sexta-feira, setembro 06, 2013

ENVELHECER

      Medo de envelhecer é comum. Em homens e mulheres. Em alguns o sentimento beira o pânico. Vai daí que ao sofrimento causado pela aproximação da velhice se junta à busca desenfreada de meios que possam impedir o que é inevitável. Mas o que me espanta não é o medo ou mesmo o pânico. O que me faz pensar é um sentimento de vitória que existe em ser ou parecer jovem! Isto lá é coisa para se orgulhar? Todos nós o fomos um dia sem que para isto tivéssemos lutado ou que isto fosse o resultado de alguma ação nossa.
      Toda esta elucubração me vem de uma conversa maluca que tive com uma senhora bem mais jovem que eu, beirando os sessenta. De há muito já a sabia pertencendo à classe dos empanicados pela proximidade da velhice. Sei agora que também se agrega a este pânico o orgulho da parecença mais jovem (que, justiça seja feita, de fato existe). Era visível, em seu discurso entusiasmado, o orgulho de ter tido sua idade avaliada, por já não me lembro quem, em sete anos menos. Fiquei pasma! Era orgulho mesmo como de um feito memorável em sua biografia! Falava disto como de um mérito pessoal obtido sabe-se lá por que artes.
      Foi aí que me lembrei do Budismo. Desta fé pouco sei e este pouco sempre me pareceu simpático. Entre o pouco que sei um dia me informaram que Buda rotula de absurdo o orgulho motivado pela saúde, pela juventude e pela vida já que inexoravelmente todos, irremediavelmente todos, perderão estas qualificações em algum momento. Será a Radical Chic budista? Ela também acha isto quando diz: "O que adianta fazer plástica se você se lembra do governo Jango?"
      Por favor, me entendam: nada tenho contra plástica. Se não a fiz é porque não tive vontade. Acho legal que se queira estar com uma melhor aparência. Só não entendo que se queira escamotear anos de vida. Ao fazer isto mães e pais terão passar a ser pais adotivos de seus próprios filhos já que não poderiam ter deles nascido. A menos que estes também tenham suas idades diminuídas.
      Esta prática de se dar fim em anos vividos obriga a cálculos complicadíssimos cada vez que tem que ser informado o ano da formatura, o ano do casamento, a idade que se tinha na copa de 50 e por aí vai. E o pior é que muitas vezes um erro no cálculo mental torna o passado inviável. Como alguém que conheço que obteve o diploma de um curso superior com a espantosa idade de 12 anos!     Este despreparo para ter a idade que de fato se tem é incentivado por todos os meios e modos pela propaganda de produtos milagrosos que prometem o desaparecer, não apenas da marca dos anos passados, mas espantosamente, os próprios anos. Não consigo imaginar qualquer ano que eu tenha vivido sendo objeto de um sumiço. Todos foram recheados de coisas boas e nem tão boas, construindo o que sou hoje. O desaparecimento de um só deles seria catastrófico. Tenho certeza que provocaria um buraco por onde se escoariam pequenos e grandes acontecimentos que tiveram sua importância e deram novos cursos em minha vida.
      Faço uma mea culpa: não preparei meus filhos para velhice. Falei de muitas e muitas coisas que certamente viriam com o decorrer dos tempos. Mas da velhice e de suas marcas, não. Talvez porque só agora que a experimento saberia o que falar. Eu não sabia antes. São tantas estas marcas... Para mim, as menos importantes são as aparentes. Estas, tão evidentes, pouco incomodam. Pelo menos a mim. As outras, invisíveis aos olhos e à percepção alheias são mais complicadas de serem assimiladas e aceitas com galhardia. Começa pelas dores. Os ossos que me sustentam e que me dão a condição de bípede não doíam antes. Agora doem! Não muito e nem sempre os mesmos, o que é um mistério. É uma dorzinha ambulante e misteriosa que passeia dos pés à cabeça. Sinto que internamente, embora não doente as coisas já não funcionam como antes. Nada que se possa identificar com clareza, mas positivamente o funcionar já não é mais o mesmo. Espantosamente minha médica declara: uma saúde perfeita. Mas lá vem a ressalva marota... para sua idade
      As escadas passam a ser um local ameaçador. Mesmo as que têm corrimão (as que não têm são um caso de polícia!). A rua já não parece tão segura e não estou me referindo aos assaltos e outros que tais. Descer rua em ladeira, por exemplo: não é muito seguro! E como me recuso a deixar de por ela andar o jeito é conviver com esta sensação de ligeira insegurança aceitando e até agradecendo, o braço amigo do agenciador dos táxis de minha rua, para descer com dignidade. Positivamente não fui preparada para esta cena: eu sendo amparada por um desconhecido para descer uma ladeira!  E, no entanto, ocorreu. E o mais espantoso é que com maior tranqüilidade assumo esta personagem que, há pouco tempo era uma ficção!


2006

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