quarta-feira, setembro 25, 2013

A REDENTORA LÓGICA DE RICARDINHO

A esta altura da vida já me conformei: sou incapaz de providenciar a compra dos presentes relacionados na “Lista de Natal” com a antecedência que me garantiria tranqüilidade. Nem mesmo a Lista é preparada com a calma necessária a evitar os esquecimentos dos quais só me dou conta no momento que alguém grita: está na hora de distribuir os presentes! Faltando apenas alguns dias pego o elevador desejando estar em Tombuctu onde com certeza não conheço ninguém e poderia passar os feriados de Natal lendo a montanha de livros, empilhados na mesa de cabeceira, sem qualquer culpa. Nos pilotis, Ricardinho avança:
-    Você já vai sair?
-    Vou, Ricardinho. E ‘tou com pressa.
-    Aonde você vai?
-    Vou comprar presentes de Natal.
-    Pra mim?
Pronto! Danou-se. Ricardinho não está na lista! Como é que eu esqueci deste tão importante amigo? Minto descaradamente:
-    Para você também.
-    O quê?
-    É surpresa.
Ricardinho olha para mim em silêncio. Ou não gostou da resposta ou está tentando adivinhar qual será o presente. Mas o olhar denuncia um pensamento em outras paragens e, como sempre, ele me surpreende num tom de extrema gravidade:
-    Não tem Papai Noel.
Complicou! O que é que ele espera que eu responda a esta séria afirmação? O silencio agora é meu.
    -    Você não sabia?!
-    Sabia, Ricardinho. Há muito tempo que eu sei. Mas seria bom  se tivesse, não é? Às vezes eu até finjo que tem.
-   Você é fingida?
-   Não! 
-   É sim, Você finge que tem Papai Noel. 
-   Você não finge que sua bicicleta é um foguete?
-  Você não entende nada! Minha bicicleta é um foguete. Foi  Papai Noel que me deu.
-   Ué! Então tem Papai Noel.
-   Falei que não tem. 
-   Ricardinho, Ricardinho, tem ou não tem Papai Noel?
-  Você não entende nada que eu falo!  Eu não já falei que tem porque ele me deu a bicicleta e que ele não pode me dar mais nada porque agora não tem? 
Que raio de lógica é esta? As conversas com Ricardinho são sempre complicadas e eu sempre me sinto em desvantagem. Deus que me Perdoe, mas foi irritada que respondi:
-   Mas você falou que ele deu a bicicleta. Então tem. 
     -  Você não entende nada mesmo. Eu não já falei que não tem?
Desisto. E me despedindo de Ricardinho demando às compras acrescentando mentalmente à lista o nome de meu pequeno amigo, imperdoavelmente esquecido. Pelos corredores do shopping a lógica de Ricardinho me atormenta e eis que de repente a luz se faz: não tem mais, mas tinha quando tinha.  Quando Ricardinho ganhou a bicicleta tinha Papai Noel. Quando eu ganhei a minha primeira também tinha. Tinha também quando ganhei toda a coleção dos livros da Condessa de Ségur. As capas eram vermelhas e douradas com ilustrações a bico de pena.  Nunca os vi em livrarias. Pudera! Eram fabricados por Papai Noel. Anos depois os livros da Bibliothéque Rose e o Tesouro da Juventude, iguaizinhos a qualquer outros, foram comprados por Papai. É por que ai já não tinha mais. É isto! Ricardinho está certo, como sempre: no tempo que tinha, tinha. Percebo encantada que ele não usou o verbo “existir”. Usou o verbo “ter”. Porque não se tratava mesmo de existir ou não. O “não existe Papai Noel”, revelação dolorosa que pais e mães vêm fazendo através dos tempos sempre foi errada. Tem Papai Noel! Só que de repente não tem mais. E não são tantos os “não têm mais” da vida, trazidos pelas novas idades? Mas “tinha” antes. E a gente aceita numa boa o “não tem” porque crescer tem lá suas vantagens e, sobretudo pelos “tinha”. Papai Noel quando teve, teve. Faz-se urgente, procurar Ricardinho para dizer que entendo. Entendo, sim. Entendo e agradeço este presente não esperado em tão provecta idade. E aos que me lêem, quem sabe confusos como eu fiquei, só posso repassar a frase de Ricardinho: vocês não entendem nada mesmo. Eu não já falei? E espero que, como eu, terminem por perceber a sabedoria de meu pequeno filósofo e sintam-se tão bem quanto estou me sentindo agora. 


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