sábado, janeiro 04, 2014

SURREALISMO NO PLANALTO CENTRAL

Hospedou-se esta semana aqui em casa um colega com quem trabalhei nos idos de 1998, em Brasília. E, como sempre acontece quando velhos colegas se encontram, a conversa foi alimentada pela memória. Às gargalhadas recordamos um episódio que ficou nos anais do Nead – Núcleo de Estudos e Desenvolvimento Agrário. Por lá era comum a presença de consultores de outras nacionalidades. Entre estes um agrônomo chileno, extremamente simpático e competente. Desrespeitosamente o chamávamos “Cucaracha”, evidentemente não em sua presença.

Teria sido impossível contar esta história não fosse a prodigiosa memória de meu ex-colega responsável pela reprodução de todas as falas: uma bela manhã, na sala onde quatro de nós estávamos trabalhando, me vi sem grafite para a lapiseira. Nenhum dos presentes tinha para emprestar. Lembrei-me de ter visto o Cucaracha  reabastecer a sua. Levanto-me, falando alto: vou pedir grafite ao Cu... e apavorada interrompo a frase nesta trágica sílaba ao ver que o próprio entrava na sala. Marotamente um dos colegas presentes dá início ao absurdo diálogo que se seguiu:

Colega 1      Vai pedir a quem?!

Em desespero rezo para que o Cucaracha que nunca conseguiu se expressar em português ignore a grafia correta da primeira palavra que me vem à cabeça para completar a maldita frase:

Eu               Ao “cuzinheiro”.
Colega 1     Cuzinheiro?!
Cucaracha  De que cocinero habla usted?

Agora preciso encontrar alguma explicação que possa justificar o absurdo “cuzinheiro”.

Eu              A gente estava falando de comida. É que eu estou morta de fome.
Cucaracha Estas sin desayuno desde quando desperto? Pobrecita!
Colega 2    A pobrecita tá é doida e sem grafite.
Cucaracha E por eso tiene hambre?!
Colega 2    Tudo indica...
Cucaracha  Curioso!
Colega 3     Põe curioso nisto!
Eu               Você tem grafite que possa me emprestar?
Cucaracha  Si, por supusto. (rindo) Pero no lo vas a comer!
Colega 3      Com ela tudo é possível!
Eu               (furiosa) Muito engraçadinho!
Cucaracha   Y por qué están todos riendo?
Colega 1      Olha só: é quando você entrou na sala ela ia pedir grafite ao “cu... zinheiro”.
Cucaracha    Al cocinero. Pero...

Eu               (gritando) Que droga, gente, vamos parar                    com isto
Cucaecha     Usted no está bien! Que sucedió?
Eu                (em desespero) Não aconteceu nada. Eu só                 preciso...
Colega 2      ...procurar o “cuzinheiro”. 
Cucaracha   Y donde se encontra esse cocinero?
Colega 1      Vai ver tá na cozinha.
Cucaracha   Pero si no hay cocina aca!
Colega 2:     Este é o grande problema. Insolúvel.

Cucaracha desistindo de entender o que se passa sai da sala em busca do grafite e gargalhadas estouram. Retorna, segundo depois com o grafite e uma maçã (fruta que detesto) e me estende sorrindo.

Cucaracha  Grafite para escribir y uma manzana para solucionar tu hambre.
Eu         Obrigada. Obrigada mesmo. Mas a fome passou.
Colega 2       A fome dela passa quando tem grafite.

Novas gargalhadas explodem.

Cucaracha    Están todos bromeando, verdad?
Eu               Não liga, não, Olha! Eu vou comer a maça, tá?

Estômago revirado pego a maça. Voltamos todos ao trabalho e de repente o silêncio é cortado:

Colega 1    Alguém tem ai à mão a rotina de calculo do DV, módulo 11?
Colega 2      Pede ao “Cu...zinheiro”.
2011 

Nenhum comentário:

Postar um comentário