele.  Contenho a pergunta: e morreu dele?!!! A moça a seu lado deve ter percebido meu pânico e adoça a pílula: a medicina tem progredido muito. Podem já ter descoberto a cura. Sorrio agradecendo. A senhora ao lado volta a falar: qual foi o exame que seu médico pediu? Informo dando ênfase no “colorido” que me encantou e percebo horror em todos os olhares. O senhor murmura: Deve ser grave.

Todos parecem familiarizados com o tal exame. E escuto a senhora que da fileira de trás, num firme diagnóstico: E é! Muito grave! Carótida entupida. Não há a menor dúvida. E severa: A senhora fuma? Sentindo-me um rato respondo murmurando que sim. E ela declara ainda mais severa: É nisto que dá! Entupiu!

Desconsolada e culpada me convenço de que zumbido é causado pelo entupimento ou vive-versa. Os olhares sobre mim agora são de franca comiseração. Escuta-se a campainha do telefone da recepcionista que me atendeu. Ela olha significativamente para mim e movimenta a boca sem emitir som: pode-se ler em seus lábios “é do plano. Instala-se o suspense na platéia que observa atenta o desenlace. A moça escuta o Plano com uma expressão indecifrável. É longa a explicação que, no entanto, torna-se bastante reduzida quando ao desligar ela comunica agora a toda platéia: a auditoria do Plano não aprova. Seu médico terá que dar outro motivo que não seja zumbido. Pergunto: o médico vai ter que mentir então? Não existe mais nada além do zumbido. A moça entendida me esclarece: é que tem que mencionar há suspeita de problema cardio vascular! Eles são muito exigentes.

E é como entupida que me despeço. Escuto palavras de ânimo até dos que ainda não tinham se manifestado: boa sorte, vai ver não é nada de maior, às vezes não precisa operar, tem que entregar a Deus e outros que tais. Já na rua fico em dúvida se devo passar em alguma igreja para pela primeira vez na vida fazer uma promessa desentupidora. O zumbido continua zumbindo furiosamente. Dúvidas me assaltam: a carótida passa pelo ouvido? E ainda que passe, existem duas? Por que os dois ouvidos escutam o zumbido. Já em casa telefono para minha neta que forma-se em medicina este ano. Ela está em Piraí fazendo um estágio em postos de saúde e se assusta com a chamada e mais ainda com a pergunta:

-   Quantas carótidas eu tenho?
-   Tá maluca, vó? Você está careca de saber que tem duas. Mas por que...
-   Elas costumam entupir ao mesmo tempo, provocando zumbido?
-  O que?!!
-  Está acontecendo um zumbido. Ou melhor, dois. Um em cada ouvido.
-   Vai ao médico.
-  Já fui. Mas depois a gente conversa. Na verdade eu só queria esclarecer a quantidade de carótidas. Ciau.  Gente se fala.

E penso: se eu sobreviver até lá. Desligo presa de uma imensa raiva me dando conta de que o maldito Plano de Saúde pode ser responsável por um ridículo diálogo quando ocorrer minha morte que parece iminente:

-      Não diga! Morreu de quê?
-      De zumbido!

2007



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