No prédio em frente ao meu foi colocado recentemente um
aparato que provavelmente vai reduzir a torresmo pombos e micos que nestas
paragens habitam. Mas não é este o alvo. A intenção foi fritar assaltantes que
tenham a audácia de atacar a fortaleza. A cerca eletrificada, no entanto,
demonstra que seus habitantes não lêem jornais, não assistem televisão e nem
conversam com nós outros não eletrificados que estamos carecas de saber que há
anos foram extintos os assaltantes puladores de muros. Eram estes ladrões de
galinhas que já não existem (nem existem as galinhas que hoje jazem congeladas
nos supermercados).
Hoje os assaltantes entram pela porta da frente ou da garagem
com a maior competência. E se ingressarem neste eletrificado prédio vão
agradecer muito a existência da cerca que impedirá a entrada da polícia
enquanto agem, servindo ainda de eficiente barreira até que desapareçam na mata
dos fundos.
Percebo que a paranóia de segurança que vem atacando a
população (e que é plenamente justificada) tem também o efeito de embotar a
inteligência. Do ponto de vista de assaltantes os inúmeros cartazes ameaçadores
que adornam a cerca e que informam seu efeito letal devem fornecer uma preciosa
informação: aqui vocês encontram o que procuram! Deve ter custado caro a
torradeira que nesta ultima noite de chuva funcionou acordando a vizinhança
porque um saco plástico levado pelo vento acionou o tal artefato disparando um
alarme, nos acordando a todos. De minha janela pude observar o desespero das
figuras desgrenhadas em suas janelas e varandas que, não vendo o possível
meliante colado à grade soltando fumacinha, provavelmente imaginaram o mesmo,
apenas chamuscado (e, portanto enraivecido), vagando ameaçador pelos corredores
do prédio. Gritos e ranger dentes se faziam ouvir.
Da minha parte um enorme alívio. Os micos estavam a salvo. E
mesmo os pombos com os quais mantenho péssimas relações. Perdido o sono me vi presa da sensação de
estar sendo agredida. A mesma que já havia me invadido no dia em que me deparei
com a tal cerca e com seus ameaçadores cartazes. Perguntei-me por que. Afinal a
agressão não devia ser a mim dirigida. Não seria razoável pensar que aquela
coisa se destinasse a me eletrocutar. Mesmo porque na minha idade não é provável
que me imaginem pulando grades, cercas e outros que tais. Não de menos eu me
sentia agredida. Talvez porque a instalação da cerca signifique: queremos eletrocutar alguém. Por que é
isto que querem, não é?
Vai ver são defensores da pena de morte. Deve ser isto. Tudo
bem: cada um tem o direito de defender o que lhes parece certo. Mas têm o
direito de partir para a execução? Procurei me informar. E não é que lei
permite, sim, a tal cerca! A restrição é a de que deve ser colocada a três
metros de altura da calçada. E isto, justiça seja feita, foi respeitado. De
qualquer modo me aflige como me afligiram as grades quando se tornaram uma
constante nos prédios e as praças enfeando a cidade. Fazer o quê? Não importa
se estas não impedem a entrada de assaltantes como a cerca eletrificada não o
fará.
Vai ver provocam uma ilusória sensação da segurança. E disto
carecemos todos. O grande problema é que a maioria dos assaltos ocorre em
prédios cercados. Ou seja, as cercas são inócuas, de nada servem. Ainda assim se
tornaram quase obrigatórias. Será que as cercas eletrificadas dentro de pouco
tempo também o serão? A tudo isto a população desta cidade está sendo levada
por puro desespero. Esta eletrificação é uma das muitas manifestações da doença
grave que nos ameaça a todos porque estamos todos expostos à sua contaminação.
Os sintomas de termos sido infectados vêem insidiosos, de mansinho.
Começa por não se transitar em determinados lugares. Depois
vem a limitação dos horários em que se sai de casa. Fechaduras e portas de
segurança são instaladas. Carros, para quem pode, são blindados. Alarmes de
todo tipo são instalados. Seguranças são contratados para acompanhar crianças
nas idas a escolas e a festas. Desconfia-se de tudo e de todos ao andar na rua.
Entra-se num caixa eletrônico com medo. No banco idem.
Até agora os estudos, pesquisas e providências para eliminar
o mal não parecem ter apresentado resultados. Ao contrário, o tratamento traz
graves efeitos colaterais como o que ocorreu outro dia em Copacabana: um tiroteio
em plena manhã em que a maior vítima foi uma senhora que passava. E a razão
desta morte foi esclarecida pelas autoridades: as medidas contra o tráfego
estão dando certo (!) obrigando os
traficantes a partirem para o assalto. Quer dizer que quanto menor o tráfego
maior e mais freqüente será a ameaça nas ruas? É isto?
E me vejo presa da desagradável sensação de que é apenas uma
questão de tempo para que também eu seja infectada por esta terrível doença.
Quem sabe comprarei até uma arma para garantir minha própria segurança passando
a ser violenta para enfrentar a violência. E, desafiando a lógica e o bom
senso, me sentirei protegida providenciando engenhos que só servirão para
eletrocutar micos e pombos. Tudo isto por pura impotência. E este medo de ter
medo é hoje minha grande preocupação!
2007
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