Há uma semana minha caixa postal transborda com mensagens
saudando o Dia Internacional da Mulher. Divertidas, ternas, piegas, bem e mal
escritas, em prosa e em verso. Este prosa e este verso falam da beleza, da
ternura, da coragem, da mãe, da filha, da avó, da profissional e que mais sei
eu. E nenhuma, nenhuma mesmo, ressalta um aspecto que a mim sempre pareceu
inerente ao sexo feminino, raramente percebido no outro: o jogo de cintura!
Fala-se muito de uma de suas manifestações, a tripla jornada, como se fosse
este o único exemplo. E não é. Inúmeros outros existem.
Temos, nós mulheres, uma extraordinária capacidade de sair
airosamente de situações complicadas nas quais os homens, se com elas
defrontados, meteriam os pés pelas mãos. Pensando nisto a memória me catapulta
para meados dos anos 70 trazendo de volta um episódio ocorreu entre dois
colegas de trabalho. No Aeroporto Santos Dumont, dia amanhecendo, a mulher, nos
seus quarenta e poucos anos, espera o jovem colega com quem iria partir numa
viajem de trabalho a Fortaleza. À sua chegada a primeira surpresa: ele a olhou
de uma forma nunca antes adotada (trabalhavam juntos havia anos) e numa voz
idem declarou: “como você está bonita!”
Ela não disse, mas pensou: Epa! Ai tem! Na verdade não pensou exatamente “ai
tem” porque não era uma expressão da época. Mas deve ter sido uma equivalente
que significava idêntico espanto e preocupação com o que viria a seguir.
Ela era desquitada. Não havia ainda o divórcio e livre, leve
e solta (já havia Leila Diniz), trabalhava num mundo masculino onde eram poucas
as mulheres presentes e as poucas que por lá estavam eram todas casadas. Ele,
nos seus trinta anos, era um belo rapaz, casado e com filho pequeno. A conversa
até a hora do embarque desenvolveu-se normal embora conduzida olho no olho com
uma expressão um tanto esdrúxula da parte dele. No check-in ele armou uma
discussão com a atendente que queria colocá-los em cadeiras distantes. Enfático
ele se revoltou, com um olhar pleno de significância, a ela dirigido, buscando
uma conivência que garantisse a realização de uma atividade que nada tinha a
ver com trabalho.
A atendente não se dando conta do olhar ligou-se ao
significado das palavras e, sei lá por que artes, conseguiu os dois lugares
juntos. Já instalados e entalados nas duas cadeiras vizinhas sobrevoaram a Baia
de Guanabara naquela manhã tão linda. Ele se inclinou exageradamente sobre ela
para ver o Pão de Açúcar que estava careca de ver e ela pensou: “vai dar
trabalho”. Antes de prosseguir e para que fique compreensível o que estava
prestes a ocorrer, é necessário que se esclareça que quando em viagem, naquela
época, não eram recebidas diárias. Ganhava-se um adiantamento para fazer face
às despesas de hotel, taxi e alimentação e no retorno se comprovavam os gastos
com as notas relativas a estes.
Voltando ao avião: mal decolou ela escutou a voz insinuante
que começou a frase com um “meu bem” nunca antes usado e pleno de intenções.
Intenções estas claramente expostas na proposta que se seguiu: Vamos ficar juntos, não é? No mesmo quarto. Conheço o gerente do hotel
e posso pedir notas de quartos separados. Ninguém (e o meu bem volta!) ficará sabendo das noites maravilhosas que
vamos ter. Era preciso pensar rápido. Afinal iriam trabalhar juntos durante
três ou quatro dias e um ”não” ainda dito sem grosseria criaria um clima
complicado.
E foi então que numa voz doce e sedutora ela abriu um sorriso
encantador e saiu-se da entaladela com um extraordinário jogo de cintura: Não, querido! De jeito nenhum! Você é um dos
homens mais cativantes que conheço. Estou sem saber o que falar! Emocionada
mesmo. Nunca imaginei! Eu quero que saia uma nota só de um mesmo quarto, Quero
que todos, mas todos mesmo, fiquem sabendo. Você é tão jovem, tão bonito. Com a
nota do mesmo quarto todos vão acreditar quando eu contar, não é? Vai ser a
glória! O horror estampado no rosto do rapaz transformou-se em pânico e ele
só conseguiu murmurar: estou morto de
sono!
E, como se houvesse levado uma paulada na cabeça desmaiou só
acordando horas depois com avião já no chão. Dormiu Casanova e acordou Sancho
Pança preocupadíssimo com o trabalho e o prazo que tinham para executá-lo. Tão
preocupado estava que ao chegarem ao hotel, feito o registro, ele declarou: mil desculpas por não sair com você para
jantar. Estou exausto e amanhã temos que começar cedo! Ela, hipócrita,
muito penalizada concordou com um que
pena. Adoraria jantar com você!
Hoje, quando se reencontram, amigos que sempre foram, ele já
um belo avô e ela uma quase bisavó, divertem-se com a história que ele faz
questão de contar aos presentes, sempre com uma frase preâmbulo cujo tom
delicado e muito carinhoso desmente as palavras: esta mulher não presta para nada!
2008
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