domingo, janeiro 19, 2014

CHURRASCO DE POMBOS E MICOS

No prédio em frente ao meu foi colocado recentemente um aparato que provavelmente vai reduzir a torresmo pombos e micos que nestas paragens habitam. Mas não é este o alvo. A intenção foi fritar assaltantes que tenham a audácia de atacar a fortaleza. A cerca eletrificada, no entanto, demonstra que seus habitantes não lêem jornais, não assistem televisão e nem conversam com nós outros não eletrificados que estamos carecas de saber que há anos foram extintos os assaltantes puladores de muros. Eram estes ladrões de galinhas que já não existem (nem existem as galinhas que hoje jazem congeladas nos supermercados).

Hoje os assaltantes entram pela porta da frente ou da garagem com a maior competência. E se ingressarem neste eletrificado prédio vão agradecer muito a existência da cerca que impedirá a entrada da polícia enquanto agem, servindo ainda de eficiente barreira até que desapareçam na mata dos fundos.

Percebo que a paranóia de segurança que vem atacando a população (e que é plenamente justificada) tem também o efeito de embotar a inteligência. Do ponto de vista de assaltantes os inúmeros cartazes ameaçadores que adornam a cerca e que informam seu efeito letal devem fornecer uma preciosa informação: aqui vocês encontram o que procuram! Deve ter custado caro a torradeira que nesta ultima noite de chuva funcionou acordando a vizinhança porque um saco plástico levado pelo vento acionou o tal artefato disparando um alarme, nos acordando a todos. De minha janela pude observar o desespero das figuras desgrenhadas em suas janelas e varandas que, não vendo o possível meliante colado à grade soltando fumacinha, provavelmente imaginaram o mesmo, apenas chamuscado (e, portanto enraivecido), vagando ameaçador pelos corredores do prédio. Gritos e ranger dentes se faziam ouvir.

Da minha parte um enorme alívio. Os micos estavam a salvo. E mesmo os pombos com os quais mantenho péssimas relações.  Perdido o sono me vi presa da sensação de estar sendo agredida. A mesma que já havia me invadido no dia em que me deparei com a tal cerca e com seus ameaçadores cartazes. Perguntei-me por que. Afinal a agressão não devia ser a mim dirigida. Não seria razoável pensar que aquela coisa se destinasse a me eletrocutar. Mesmo porque na minha idade não é provável que me imaginem pulando grades, cercas e outros que tais. Não de menos eu me sentia agredida. Talvez porque a instalação da cerca signifique: queremos eletrocutar alguém. Por que é isto que querem, não é?

Vai ver são defensores da pena de morte. Deve ser isto. Tudo bem: cada um tem o direito de defender o que lhes parece certo. Mas têm o direito de partir para a execução? Procurei me informar. E não é que lei permite, sim, a tal cerca! A restrição é a de que deve ser colocada a três metros de altura da calçada. E isto, justiça seja feita, foi respeitado. De qualquer modo me aflige como me afligiram as grades quando se tornaram uma constante nos prédios e as praças enfeando a cidade. Fazer o quê? Não importa se estas não impedem a entrada de assaltantes como a cerca eletrificada não o fará.

Vai ver provocam uma ilusória sensação da segurança. E disto carecemos todos. O grande problema é que a maioria dos assaltos ocorre em prédios cercados. Ou seja, as cercas são inócuas, de nada servem. Ainda assim se tornaram quase obrigatórias. Será que as cercas eletrificadas dentro de pouco tempo também o serão? A tudo isto a população desta cidade está sendo levada por puro desespero. Esta eletrificação é uma das muitas manifestações da doença grave que nos ameaça a todos porque estamos todos expostos à sua contaminação. Os sintomas de termos sido infectados vêem insidiosos, de mansinho.

Começa por não se transitar em determinados lugares. Depois vem a limitação dos horários em que se sai de casa. Fechaduras e portas de segurança são instaladas. Carros, para quem pode, são blindados. Alarmes de todo tipo são instalados. Seguranças são contratados para acompanhar crianças nas idas a escolas e a festas. Desconfia-se de tudo e de todos ao andar na rua. Entra-se num caixa eletrônico com medo. No banco idem.

Até agora os estudos, pesquisas e providências para eliminar o mal não parecem ter apresentado resultados. Ao contrário, o tratamento traz graves efeitos colaterais como o que ocorreu outro dia em Copacabana: um tiroteio em plena manhã em que a maior vítima foi uma senhora que passava. E a razão desta morte foi esclarecida pelas autoridades: as medidas contra o tráfego estão dando certo (!) obrigando os traficantes a partirem para o assalto. Quer dizer que quanto menor o tráfego maior e mais freqüente será a ameaça nas ruas? É isto?

E me vejo presa da desagradável sensação de que é apenas uma questão de tempo para que também eu seja infectada por esta terrível doença. Quem sabe comprarei até uma arma para garantir minha própria segurança passando a ser violenta para enfrentar a violência. E, desafiando a lógica e o bom senso, me sentirei protegida providenciando engenhos que só servirão para eletrocutar micos e pombos. Tudo isto por pura impotência. E este medo de ter medo é hoje minha grande preocupação!  

2007

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