Diz-se que delas sai a verdade! Provérbios, quase sempre
acertam, e este acertou em mim, vitima inocente desta verdade que saiu da boca
de meus dois filhos mais velhos, quando crianças. São quatro episódios que
certamente concorreram para piorar a já péssima avaliação que de mim faziam
muitas das senhoras de oficiais da FAB, colegas de meu então marido. Esta
avaliação piorou consideravelmente depois que eles abriram esta boca da verdade
acrescendo ao já condenáveis fatos de que eu fumava, jogava pôquer, usava duas
peças (avô do biquíni) e, horror dos horrores: conversava animadamente no
cassino de oficiais da base aérea com os oficiais solteiros quando meu marido estava viajando!!!
Estas impropriedades, nos remotos anos 50, denunciavam a
possibilidade de graves desvios. Vai daí que se somaram às informações
fornecidas por meus filhos, gerando certeza. Pelo primeiro foi responsável meu
filho: era eu possuidora de um belo prato da Companhia das Índias que, por
desgraça, havia rachado. Desobedecendo aos apelos de meu marido para que o
jogasse fora eu o utilizava para colocar bolos que escondiam o rachado. É
evidente que quando o bolo começava a ser comido a jaça ia perigosamente
aparecendo ainda que eu deslocasse o que dele restava para cobrir a evidência.
Numa tarde em que estávamos apenas nós, comido o bolo, o rachado revelou-se em
todo seu esplendor. As crianças se torceram de rir quando o “olha só o que
papai vai fazer com mamãe porque ela não obedece” com que meu marido simulou a
destruição do prato partindo-o em minha cabeça.
Dia depois fui com meu filho tomar um lanche em casa de uma
das vizinhas. Quando esta me serviu o café imediatamente recolheu a xícara com
horror dizendo: Meu Deus! Esta xícara
está rachada. Desculpe-me. Vou trocar.
Desolada escuto a voz de meu filho: Papai,
quando tem uma coisa rachada quebra da cabeça de mamãe!
O segundo episódio ocorreu com minha filha. Eu havia
comprado, para presentear meu marido, um fonógrafo de rolo antigo, lindo de
morrer, que ainda funcionava. Maravilhados escutávamos a tremula voz de Caruso
que saia de um rolo ainda intacto. E eis que a senhora do Comandante da Base
passa de carro por nossa porta para fazer alguma comunicação rápida e recusa-se
a descer para um cafezinho. E foi ai que a pestinha sai-se com esta: Vem, sim, D, Claudia! Vem ver só o aparelho
“pornográfico” que mamãe deu a papai.
Os outros dois episódios foram bem mais graves e se deveram a
minha constante preocupação em responder aos dois, sem mentir, aquelas
perguntas de muito difícil resposta. A primeira foi formulada por minha filha
que, à época, era espevitadíssima: Criança
pode se apaixonar? Divertida perdi-me no relato de minha paixão
pré-adolescente por Heitor Alimonda, pianista já famoso, e que me levava às
lágrimas. Sublinhei o absurdo, mas também a verdade daquela paixão. A amante da
música transmudara-se nos seus doze anos numa sonhada amante do intérprete. Ela
adorou a história que foi ilustrada por discos e fotos.
Dias depois um casal nos convidou para um concerto
beneficente que haveria na cidade. Eu mal os conhecia já que faziam parte
daqueles que me julgavam capaz das piores devassidões. Eis que a jovem senhora
me pergunta se eu conhecia Heitor Alimonda. Estarrecidos, meu marido e eu,
escutamos a voz de minha filha animadíssima: ela conhece demais. Foi até amante dele! Claro que explicações
foram dadas, creio eu, sem o menor sucesso, face ao constrangimento visível em
que ficamos meu marido e eu.
Mas isto não foi nada perto do que sucedeu pouco depois com
meu filho. A gravidez de meu terceiro filho gerou a inevitável pergunta: como é que o nenê foi parar na sua barriga. Perdi-me
numa explicação em que a beleza do surgimento de uma vida era a tônica. Esta
beleza aliava-se ao amor que, sabe-se lá porque, insisti numa figura de
retórica, havia até nos bichos que ele já havia visto cruzar. Coisa mais que bonita, meu filho. Daí
foi fácil prosseguir com o desenvolvimento no útero, proteção necessária até
que o filhote pudesse enfrentar o mundo. Dias depois era o aniversário dele e a
festa costumeira se fez. Na sala os adultos conversavam enquanto as crianças no
jardim provocavam uma enorme algazarra.
Eis que de repente gritos histéricos se fazem ouvir. Corremos
para a janela. Um casal de cachorros estava cruzando na calçada em frente e os
meninos atiravam pedras nos coitados enquanto meu filho apoplético da varanda
gritava: não pode jogar pedra! Isto é
muito bonito! Papai e mamãe fazem isto sempre.
2008
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