sábado, janeiro 25, 2014

AINDA QUE NÃO POR ARTES MINHAS...

Ainda que nem sempre por artes minhas as situações em que me vejo rotulada como clumsy se multiplicam em minha vida.

É sempre com emoção que entro hoje em dia nas instalações do SERPRO, no Horto Florestal. Afinal uma grande parte de minha vida por lá se desenrolou. E era assim que me sentia quando entrei no hall dos elevadores para demandar o serviço de pessoal para pegar nova carteira do Plano Médico do qual ainda tenho direito (Graças a Deus!) como aposentada que sou. Mas naquele dia a emoção foi maior: chegado o elevador vejo em seu comando o Valentim!

Pessoa especial que trabalhava subindo e descendo nos elevadores das instalações do SERPRO na Rua da Lapa, sei lá eu há quantos anos. Já estava por lá quando ingressei em 1972. Não o sabia transferido para o Horto e foi com enorme alegria que nos abraçamos. De um bom humor espantoso nos conhecia a todos saudando um por um que entrava em seu veículo sempre com algum comentário pessoal. Ele sorri encantador para mim: este cabelo branco está demais, D. Anna. E se dirigindo para os outros ocupantes do elevador: gosto desta moça (?) há mais de quarenta anos!  Comovida, o  coração dá um salto quando o ouço continuar agora com um ar maroto: e a senhora ainda faz aquele lombinho?

  Não sei e nem quero saber o que os demais ocupantes do elevador imaginaram. Possivelmente que eu, em priscas eras, fui cozinheira no restaurante do Horto antes de me graduar como analista. Olhei em pânico para Valentim e felizmente chegamos ao andar que eu demandava. Mas a memória não me abandonou e até cheiro e o gosto do lombinho passaram a povoar meu dia.

O incidente ocorreu quando eu ainda trabalhava na Rua da Lapa. Lá pelo final dos anos 70. Estávamos, naquela época, num ritmo de trabalho infernal com o desenvolvimento de algum sistema que como sempre tinha um prazo “para ontem”. Trabalhava-se até altas horas e também nos fins de semana. As instalações da Lapa não dispunham de restaurante como as do Horto. Comia-se no Cosmopolita (apelidado de Porta de Bandido, por causa da porta vai-vem), no Nova Capela, no Bar Brasil e quando o tempo era pouco, no restaurante da ACM que, situado no mesmo prédio, era uma bela droga e não servia jantar. Resultado, na correria em que estávamos o jeito era apelar para os sanduíches de salaminho da padaria em frente.

Estávamos ainda na fase de discussão da definição do sistema com base nos levantamentos feitos. Não necessitávamos, portanto, dos terminais que nos ligavam ao grande porte (a era do micro ainda estava longe de surgir). Vai daí que decidi que poderíamos, dois colegas e eu, trabalhar em minha casa onde era possível providenciar um jantar decente. E assim foi feito. Eu mesma me ocupei de fazer o tal lombinho cuja receita eu havia inventado e que ficaria assando enquanto trabalhávamos. Os dois se deliciaram e no dia seguinte se encarregaram de espalhar a quatro ventos a recém descoberta de minha qualidade de chef, numa louvação um tanto exagerada que, acredito, foi motivada pela fome que estavam quando deglutiram o tal lombinho.

A equipe era de cinco pessoas contando comigo e os dois não agraciados com o petisco sentiram-se marginalizados e injustiçados, sobretudo porque voltamos ao salaminho com força total. Certa manhã quando chegamos ao trabalho estes dois entraram comigo no elevador do Valentim junto com mais umas dez pessoas. E eis que um dos dois, sai-se com esta maravilhosa frase: quando é que nós vamos comer o seu lombo? E o outro completa: por que outros podem comer e nós não? E chegamos a nosso andar saindo do elevador eu sentindo o peso dos olhares escandalizados dos demais ocupantes. Quase matei os dois que morriam de rir de sua proeza.

Esperei passar a hora do rush elevatório e no elevador vazio expliquei ao Valentim o que significavam as dúbias frases, perguntando: quais foram os comentários depois que eu sai do elevador? Percebi uma ligeira indecisão na expressão do Valentim que depois de uma pequena pausa, e com um ar de extrema seriedade declara: Fica tranqüila, D. Anna, não tem pessoa neste mundo que tenha coragem de, na minha frente, falar do lombo da senhora!
2010


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