Depois que contratei o serviço de identificação de chamada,
atender à campainha do telefone dá início a um processo mental complicado: se
reconheço o número nenhum problema. Mas isto raramente acontece porque tenho
uma enorme dificuldade em decorar números de telefone, exceção feita aos de
meus filhos: pela constância com que me monitoram fui obrigada a memorizar. Vai
daí que quando o número não me diz nada fico presa de uma dúvida cruel: atendo
ou não atendo? Pedidos de contribuições, televendas, podem se contrapor aos
amigos, ao banco comunicando que meu título de capitalização foi sorteado, à
oportunidades de trabalho e outras notícias alvissareiras.
No negativo, aparece como significativo, o golpe do sequestro
que comigo não dá certo pelo simples fato de minha voz ser muito grave. Por
duas vezes, ao dizer “alô” escutei o apelo desesperado: Pai, pai, me pegaram!. Por favor, me ajude! causando susto nenhum.
Embora meus filhos me julguem da maior competência por tê-los criado sozinha,
não creio que me confundam com o pai que adoram. Esta gama de possibilidades
faz com que haja certa demora ao atender, o que eu acabo fazendo sempre,
duvidando do acerto de ter contratado tal serviço.
Hoje, depois dá hesitação habitual, ouço uma voz polida: senhor, eu poderia falar com a dona da casa?
O “é ela mesma” provoca um pedido de desculpas e uma espantosa declaração: Minha senhora, o que tenho para lhe dizer é
grave! (pausa) Lamento lhe informar que seu marido está tendo um caso com minha
mulher! No espanto emudeço.
-
Imagino
o choque que estou lhe causando! Lamento muito!
-
O
senhor nem pode imaginar o tamanho do choque. Meu marido é casado com outra
mulher.
O estado de
mudez transfere-se para ele. E, como sempre me acontece, quando digo absurdos,
acrescento outro:
-
Olha
só, se isto está mesmo acontecendo, trata-se de um fato extraordinário e de
improváveis conseqüências. Ele tem 79 anos!
- Minha
senhora, eu esperava uma reação sua, mas não poderia imaginar que fosse fazer
graça com este fato gravíssimo. Afinal trata- se da nossa honra.
- Meu
senhor, minha honra em nada fica abalada com este pouco provável affair. Quanto a sua não me diz respeito.
Mas suponhamos que o caso exista: o que é que o senhor espera de mim?
- Podemos
unir nossas forças. Quem sabe facilitaria o divórcio a nosso favor!
- Mas
eu já sou divorciada!
- Como
se explica?
- Não
se explica: é uma longa história e eu certamente não vou relatá- la ao senhor.
- A
senhora está fugindo do assunto.
-
Tem
razão. Sempre fugi deste assunto. Há anos não vem è baila.
- Compreendo
sua reação. Mas é imperioso que conversemos. Vai ser um momento difícil, mas
sairemos disto fortalecidos. Acredite!
- Qualquer
acréscimo de fortalecimento a esta altura da vida seria mais que bem vindo, mas
não sei como lhe ajudar. Não sou a pessoa que o senhor pensa que sou.
-
A
senhora está me dizendo que pouco se lhe dá esta tragédia?
-
Não,
de jeito nenhum! Só estou querendo dizer que não devo ser a mulher do
(desculpe!) amante de sua senhora. Olha só: esta com quer falar mora onde?
-
No
Leblon.
- Eu
moro no Humaitá.
-
Prove!
-
Pelo
telefone fica difícil. Mas posso lhe dar meu nome completo e o senhor procura no Telelistas.
(pausa) Mas como é que o senhor conseguiu meu telefone?
Ignorando
minha pergunta ele aceita a sugestão e, polidamente, encerra a conversa. A esta
altura sou invadida por uma curiosidade mal sã. Daria muito tudo para conhecer
o desenlace desta história. Desonesta, encontro razões válidas para partir a
cata de mais informações. Por exemplo, prevenir uma desgraça. Não será muito
difícil já que tenho o número dele registrado pelo bendito identificador. Podia
falar com a pecadora senhora lá dele, alertando num tom dramático: “Ele sabe de tudo!” E até aconselhar: “Pára com isto! Ele me parece um bom homem!”
Prudente e
antes que faça esta barbaridade, corro à cata do manual do aparelho para ver
como apago, para todo sempre, o número do sofrido senhor, impossibilitando esta
minha pérfida ação. Mas sei que vou me arrepender!
2007
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