O grito de minha neta de doze anos expressa
uma monumental censura: VOVÒ!!! Espanto-me: o
que foi que eu fiz? E ela: olha só o
que você disse! Em minhas últimas palavras nada encontro que possa causar
tal celeuma. Mas enfim... quem sabe minha personalidade clumsy se manifestou sem que eu me desse conta? Cautelosa,
pergunto: o que foi que eu disse? E a declaração vem grave: você disse que ficou com o Armando Flávio no
encontro do SEPROVECTOS*. Eu já ia concordar que era isto mesmo que havia
acontecido quando me dei conta que o verbo “ficar” tem hoje outro sentido.
Explico que fiquei, mas não “fiquei”.
O rostinho até então escandalizado sorri
aliviado: a avó, já quase bisavó, não havia se tornado uma velha fogueteira. É
óbvio que ela não pensou “velha fogueteira”. Deve ter traduzido o escândalo por outra expressão ou
palavra que desconheço para adjetivar o meu possível mau procedimento. E
desconheço porque um dos efeitos da velhice, pelo menos da minha, é não saber
mais falar. Não estou me referindo à emitir palavras o que ainda faço e, salvo
alguns deslizes, com algum sentido para
ouvidos jovens.
O problema com que me deparo, há já algum
tempo, é a atualidade destas palavras. Será que minha avó sentia isto quando eu
lançava um “bacana”? Nunca comentou. Também eu não comento, mas morro de inveja
ao escutar um “irado”. É expressivo, não é? Claro que posso usá-lo, mas em mim
soaria estranho. Soa estranho até em gente bem mais moça do que eu. Existe um
dicionário para cada idade e eu nunca havia me dado conta disto.
Aqui abro um parêntese para aconselhar os que
tentam (inutilmente) escamotear idade: juntem-se aos jovens com uma
cadernetinha nas mãos, anotem as palavras que os identificam como tal e passem
a usá-las. Vai ver é mais eficaz que uma plástica. É perigosíssimo dizer, por
exemplo, “aloprado”. Quem profere esta palavra é imediatamente catapultado para
perto dos anos cinquenta ou seja, para idoso legal (legal aqui é de lei, mesmo e não
“legal” no sentido de “bacana”). Pior ainda é dizer que se vai a uma “balada”:
os da mesma idade pensariam que se dirige a algum teatro onde será executada a
poesia cantada do século XV. Os jovens ficariam preocupados ao imaginar que os
bares da noite serão invadidos pela terceira idade.
Há pouco tempo me referi a um tio avô como
“dandi” e ouvi de outra neta: Bambi?! Por
quê? Pobre Tio José, irmão de minha avó. Deve ter se revirado no túmulo ao ser confundido com o
doce veadinho. Pra falar a verdade acho que ele também não gostaria nada de se
ver referido como “dandi”.
Dei uma relida no que escrevi até agora e me
dou conta de que usei a palavra “celeuma”. Será que ainda se diz isto? Há
tempos não escuto. E nem gíria é. Caiu em desuso? Outra que não escuto mais é
“détraqué”. Quando eu era moça era enorme a quantidade de “détraqués” que
povoavam a família e adjacências. Ainda hoje existem certamente. Mas com qual
denominação? Pirados? Não! Acho que não. Meus filhos diziam “pirado” e meus
filhos já estão a caminho dos sessenta.
Preciso me informar urgente. Não para usar,
mas para entender. Vai ver já ouvi e não entendi nada. Isto ocorre às vezes, em
aniversários de minhas netas. Num deles aprendi, faz algum tempo, o conceito de
“hauli”. Extremamente útil já que vez por outra me sinto como tal. Ou seja:
sobrando; por fora. Para os não iniciados explico que se trata de uma palavra
usada por surfistas para designar aqueles que não pertencem àquela parte da
praia reservada aos “surfistas locais”. Pois é: velhice nos coloca como
“haulis” em muitas circunstâncias.
E olha que eu procuro me atualizar, sobretudo
evitando me escandalizar com novos comportamentos ou práticas. Mas por vezes é
difícil como ocorreu recentemente: fui informada que existe agora, inventada
por um editor maluco, a prática de “revitalizar” livros de escritores
consagrados para estimular sua leitura pelos jovens!!! Esta “revitalização”,
pasmem, consiste em contratar escritores jovens para reescrever clássicos da
literatura. Ao que parece isto se denomina “mash-up”.
E foi assim que, estarrecida, fiquei sabendo
que Senhora de José de Alencar e Dom Casmurro de Machado haviam sido
“revitalizados” e publicados em linguagem e temática jovens fazendo com que
vampiros e bruxas passassem a conviver com a doce Aurélia e a intrigante
Capitu. Será que os jovens a quem foi destinada esta atroz iniciativa
acharam-na “irada”? Espero que não, já que não os julgo idiotas. Ao contrário,
tenho aprendido muito com eles. Mas eu
fiquei irada, no sentido antigo da palavra.
Mas nem tudo é terrível assim. Algumas gírias
e práticas são mesmo de causar inveja e eu gostaria que houvessem surgido
quando eu ainda era jovem. Por exemplo, "vamos combinar” (e esta é uma das novas
expressões que adoro e posso usar sem parecer estar-me “revitalizando”): em
alguns casos como no deste editor que inova, a manifestação de juventude é
definitivamente “détraqué”.
(*) Grupo
de aposentados do SERPRO que se reúne uma vez por mês num bar em Ipanema e que,
por razões econômico-financeiras, está fundando uma religião (Reaposentar em
Cristo) da qual fui eleita Papisa.
2011
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