sexta-feira, janeiro 17, 2014

DA BOCA DAS CRIANÇAS

Diz-se que delas sai a verdade! Provérbios, quase sempre acertam, e este acertou em mim, vitima inocente desta verdade que saiu da boca de meus dois filhos mais velhos, quando crianças. São quatro episódios que certamente concorreram para piorar a já péssima avaliação que de mim faziam muitas das senhoras de oficiais da FAB, colegas de meu então marido. Esta avaliação piorou consideravelmente depois que eles abriram esta boca da verdade acrescendo ao já condenáveis fatos de que eu fumava, jogava pôquer, usava duas peças (avô do biquíni) e, horror dos horrores: conversava animadamente no cassino de oficiais da base aérea com os oficiais solteiros quando meu marido estava viajando!!!

Estas impropriedades, nos remotos anos 50, denunciavam a possibilidade de graves desvios. Vai daí que se somaram às informações fornecidas por meus filhos, gerando certeza. Pelo primeiro foi responsável meu filho: era eu possuidora de um belo prato da Companhia das Índias que, por desgraça, havia rachado. Desobedecendo aos apelos de meu marido para que o jogasse fora eu o utilizava para colocar bolos que escondiam o rachado. É evidente que quando o bolo começava a ser comido a jaça ia perigosamente aparecendo ainda que eu deslocasse o que dele restava para cobrir a evidência. Numa tarde em que estávamos apenas nós, comido o bolo, o rachado revelou-se em todo seu esplendor. As crianças se torceram de rir quando o “olha só o que papai vai fazer com mamãe porque ela não obedece” com que meu marido simulou a destruição do prato partindo-o em minha cabeça.

Dia depois fui com meu filho tomar um lanche em casa de uma das vizinhas. Quando esta me serviu o café imediatamente recolheu a xícara com horror dizendo: Meu Deus! Esta xícara está rachada. Desculpe-me. Vou trocar.  Desolada escuto a voz de meu filho: Papai, quando tem uma coisa rachada quebra da cabeça de mamãe!

O segundo episódio ocorreu com minha filha. Eu havia comprado, para presentear meu marido, um fonógrafo de rolo antigo, lindo de morrer, que ainda funcionava. Maravilhados escutávamos a tremula voz de Caruso que saia de um rolo ainda intacto. E eis que a senhora do Comandante da Base passa de carro por nossa porta para fazer alguma comunicação rápida e recusa-se a descer para um cafezinho. E foi ai que a pestinha sai-se com esta: Vem, sim, D, Claudia! Vem ver só o aparelho “pornográfico” que mamãe deu a papai.

Os outros dois episódios foram bem mais graves e se deveram a minha constante preocupação em responder aos dois, sem mentir, aquelas perguntas de muito difícil resposta. A primeira foi formulada por minha filha que, à época, era espevitadíssima: Criança pode se apaixonar? Divertida perdi-me no relato de minha paixão pré-adolescente por Heitor Alimonda, pianista já famoso, e que me levava às lágrimas. Sublinhei o absurdo, mas também a verdade daquela paixão. A amante da música transmudara-se nos seus doze anos numa sonhada amante do intérprete. Ela adorou a história que foi ilustrada por discos e fotos.

Dias depois um casal nos convidou para um concerto beneficente que haveria na cidade. Eu mal os conhecia já que faziam parte daqueles que me julgavam capaz das piores devassidões. Eis que a jovem senhora me pergunta se eu conhecia Heitor Alimonda. Estarrecidos, meu marido e eu, escutamos a voz de minha filha animadíssima: ela conhece demais. Foi até amante dele! Claro que explicações foram dadas, creio eu, sem o menor sucesso, face ao constrangimento visível em que ficamos meu marido e eu.

Mas isto não foi nada perto do que sucedeu pouco depois com meu filho. A gravidez de meu terceiro filho gerou a inevitável pergunta: como é que o nenê foi parar na sua barriga. Perdi-me numa explicação em que a beleza do surgimento de uma vida era a tônica. Esta beleza aliava-se ao amor que, sabe-se lá porque, insisti numa figura de retórica, havia até nos bichos que ele já havia visto cruzar. Coisa mais que bonita, meu filho. Daí foi fácil prosseguir com o desenvolvimento no útero, proteção necessária até que o filhote pudesse enfrentar o mundo. Dias depois era o aniversário dele e a festa costumeira se fez. Na sala os adultos conversavam enquanto as crianças no jardim provocavam uma enorme algazarra.

Eis que de repente gritos histéricos se fazem ouvir. Corremos para a janela. Um casal de cachorros estava cruzando na calçada em frente e os meninos atiravam pedras nos coitados enquanto meu filho apoplético da varanda gritava: não pode jogar pedra! Isto é muito bonito! Papai e mamãe fazem isto sempre.  

2008

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