domingo, janeiro 26, 2014

IDENTIFICAÇÃO DE CHAMADA

Depois que contratei o serviço de identificação de chamada, atender à campainha do telefone dá início a um processo mental complicado: se reconheço o número nenhum problema. Mas isto raramente acontece porque tenho uma enorme dificuldade em decorar números de telefone, exceção feita aos de meus filhos: pela constância com que me monitoram fui obrigada a memorizar. Vai daí que quando o número não me diz nada fico presa de uma dúvida cruel: atendo ou não atendo? Pedidos de contribuições, televendas, podem se contrapor aos amigos, ao banco comunicando que meu título de capitalização foi sorteado, à oportunidades de trabalho e outras notícias alvissareiras.

No negativo, aparece como significativo, o golpe do sequestro que comigo não dá certo pelo simples fato de minha voz ser muito grave. Por duas vezes, ao dizer “alô” escutei o apelo desesperado: Pai, pai, me pegaram!. Por favor, me ajude! causando susto nenhum. Embora meus filhos me julguem da maior competência por tê-los criado sozinha, não creio que me confundam com o pai que adoram. Esta gama de possibilidades faz com que haja certa demora ao atender, o que eu acabo fazendo sempre, duvidando do acerto de ter contratado tal serviço.

Hoje, depois dá hesitação habitual, ouço uma voz polida: senhor, eu poderia falar com a dona da casa? O “é ela mesma” provoca um pedido de desculpas e uma espantosa declaração: Minha senhora, o que tenho para lhe dizer é grave! (pausa) Lamento lhe informar que seu marido está tendo um caso com minha mulher! No espanto emudeço.

-     Imagino o choque que estou lhe causando! Lamento muito!
-     O senhor nem pode imaginar o tamanho do choque. Meu marido é     casado com outra mulher.

O estado de mudez transfere-se para ele. E, como sempre me acontece, quando digo absurdos, acrescento outro:

-     Olha só, se isto está mesmo acontecendo, trata-se de um fato            extraordinário e de improváveis conseqüências. Ele tem 79 anos!
-    Minha senhora, eu esperava uma reação sua, mas não poderia           imaginar que fosse fazer graça com este fato gravíssimo. Afinal trata-   se da nossa honra.
-   Meu senhor, minha honra em nada fica abalada com este pouco        provável affair. Quanto a sua não me diz respeito. Mas suponhamos  que o caso exista: o que é que o senhor espera de mim?
-   Podemos unir nossas forças. Quem sabe facilitaria o divórcio a         nosso favor!
-    Mas eu já sou divorciada!
-    Como se explica?
-    Não se explica: é uma longa história e eu certamente não vou relatá-   la ao senhor.
-    A senhora está fugindo do assunto.
-     Tem razão. Sempre fugi deste assunto. Há anos não vem è baila.
-   Compreendo sua reação. Mas é imperioso que conversemos. Vai ser um momento difícil, mas sairemos disto fortalecidos. Acredite!
-   Qualquer acréscimo de fortalecimento a esta altura da vida seria mais que bem vindo, mas não sei como lhe ajudar. Não sou a pessoa que o senhor pensa que sou.
-     A senhora está me dizendo que pouco se lhe dá esta tragédia?
-     Não, de jeito nenhum! Só estou querendo dizer que não devo ser a   mulher do (desculpe!) amante de sua senhora. Olha só: esta com     quer falar mora onde?
-     No Leblon.
-    Eu moro no Humaitá.
-     Prove!
-     Pelo telefone fica difícil. Mas posso lhe dar meu nome  completo e    o senhor procura no Telelistas. (pausa) Mas como é que o senhor   conseguiu meu telefone?

Ignorando minha pergunta ele aceita a sugestão e, polidamente, encerra a conversa. A esta altura sou invadida por uma curiosidade mal sã. Daria muito tudo para conhecer o desenlace desta história. Desonesta, encontro razões válidas para partir a cata de mais informações. Por exemplo, prevenir uma desgraça. Não será muito difícil já que tenho o número dele registrado pelo bendito identificador. Podia falar com a pecadora senhora lá dele, alertando num tom dramático: “Ele sabe de tudo!” E até aconselhar: “Pára com isto! Ele me parece um bom homem!”

Prudente e antes que faça esta barbaridade, corro à cata do manual do aparelho para ver como apago, para todo sempre, o número do sofrido senhor, impossibilitando esta minha pérfida ação. Mas sei que vou me arrepender! 

2007

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