domingo, janeiro 05, 2014

VAMOS COMBINAR


O grito de minha neta de doze anos expressa uma monumental censura: VOVÒ!!! Espanto-me: o que foi que eu fiz? E ela: olha só o que você disse! Em minhas últimas palavras nada encontro que possa causar tal celeuma. Mas enfim... quem sabe minha personalidade clumsy se manifestou sem que eu me desse conta? Cautelosa, pergunto: o que foi que eu disse?  E a declaração vem grave: você disse que ficou com o Armando Flávio no encontro do SEPROVECTOS*. Eu já ia concordar que era isto mesmo que havia acontecido quando me dei conta que o verbo “ficar” tem hoje outro sentido. Explico que fiquei, mas não “fiquei”.

O rostinho até então escandalizado sorri aliviado: a avó, já quase bisavó, não havia se tornado uma velha fogueteira. É óbvio que ela não pensou “velha fogueteira”. Deve ter  traduzido o escândalo por outra expressão ou palavra que desconheço para adjetivar o meu possível mau procedimento. E desconheço porque um dos efeitos da velhice, pelo menos da minha, é não saber mais falar. Não estou me referindo à emitir palavras o que ainda faço e, salvo alguns deslizes, com algum sentido para  ouvidos jovens.

O problema com que me deparo, há já algum tempo, é a atualidade destas palavras. Será que minha avó sentia isto quando eu lançava um “bacana”? Nunca comentou. Também eu não comento, mas morro de inveja ao escutar um “irado”. É expressivo, não é? Claro que posso usá-lo, mas em mim soaria estranho. Soa estranho até em gente bem mais moça do que eu. Existe um dicionário para cada idade e eu nunca havia me dado conta disto.

Aqui abro um parêntese para aconselhar os que tentam (inutilmente) escamotear idade: juntem-se aos jovens com uma cadernetinha nas mãos, anotem as palavras que os identificam como tal e passem a usá-las. Vai ver é mais eficaz que uma plástica. É perigosíssimo dizer, por exemplo, “aloprado”. Quem profere esta palavra é imediatamente catapultado para perto dos anos cinquenta ou seja, para idoso legal (legal aqui é de lei, mesmo e não “legal” no sentido de “bacana”). Pior ainda é dizer que se vai a uma “balada”: os da mesma idade pensariam que se dirige a algum teatro onde será executada a poesia cantada do século XV. Os jovens ficariam preocupados ao imaginar que os bares da noite serão invadidos pela terceira idade.

Há pouco tempo me referi a um tio avô como “dandi” e ouvi de outra neta: Bambi?! Por quê? Pobre Tio José, irmão de minha avó. Deve ter se revirado no túmulo ao ser confundido com o doce veadinho. Pra falar a verdade acho que ele também não gostaria nada de se ver referido como “dandi”.

Dei uma relida no que escrevi até agora e me dou conta de que usei a palavra “celeuma”. Será que ainda se diz isto? Há tempos não escuto. E nem gíria é. Caiu em desuso? Outra que não escuto mais é “détraqué”. Quando eu era moça era enorme a quantidade de “détraqués” que povoavam a família e adjacências. Ainda hoje existem certamente. Mas com qual denominação? Pirados? Não! Acho que não. Meus filhos diziam “pirado” e meus filhos já estão a caminho dos sessenta.

Preciso me informar urgente. Não para usar, mas para entender. Vai ver já ouvi e não entendi nada. Isto ocorre às vezes, em aniversários de minhas netas. Num deles aprendi, faz algum tempo, o conceito de “hauli”. Extremamente útil já que vez por outra me sinto como tal. Ou seja: sobrando; por fora. Para os não iniciados explico que se trata de uma palavra usada por surfistas para designar aqueles que não pertencem àquela parte da praia reservada aos “surfistas locais”. Pois é: velhice nos coloca como “haulis” em muitas circunstâncias.

E olha que eu procuro me atualizar, sobretudo evitando me escandalizar com novos comportamentos ou práticas. Mas por vezes é difícil como ocorreu recentemente: fui informada que existe agora, inventada por um editor maluco, a prática de “revitalizar” livros de escritores consagrados para estimular sua leitura pelos jovens!!! Esta “revitalização”, pasmem, consiste em contratar escritores jovens para reescrever clássicos da literatura. Ao que parece isto se denomina “mash-up”.

E foi assim que, estarrecida, fiquei sabendo que Senhora de José de Alencar e Dom Casmurro de Machado haviam sido “revitalizados” e publicados em linguagem e temática jovens fazendo com que vampiros e bruxas passassem a conviver com a doce Aurélia e a intrigante Capitu. Será que os jovens a quem foi destinada esta atroz iniciativa acharam-na “irada”? Espero que não, já que não os julgo idiotas. Ao contrário, tenho aprendido muito com eles. Mas eu fiquei irada, no sentido antigo da palavra.

Mas nem tudo é terrível assim. Algumas gírias e práticas são mesmo de causar inveja e eu gostaria que houvessem surgido quando eu ainda era jovem. Por exemplo, "vamos combinar” (e esta é uma das novas expressões que adoro e posso usar sem parecer estar-me “revitalizando”): em alguns casos como no deste editor que inova, a manifestação de juventude é definitivamente “détraqué”.

(*) Grupo de aposentados do SERPRO que se reúne uma vez por mês num bar em Ipanema e que, por razões econômico-financeiras, está fundando uma religião (Reaposentar em Cristo) da qual fui eleita Papisa.
2011



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