terça-feira, janeiro 21, 2014

ASSÉDIO MAL SUCEDIDO

Mal sucedido e internacional! Eram os idos de 1959. Jovens senhoras, Elsie e eu, partimos com os maridos para os Estados Unidos. Eles, os maridos, iam buscar aviões recém adquiridos pelo Governo Brasileiro para a FAB e nós os deveríamos acompanhar somente até Miami. De lá eles partiriam para a Califórnia e nós duas para Nova York, via Washington.

O dinheiro era pouco e a viagem havia sido planejada de maneira a que nos sobrasse o valor da passagem de volta que a FAB não fornecia. A ida já havia sido uma carona num Douglas bi-motor que levava as equipes de pilotos e mecânicos. Vai daí que qualquer economia era importantíssima. Nunca andei tanto a pé em minha vida. Não me lembro de ter tomado um único taxi. Por sorte ambas falávamos um inglês impecável. Elsie, filha de noruegueses, dominava este idioma como a maioria destes, desde muito pequena. Além disto, ambas havíamos cursado o Colégio Bennett numa época em que era obrigatório falar inglês até no recreio. Isto nos valeu de muito já que as dicas do “onde é mais barato” eram assimiladas e compreendidas.

E foi assim que numa bela manhã aportamos em Nova York, transportadas de Washington para lá num ônibus da Greyhound. A primeira providência que tomamos no momento em que pusemos o pé no hotel foi a de telefonar para um casal amigo de meus pais que por lá morava. Havíamos trazido uma encomenda para eles, mas a urgência, a bem da verdade, era a esperança de que nos convidassem para qualquer programa grátis que, fosse qual fosse, seria bem vindo. E não deu outra: convidaram-nos para um café da manhã em sua casa no dia seguinte “para que pudéssemos planejar nossa estadia”. A coisa prometia mesmo porque o marido era alto funcionário da ONU o que por nós foi traduzido como “ganha milhares de dólares”.

No dia seguinte o deslocamento por subway, além de barato, prenunciava um ótimo investimento. A realidade demonstrou o acerto de nossas previsões e de uma forma muito mais completa do que imaginávamos. A mulher do casal nos pediu um grande favor: acompanhar os passeios de um seu sobrinho que deveria chegar do Brasil naquela noite e não falava bem inglês. Estes passeios, que incluíam um show da Broadway, seriam por eles financiados. Maravilha. Convidaram-nos para um almoço no dia seguinte num restaurante no qual jamais teríamos cacife para por os pés (melhor dizendo as bocas) para que nos fosse apresentado este individuo que regulava conosco em idade e era medico.

Até o momento do encontro bendizíamos a sorte que havíamos tido e que revelou não ser tanta depois que conhecemos o tal medico. Era um chato de galocha. Já no restaurante (que era caríssimo como imaginávamos) deu-se um primeiro desencanto para Elsie. Prudentemente eu havia escolhido o honesto e velho conhecido filé com fritas. O médico convenceu Elsie a pedir um prato misterioso, impossível de ser identificado pelo nome, mas me lembro bem, era qualquer coisa do Arizona. Quando os pratos chegaram revelou-se para Elsie uma monumental batata que fumegava envolta num papel laminado e sobre a qual deveria ser jogado um muito sem graça molho de manteiga. Desolada Elsie, em frente à batatona, me via mastigar com gosto o delicioso filé que faria as vezes de almoço e jantar.

Durante o almoço a tia do médico mostrou o “programa” que havia elaborado para nós três. Iniciava-se naquele mesmo dia com uma ida ao Metropolitan à tarde e um show da Broadway à noite. Findo o almoço partimos os três em direção ao museu. Já no subway revelou-se o assédio do médico em direção à Elsie. Ele estava positivamente encantado com ela e untuoso desfilava frases dúbias e do mais profundo mau gosto. Elsie parecia não se tocar e o desgraçado nem ao banheiro foi impedindo que eu alertasse minha amiga para o perigo de não dar um fora, gentil, mas firme e que pusesse um fim aquele cerco.

Na seção egípcia o infeliz, diante das múmias e com olhares languidos para Elsie, nos brindou com uma descrição pormenorizada das autópsias de que havia participado como estudante que segundo parecia a ele eram muito mais interessantes que o faraó ali embalsamado. No foyer do show da Broadway Elsie resolve ir ao banheiro no mesmo momento que o infeliz, mais uma vez me impedindo de ter uma conversa séria com ela. Terminado o show fomos convidadas para jantar pelo energúmeno. Por mim eu teria recusado, mesmo porque o filé ainda mantinha meu estômago, mas Elsie aceitou com  entusiasmo gerado pela fome que havia lhe provocado o batatão.

Na mesa não entendi o que estava se passando. Elsie olhava o sujeito, fixamente com uma expressão indefinida e enigmática que preocupou a mim e encantou o rapaz. Sorridente e terno formulou a pergunta: porque olha tão fixamente para mim?  Agora sorridente Elsie defere a espantosa declaração que faria com que qualquer D, Juan cometesse suicídio: Você é a cara de minha tia avó Gudrum! Chocado o rapaz declarou que estava cansado e queria ir embora. Não mais soubemos dele que no dia seguinte telefonou dizendo que havia encontrado uns amigos brasileiros. Pudera! Qualquer pretendente que se preze, mesmo um idiota como aquele, sofreria uma enorme humilhação em se saber parecido com uma tia avó do objeto cobiçado e pior, chamada Gudrum!

2010

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