quinta-feira, janeiro 09, 2014

ONDE ANDA D. MAROCAS?

Só hoje me dou conta de que avó, pais e tios não nos contavam histórias de fadas. Estas, fomos estimulados a ler, tão logo aprendemos. Os personagens e peripécias que nos fascinavam, desde muito pequenos, saiam da vida real e até hoje tenho a sensação de havê-los conhecido de tão bem descritos eram. Faziam eles parte de nosso cotidiano já que citados sempre que alguma ocorrência justificava o bordão que a cada um deles caracterizava.

E assim era com o Coronel Peixoto que ingressou em nossas vidas muitos anos depois de falecido. Era ele dono da fazenda lindeira a do Campinho, em São José do Barreiro, junto à Serra da Bocaina, propriedade de meu bisavô materno – Vovô de Uva – como eu o chamava. Segundo a história o Coronel era uma doce pessoa: tímido, falava manso, em tom baixo e jamais dele se ouviu uma imprecação ou um destempero. Sua mulher, D. Marocas, era completamente diferente. Era descrita com uma fúria em saias pronta a explodir a qualquer momento. Dona de um vozeirão de mulher macho sim senhor, desancava Deus e o mundo por da cá aquela palha. Ao que parece, estranhamente, entendiam-se as mil maravilhas os dois, numa complementaridade e harmonia de fazer inveja.

Pois bem: todas as vezes que algum fato desagradável ocorria ou alguém saia da linha o Coronel, incapaz de reagir, chamava a mulher e dizia em sua fala doce: “Indiguina”, Marocas! E Marocas, leal porta-voz do marido, soltava os cachorros deblaterando aos berros e apavorando os faltosos. Diziam que partia até para a agressão física! Esta convocação à guerra tornou-se um dito comum que era usado por alguém da família, como um estopim, para por fogo na indignação geral sempre que algum fato o merecesse.

E foi este grito que me escapou recentemente quando frente à tela escutei pasma o Ministro do Planejamento – Paulo Bernardo – declarar que dado o vulto do orçamento do DNIT seria impossível e absurdo esperar que não ocorressem “erros”! Caramba! Gostaria de entender a lógica da declaração. O roubo é compreensível e quem sabe até justificável quando se trata de verba vultosa? É isto?! Numa analogia triste vejo que, nós brasileiros, somos como o Coronel Peixoto: doces demais, tímidos demais. Ainda que percebendo tudo e presos de uma enorme indignação somos incapazes de reagir. Assistimos há anos aos escândalos mais deslavados, aos comportamentos mais execráveis; freqüentamos os mesmos lugares e andamos nas mesmas calçadas em que transitam ladrões, mentirosos e corruptos sem nos vexar por isto; deixamo-nos espoliar sabendo que os impostos que pagamos enriquecem aqueles que os sonegam; trabalhamos muito e duramente para pagar altíssimos salários sustentando mordomias de senadores e deputados (os mais bem pagos do mundo) que deveriam trabalhar por nós; e nada fazemos.

Que falta nos faz D. Marocas! Ressuscitado em nós o Coronel, somos capazes de perceber o horror, mas não temos ao lado sua maravilhosa esposa. Estivesse ela presente, botaria a boca no mundo, exigindo mudanças, cobrando responsabilidades. Por que D. Marocas era muito bem sucedida suas intervenções, segundo me contaram. Acovardados pelo ímpeto de violência, os por ela agredidos, entravam na linha.

O correspondente do El Pais, Juan Arias, fez às vezes do Coronel Peixoto: em um excelente artigo se mostra espantado pela inexistência entre nós desta senhora que tanta falta nos faz.  E é mesmo um espanto que sejamos capazes de lutar por minorias sem encontrar forças para fazê-lo pela maioria! Maioria que inclui nossos filhos, nossos netos e agora para mim, nossos bisnetos. Será que não vale à pena? Será que não merecem, estes nossos descendentes, que nos movimentemos pelo voto para deixar como legado um Brasil melhor, mais bonito, mais justo? Será que este País tão belo e tão bem dotado não merece isto? Por que estamos paralisados, apenas assistindo?

Ah! D. Marocas, que falta nos faz a senhora! Sonho que um dia há de surgir entre nós aquele ou aquela de quem possamos escutar o grito: “indiguina”, Brasil

2010

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