quarta-feira, setembro 18, 2013

COMO VENCER A MORTE

Debaixo da porta o folheto: “A morte é aquilo que causa maior medo ao ser humano. Se você está nessa situação, alegre-se porque há uma saída. Para isso, leia a orientação que vem escrita abaixo”. Não – penso - não estou nessa situação, isto é, não tenho medo da morte. Vez por outra a vida me mete medo, mas a morte (ainda) não. De qualquer modo resolvo proceder à leitura. Afinal, sabe-se lá, este medo pode se instalar de repente e sempre é bom estar prevenida.
Leio com atenção e verifico que não se trata de uma “saída”, mas sim de uma “entrada”. A “orientação” trata de como ingressar no Reino dos Céus, desta forma “vencendo” a morte. Mas será que se trata de uma vitória sobre ela? Parece-me mais uma troca: trocar a vida por um ingresso no Paraíso, mais que garantido, se seguir à risca a orientação. O folheto é um pequeno manual de como agir para realizar esta troca. Agnóstica que sou não consigo me identificar com aquelas palavras. Não que as instruções sejam impossíveis de ser seguidas ou que ofereçam dificuldades intransponíveis.
Sinto até uma pontinha de inveja daqueles que, seguindo à risca, adquirem uma certeza de que serão recompensados com tantas e maravilhosas promessas. Mas cá comigo as coisas são diferentes. Não vejo como vencer a morte! O que posso fazer é vencer a vida. Não escrevi errado, não. Não quis dizer na vida. É a vida mesmo. Por que esta faz da suas! Tem que se brigar pra viver. E como! Não falo das grandes catástrofes ou sofrimentos. Estes vêm como um terremoto e não há como vencer. É deixar o tempo passar – porque passa – e depois cuidar do ferimento inevitável para que se torne cicatriz. E cicatriz um belo dia pára de doer. Vai ficar lá pra sempre, lembrando, lembrando... mas a dor, aquela terrível, se dissolve em lembranças.
Falo das pequenas lutas. Daquelas de que não são percebidas por outros se saímos vencedores. A gente nem mesmo faz a contabilização do quanto custou ou custa. E tome livro de auto-ajuda, Paulo Coelho, o escambáu. Acredito até que façam efeito para algumas pessoas. Nunca fizeram para mim. Uma pena! Teria talvez sido legal! 
Minha auto-ajuda me foi legada por meu pai que nunca me disse que se fosse uma boa menina, depois uma boa mulher, teria reconhecido meus esforços, nada de mal ou desagradável me aconteceria e eu viveria feliz para sempre. Não é assim. O andar correto é só um bem estar interno. E põe interno nisto! Não é objeto de reconhecimento ou elogio de outros nem impede que aconteça o que tem que acontecer. Ao contrário acontece de tudo e quanto a elogios já ouvi coisas espantosas como “você tem síndrome de vestal! Todo mundo faz isto!” Ou seja, fui chamada de boba, ingênua.
Mas já lá estou eu divagando por outras paragens. Falava era do medo da morte. A gente sabe que ela vem. Para todos. Por que o medo? Não é alguma coisa que pode acontecer. É o que vai acontecer. Ter medo da vida é outra praia. Ela teima em acontecer todos os dias, muito diferente do que planejamos. De certo modo é difícil para todos. Mais para alguns, é verdade, o que é profundamente injusto. Mas paradoxalmente a vida é também pra lá de boa. Gostosa de ser vivida se, além de percebermos as vitórias que conquistamos e que ninguém vê, formos capazes de nos dar conta de que coisas boas até acontecem. Quem sabe a morte será assim também?
No momento em que escrevo a mangueira está agitada pelo vento. Mas não me parece aflita. Balança de acordo sem que os galhos se quebrem. Ela tem a intuição de que se for se meter nessa luta inglória contra o vento vai se machucar. Não é que ceda a qualquer coisa. Não! Tanto que está em pé, sabe-se lá há quantos anos. Tenho aprendido muito com ela. Afinal, centenária como é, parece bem mais moça do que eu. E olha que deve ter passado por poucas e boas, permanecendo viva entre dois prédios, coberta da poluição dos carros, podada sem dó nem piedade quando alcança um fio ou uma janela e que mais sei eu.  E o que é mais espantoso, apesar dos pesares, reveste-se de novas folhas sempre. São de um verde mais claro que vai escurecendo à medida que o tempo passa. As coisas boas – as novas folhas – durante algum tempo são destaque. Depois se incorporam às antigas e eu não consigo mais identificá-las. A mangueira absorve o novo, o bom. Guarda lá dentro dela. Só pra ela. Sabida, né?  Se vai morrer um dia? É mais que provável. Bem depois de mim, acredito. Mas não vejo qualquer preocupação com isto por parte dela. Vive produzindo vida. Nunca vi nela um movimento autodestrutivo, embora a destruição esteja à sua volta. E oferece mangas em profusão para delícia dos micos e dos passarinhos que delas se apoderam antes de mim.
É isto: a mangueira sabe conviver com a cobiça de seus não iguais. A gente às vezes dá nó em pingo d’água para conseguir isto. De coração agradeço o folheto. Sei que a intenção foi boa. Mas não me serve de muito. Nem de pouco. Quero, sempre quis, vencer a vida. E nisto, no todo dia, a mangueira me ajuda mais. Quanto à morte, a minha, creio que será mais impactante para quem me gosta do que para mim. De qualquer modo não é coisa que eu possa treinar ou aprender. Vai ter que ser de improviso na horinha dela.
2006


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