Sinto que é hora de ressuscitar Don Quixote.
Mas não o Sancho! Este está vivo. Vivíssimo. Clonado em seu óbvio conformismo em milhares de cidadãos, sobretudo naqueles que deveriam nos orientar para um
mundo melhor. Me dirão que é necessário ser assimracional. Mas, cá do meu lado, o
que ando sentindo e querendo – querendo muito – é sonhar o sonho impossível. É
preciso, necessário, imprescindível mesmo que meio a tanta feiura sejamos capaz
de, loucos, identificar o inimigo nos moinhos de vento. Porque o inimigo real
não está valendo uma luta, dentro dos conformes.
Os moinhos, tão poderosos em sua capacidade de domar o vento e torná-lo seu
escravo, são exatamente aqueles que nos fazem tanto mal e que, camuflados,
tentam impedir que sejamos capazes de identificá-los. Sejamos poetas em nossa
revolta. Heróicos em nossa postura diante do impossível. Deixemos que em vão os
Sanchos tentem nos explicar o que vai por aí. Vamos ver o que nossa loucura
enxerga.
Num corcel pífio, porque outro não temos, e
que seremos capaz de ver como lindo, vamos cavalgar por este país afora
pregando a luta mágica, porque a real já não surte efeito. E este Rocinante
tupiniquim nos levará às grandes e pequenas cidades e nós soltaremos o
brado: vocês foram enganados. Sancho dirá que é assim mesmo. Mas não vamos
escutá-lo. Ou melhor, vamos dar a ele a explicação mágica na qual ele não vai
acreditar, mas o que importa? Sanchos são assim mesmo. Tanto os de esquerda,
quanto os de direita. Proliferam, dão explicações, razões, motivos. Falam
demais. Explicam, esquadrinham, investigam, justificam e chegam... ao nada.
O desamando, a ignorância, a doença, a injustiça, o desânimo, a dor, objetos de pífios projetos, leis, intenções,
discussões, propostas, tudo parecendo nos conformes e até posto no papel
timbrado e com fé pública, são exibidos e divulgados nas esquinas das cidades e
nos rincões longínquos onde esquina não há sem que efeitos se façam.
Vamos nos
perder de amores por Dulcinéia que “teve assomos de dama, de Don Quixote foi
chama e glória de sua aldeia”. Importa lá se estes assomos de dama não são
vistos, reconhecidos e louvados naquelas que não damas habitam estes rincões tão
longínquos? O que vamos sentir será real e nos trará momentos de ardor. Não de
raiva, não de desânimo, não de impotência. Por que estes já nos cansam sentir.
Não que Sancho seja mau, ou mesmo desonesto. Não! É apenas conformado com o que
existe. E isto é terrível.
Me vem, de longe, a voz doce de e Seu
Teófilo, sábio caipira de muita saudosa memória: “Devêra" de ser assim mesmo... Não! Não "devêra". Nada
deve ser assim mesmo. D. Quixote não deixaria que assim fosse. Iria lutar.
Esbravejar. Gritar e avançar valoroso, incitando Rocinante a que o levasse a
batalha. Debalde? Até pode ser... Mas como tentar valeria a pena! Justificaria
uma vida como ocorreu com ele – D. Quixote. Valeu para ele que até hoje vive em
sua história que sabemos, lemos, compreendemos, admiramos, nos emocionamos, mas
somos incapazes de repetir.
Vamos nos tornar surdos aos apelos de Sancho
que nos chama à razão. Razão que impede que dentro de nós a indignação que
existe, se mostre, tome corpo e torne-se ação perdendo o início da palavra que
a impede, sufoca e faz mal. Por que faz. Muito mal. Indignação sem ação “é
maus” como diriam meus mais jovens conhecidos. E é, sobretudo, a estes jovens
que falo. Vocês, na coragem e na falta de prudência que lhes é própria são
capazes de mudar o sentido da palavra “quixotada” e torná-la significativa de
uma ação de dar gosto. Esta ação pode
começar por um simples plástico colado a um carro, a uma moto, a uma bicicleta.
Estes carros, estas motos, esta bikes, fazendo o papel de Rocinante,
percorrerão esta cidade, e outras e mais outras e quem sabe até aqueles rincões
longínquos onde a esperança há muito deixou de existir porque o “devêra" de ser
assim mesmo instalou-se pra ficar.
Nestes rincões seria melhor que ao invés de
plástico o grito, o alerta, o chamamento tomasse corpo nos pára-choques dos caminhões
que por lá transitam mas não param carregados de comidas, frutas e até flores, mostrando a aqueles que deles só aproveitam a poeira, que em algum lugar neste País chegam para
alguns estes bens que garantem a vida e a beleza do viver.
E os olhos dos que
não têm mais esperança desviariam o olhar da lona que cobre a carga, símbolo do
impossível alcançar que diariamente os massacra ao passar, para a frase que
resgata esta esperança: QUE SE VAYAM TODOS!
2005
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