sexta-feira, janeiro 10, 2014

OLHA QUE ISTO PODE DAR BOLO


Pelos jornais sou informada de que um cidadão americano, professor universitário, foi o primeiro a ter seu genoma sequenciado permitindo antever as doenças de que será vítima provável no futuro. Sem dúvida mais um avanço da ciência e de respeito, este. Quem sabe, num futuro nem tão distante este feito poderá permitir que se evitem ou pelo menos que sejam diminuídos os estragos de males futuros para todos os indivíduos.

Mas a expressão “todos os indivíduos” me alerta para um aspecto preocupante. Vai que esta pesquisa, visando proteção futura, seja tornada obrigatória. Será que vai ser instituído um cartão tipo CPF, quem sabe um GDB (Genoma Pessoal Decifrado)? Epa! Ai tem problema! Estas informações podem até ser objeto de caráter sigiloso, mas por estas nossas paragens não há nada que garanta mais o vazamento do que o caráter sigiloso. Ai vai dar uma confusão dos diabos.

Volto ao passado e escuto a voz de minha avó, indagando sobre um meu namorado novo: de que família é? O teor da resposta era indispensável para a aprovação ou não pelo clã familiar. O sequenciamento do genoma, no futuro, modificará a pergunta das futuras avós? Qualquer coisa como: que espécie de genoma tem este rapaz? E vão ser possíveis diálogos estapafúrdios como: Menina! Tirei a sorte grande! Sabe aquele cara riquíssimo que estava a fim de mim? Tem um péssimo genoma. Caso com ele que bate as botas em seguida e eu fico rica! Artur já era, minha filha! Vou pular fora. Sabe aquela barriga tanquinho? Vai sumir amiga! O genoma deu obesidade. Este rapaz não serve, minha filha. O genoma do pai dele é uma droga! Vai ver tal pai tal filho! Morro de inveja do genoma da Julieta! O meu é péssimo! A mensalidade de seu plano de saúde vai ser triplicada. Seu genoma está classificado como altamente problemático. Não há nada a fazer. Quem nasce com genoma torto, morre torto. Sabe a Rute? Casou com um genoma fabuloso! Quem diria. Logo ela que tem um abaixo da crítica. Impossível?! Sei lá eu.

Como todo avanço científico e tecnológico esta nova descoberta trará boas e más conseqüências. Vamos ter que conviver com um novo tipo de preconceito: o “genômico”. A cor e a opção sexual deixarão de ser motivo de segregação já que um poder mais alto se alevanta. Vai ser um tal de falsificar genoma, sobretudo na administração pública já que o sujeito além de atestar o patrimônio ao se candidatar a cargo da alta administração ou a cargo eletivo, terá que revelar publicamente o genoma, a exemplo do que se faz com a declaração de bens. E os bancos? Estes não concederão empréstimos por tempo superior aquele em que, por vaticínio do genoma, o individuo estará morto antes que possa saldar a dívida.

Será certamente criado o portal do “genoma limpo” e leis proliferarão indicando a relação dos males que não serão aceitos. A certidão de “genoma limpo”, tal como acontece com passaportes brasileiros, passará a valer uma fortuna no mercado negro. Será criado, no nível mundial, o IGH (Índice de Genoma Humano) e surpresas virão: países com um baixíssimo IDH poderão apresentar um alto IGH. Pessoalmente não tenho grandes preocupações. Aportei aos oitenta com um genoma que não deve ser dos piores e qualquer vaticínio futuro não será, certamente, um demérito. Afinal, nestes tempos em que as estatísticas assombram qualquer vaticínio para mim será mais do que normal e esperável.

Fiquem, no entanto atentos os criadores de sites de esclarecimentos a eleitores. Terão que partir para uma simples análise combinatória visando esclarecer os cidadãos eleitores: ficha limpa e genoma limpo; ficha limpa e genoma sujo; ficha suja e genoma sujo; e ficha suja genoma limpo. Qual será o impacto desta classificação no voto de, por exemplo, um cidadão hipocondríaco e ao mesmo tempo ético? Seria preso de um angustia insuportável entre a cruz e a caldeirinha? E um hipocondríaco não ético? Será que candidatos plenamente limpos levariam alguma vantagem? Que dimensão teria o eleitorado dos totalmente sujos? Será que como ocorre a Ficha Limpa será espantosamente significativo?  

Não vou viver para ter respondidas estas perguntas, mas certamente o IBOPE e o Data Folha irão se capacitar para definir a amostra que melhor concorrerá para um resultado confiável. Será que esta nova descoberta vai provocar um revival da eugenia? Quando este termo foi criado por Francis Galton, nos idos de 1883, tenho certeza, era inimaginável que a tradução seu significado (bem nascido) pudesse causar os problemas ocorridos na Alemanha Nazista e, quem sabe, os que irão ocorrer em todo mundo nos tempos que virão em função do genoma também serão causadores de sérios conflitos. Depois de Galton as leis de Mendel deram outro sentido à história. E agora esta! Num enfoque não científico uma coisa é certa, vai dar uma confusão dos diabos!

2010

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