Medo de envelhecer é comum. Em homens e
mulheres. Em alguns o sentimento beira o pânico. Vai daí que ao sofrimento
causado pela aproximação da velhice se junta à busca desenfreada de meios que
possam impedir o que é inevitável. Mas o que me espanta não é o medo ou mesmo o
pânico. O que me faz pensar é um sentimento de vitória que existe em ser ou
parecer jovem! Isto lá é coisa para se orgulhar? Todos nós o fomos um dia sem
que para isto tivéssemos lutado ou que isto fosse o resultado de alguma ação
nossa.
Toda esta elucubração me vem de uma
conversa maluca que tive com uma senhora bem mais jovem que eu, beirando os
sessenta. De há muito já a sabia pertencendo à classe dos empanicados pela
proximidade da velhice. Sei agora que também se agrega a este pânico o orgulho
da parecença mais jovem (que, justiça seja feita, de fato existe). Era visível,
em seu discurso entusiasmado, o orgulho de ter tido sua idade avaliada, por já
não me lembro quem, em sete anos menos. Fiquei pasma! Era orgulho mesmo como de
um feito memorável em sua biografia! Falava disto como de um mérito pessoal
obtido sabe-se lá por que artes.
Foi aí que me lembrei do Budismo. Desta fé
pouco sei e este pouco sempre me pareceu simpático. Entre o pouco que sei um
dia me informaram que Buda rotula de absurdo o orgulho motivado pela saúde,
pela juventude e pela vida já que inexoravelmente todos, irremediavelmente
todos, perderão estas qualificações em algum momento. Será a Radical Chic budista? Ela também
acha isto quando diz: "O que adianta fazer plástica se você se lembra do
governo Jango?"
Por favor, me entendam: nada tenho contra
plástica. Se não a fiz é porque não tive vontade. Acho legal que se queira
estar com uma melhor aparência. Só não entendo que se queira escamotear anos de
vida. Ao fazer isto mães e pais terão passar a ser pais adotivos de seus
próprios filhos já que não poderiam ter deles nascido. A menos que estes também
tenham suas idades diminuídas.
Esta prática de se dar fim em anos vividos
obriga a cálculos complicadíssimos cada vez que tem que ser informado o ano da
formatura, o ano do casamento, a idade que se tinha na copa de 50 e por aí vai.
E o pior é que muitas vezes um erro no cálculo mental torna o passado inviável.
Como alguém que conheço que obteve o diploma de um curso superior com a
espantosa idade de 12 anos! Este
despreparo para ter a idade que de fato se tem é incentivado por todos os meios
e modos pela propaganda de produtos milagrosos que prometem o desaparecer, não
apenas da marca dos anos passados, mas espantosamente, os próprios anos. Não
consigo imaginar qualquer ano que eu tenha vivido sendo objeto de um sumiço.
Todos foram recheados de coisas boas e nem tão boas, construindo o que sou
hoje. O desaparecimento de um só deles seria catastrófico. Tenho certeza que provocaria
um buraco por onde se escoariam pequenos e grandes acontecimentos que tiveram
sua importância e deram novos cursos em minha vida.
Faço uma mea culpa: não preparei meus
filhos para velhice. Falei de muitas e muitas coisas que certamente viriam com
o decorrer dos tempos. Mas da velhice e de suas marcas, não. Talvez porque só
agora que a experimento saberia o que falar. Eu não sabia antes. São tantas
estas marcas... Para mim, as menos importantes são as aparentes. Estas, tão
evidentes, pouco incomodam. Pelo menos a mim. As outras, invisíveis aos olhos e
à percepção alheias são mais complicadas de serem assimiladas e aceitas com
galhardia. Começa pelas dores. Os ossos que me sustentam e que me dão a
condição de bípede não doíam antes. Agora doem! Não muito e nem sempre os
mesmos, o que é um mistério. É uma dorzinha ambulante e misteriosa que passeia
dos pés à cabeça. Sinto que internamente, embora não doente as coisas já não
funcionam como antes. Nada que se possa identificar com clareza, mas positivamente
o funcionar já não é mais o mesmo. Espantosamente minha médica declara: uma
saúde perfeita. Mas lá vem a ressalva marota... para sua idade
As escadas passam a ser um local
ameaçador. Mesmo as que têm corrimão (as que não têm são um caso de polícia!).
A rua já não parece tão segura e não estou me referindo aos assaltos e outros
que tais. Descer rua em ladeira, por exemplo: não é muito seguro! E como me
recuso a deixar de por ela andar o jeito é conviver com esta sensação de
ligeira insegurança aceitando e até agradecendo, o braço amigo do agenciador
dos táxis de minha rua, para descer com dignidade. Positivamente não fui
preparada para esta cena: eu sendo amparada por um desconhecido para descer uma
ladeira! E, no entanto, ocorreu. E o
mais espantoso é que com maior tranqüilidade assumo esta personagem que, há
pouco tempo era uma ficção!
2006
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