Mal
sucedido e internacional! Eram os idos de 1959. Jovens senhoras, Elsie e eu,
partimos com os maridos para os Estados Unidos. Eles, os maridos, iam buscar
aviões recém adquiridos pelo Governo Brasileiro para a FAB e nós os deveríamos
acompanhar somente até Miami. De lá eles partiriam para a Califórnia e nós duas
para Nova York, via Washington.
O
dinheiro era pouco e a viagem havia sido planejada de maneira a que nos
sobrasse o valor da passagem de volta que a FAB não fornecia. A ida já havia
sido uma carona num Douglas bi-motor que levava as equipes de pilotos e
mecânicos. Vai daí que qualquer economia era importantíssima. Nunca andei tanto
a pé em minha vida. Não me lembro de ter tomado um único taxi. Por sorte ambas
falávamos um inglês impecável. Elsie, filha de noruegueses, dominava este
idioma como a maioria destes, desde muito pequena. Além disto, ambas havíamos
cursado o Colégio Bennett numa época em que era obrigatório falar inglês até no
recreio. Isto nos valeu de muito já que as dicas do “onde é mais barato” eram
assimiladas e compreendidas.
E
foi assim que numa bela manhã aportamos em Nova York, transportadas de
Washington para lá num ônibus da Greyhound. A primeira providência que tomamos
no momento em que pusemos o pé no hotel foi a de telefonar para um casal amigo
de meus pais que por lá morava. Havíamos trazido uma encomenda para eles, mas a
urgência, a bem da verdade, era a esperança de que nos convidassem para
qualquer programa grátis que, fosse qual fosse, seria bem vindo. E não deu
outra: convidaram-nos para um café da manhã em sua casa no dia seguinte “para
que pudéssemos planejar nossa estadia”. A coisa prometia mesmo porque o marido
era alto funcionário da ONU o que por nós foi traduzido como “ganha milhares de
dólares”.
No
dia seguinte o deslocamento por subway, além de barato, prenunciava um ótimo
investimento. A realidade demonstrou o acerto de nossas previsões e de uma
forma muito mais completa do que imaginávamos. A mulher do casal nos pediu um
grande favor: acompanhar os passeios de um seu sobrinho que deveria chegar do
Brasil naquela noite e não falava bem inglês. Estes passeios, que incluíam um
show da Broadway, seriam por eles financiados. Maravilha. Convidaram-nos para
um almoço no dia seguinte num restaurante no qual jamais teríamos cacife para
por os pés (melhor dizendo as bocas) para que nos fosse apresentado este
individuo que regulava conosco em idade e era medico.
Até
o momento do encontro bendizíamos a sorte que havíamos tido e que revelou não
ser tanta depois que conhecemos o tal medico. Era um chato de galocha. Já no
restaurante (que era caríssimo como imaginávamos) deu-se um primeiro desencanto
para Elsie. Prudentemente eu havia escolhido o honesto e velho conhecido filé
com fritas. O médico convenceu Elsie a pedir um prato misterioso, impossível de
ser identificado pelo nome, mas me lembro bem, era qualquer coisa do Arizona.
Quando os pratos chegaram revelou-se para Elsie uma monumental batata que
fumegava envolta num papel laminado e sobre a qual deveria ser jogado um muito
sem graça molho de manteiga. Desolada Elsie, em frente à batatona, me via
mastigar com gosto o delicioso filé que faria as vezes de almoço e jantar.
Durante
o almoço a tia do médico mostrou o “programa” que havia elaborado para nós
três. Iniciava-se naquele mesmo dia com uma ida ao Metropolitan à tarde e um
show da Broadway à noite. Findo o almoço partimos os três em direção ao museu.
Já no subway revelou-se o assédio do médico em direção à Elsie. Ele estava
positivamente encantado com ela e untuoso desfilava frases dúbias e do mais
profundo mau gosto. Elsie parecia não se tocar e o desgraçado nem ao banheiro
foi impedindo que eu alertasse minha amiga para o perigo de não dar um fora,
gentil, mas firme e que pusesse um fim aquele cerco.
Na
seção egípcia o infeliz, diante das múmias e com olhares languidos para Elsie,
nos brindou com uma descrição pormenorizada das autópsias de que havia
participado como estudante que segundo parecia a ele eram muito mais
interessantes que o faraó ali embalsamado. No foyer do show da Broadway Elsie
resolve ir ao banheiro no mesmo momento que o infeliz, mais uma vez me
impedindo de ter uma conversa séria com ela. Terminado o show fomos convidadas
para jantar pelo energúmeno. Por mim eu teria recusado, mesmo porque o filé
ainda mantinha meu estômago, mas Elsie aceitou com entusiasmo gerado pela fome que havia lhe
provocado o batatão.
Na
mesa não entendi o que estava se passando. Elsie olhava o sujeito, fixamente
com uma expressão indefinida e enigmática que preocupou a mim e encantou o
rapaz. Sorridente e terno formulou a pergunta: porque olha tão fixamente para mim?
Agora sorridente Elsie defere a espantosa declaração que faria com que
qualquer D, Juan cometesse suicídio: Você
é a cara de minha tia avó Gudrum! Chocado o rapaz declarou que estava
cansado e queria ir embora. Não mais soubemos dele que no dia seguinte
telefonou dizendo que havia encontrado uns amigos brasileiros. Pudera! Qualquer
pretendente que se preze, mesmo um idiota como aquele, sofreria uma enorme
humilhação em se saber parecido com uma tia avó do objeto cobiçado e pior, chamada
Gudrum!
2010
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