domingo, setembro 29, 2013

PARA JOANA, SOBRE VERBOS

Muitos adjetivos poderiam aparecer ao lado de Joana: querida, esperada, amada, linda e que mais sei eu. Todos expressariam verdade, mas nenhum deles chega perto do que está contido em seu nome quando dito por mim. No caso, escrito por mim. Palavras são símbolos e você, Joana, simboliza o que um texto pequeno como este não poderia conter. Nem mesmo um muito maior poderia. Há sempre uma enorme perda de qualidade entre o que se imagina e o que se consegue traduzir escrevendo ou dizendo.   
No dia 17 de abril de 2011 vi você pela primeira vez. E, neste dia, pela primeira vez, você viu o mundo. Não tenho como saber o que causou em você esta visão. Primeira coisa que fez foi chorar. O pediatra gostou disso. Mas ele não sabe de nada. Tenho pra mim que é de medo e de susto que se chora ao nascer. O que viria pela frente - tornar-se pessoa - assustou você, não foi? Mas sei bem o que causou em mim a visão de você pessoa. Emoção? Claro. Todos sentiram: sua mãe, seu pai, seus avôs, tios moços e velhos, bisavós e até, a então benjamim da família, Maria Clara, sua prima e minha neta. Mas em mim, a decana desta mesma família, foi muito mais. Você com 1 dia de vida e eu com 29. 649. Olha só o tempo que nos separa!
E eu me peguei pensando que isto devia servir para alguma coisa. Conselhos? Acho que não. Não gosto muito deles. Têm sempre um quê de didático tornando a coisa impositiva. Mas quem sabe um apenas dizer de coisas que descobri ao longo deste montão de dias. Você vai por em prática se quiser, é claro. E também não precisa ser agora. Um dia, muito mais tarde, a Carta da Bisavó será encontrada em alguma gaveta por sua mãe ou seu pai e você vai achar engraçado ler. Não importa quando e muito menos como. Importa muito para mim dizer.
A vida não é, minha linda, toda esta complicação de que falam.  Não é também coisa simples. Tem momentos muito bons e momentos muito ruins e o que importa é como a gente se comporta em cada um deles. Importa, comporta. Rima pobre no texto e indispensável na vida. É um binômio importante este. Você não sabe o que é binômio ainda. Mas já sabe que “importa” ter fome e, vai daí, se “comporta” chorando. Comportamento mais que adequado. Agora eu pergunto: chorar é correto? É bom? Faz bem? Faz mal? Ninguém pode afirmar nem uma coisa nem outra porque depende do que “importa”.  Depende sempre. E é isto que eu queria dizer a você. É indispensável avaliar o “importa” pra poder decidir o “comporta”.
É por isto que os verbos (você mais tarde vai aprender o que é isto) nunca indicam coisas boas ou ruins. E até rir pode ser ruim. Veja só! Nestes 29.649 dias foi uma sucessão de verbos que você nem imagina. Procurei ver neles, no momento em que apareciam, o que importava. Quando eu via (e nem sempre isto ocorria) conseguia sair do outro lado da melhor maneira. Você também não sabe ainda o que é “sair do outro lado”. Quer dizer, não sabe que sabe, porque quando põe a boca no mundo Mamãe corre para alimentar você. E como é isto que você quer e precisa quando abre o berro, sai airosamente do outro lado. Complicado? Nem um pouco. Difícil? Às vezes. Nem sempre você vai acertar o comportamento certo. Sossega: ninguém acerta sempre mesmo. Com treino a gente vai acertando mais. Mas tem uma maluquice: às vezes a gente sabe que está errando e assim mesmo se comporta mal. Isto acontece muito com alguns verbos especiais.
Amar, por exemplo, pode resultar num erro monumental. Existem situações em que o único jeito é fugir deste verbo tão bonito pra não sofrer. E outras em que se pode encontrar um paraíso. Depende, como eu já disse, da avaliação: importa ou não? Outra mania maluca que os verbos têm é a de despencar em cima da gente sem que tenham sido chamados. Alguns a gente domina, quer dizer, faz acontecer o melhor, e outros dominam a gente. A avaliação destes últimos não é impossível, mas escolher o comportamento certo pra dar conta deles é que é o buzilis.  Você não sabe o que é buzilis, não é? Acho que ninguém mais sabe... Não vejo mais dito nem escrito.  Esta sua Bisa sabe por que viveu 29.649 dias. A avó dela falava assim.
Por que, veja só Joana, eu tive também avó e bisavó. Esta última não conheci. Antes as pessoas morriam mais moças. Agora morrem mais velhas. Foi esta uma das muitas mudanças neste mundão de dias. Você tem três bisavós e um bisavô vivos! Eu só tinha um bisavô quando nasci e eram poucos os verbos com que eu lidava naquela época. Como você agora em sua vidinha. Pelo que observei em você neste primeiro dia de vida, percebi que analisou o que importa com a maior competência adotando o comportamento perfeito para cada verbo que surgiu. Como comer, dormir e chorar.
Continue assim, minha linda, e a vida será bem mais fácil e bonita. Se não acertar sempre (e isto vai acontecer) não se lastime. A sua Bisa nos 29.649 dias errou muito e mesmo assim deu conta. E, sobretudo está percebendo o quanto você “importa”! Pode ser que este seja um dos meus últimos acertos: amar você que surgiu por ter eu sabido lidar com este verbo. 
2011


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