terça-feira, janeiro 07, 2014

MUITO IMPLICANTE?

A interrogação é só minha transformando em dúvida o que é uma certeza para os que assim me rotulam. Eu acho injusto. A razão deste rótulo é a cisma que tenho com certas palavras ou formas de falar. Implico mesmo.  Ao escutá-las, sobretudo em noticiários da televisão, sou vítima de reações físicas profundamente desagradáveis. Uma espécie de alergia. Dá até urticária, acreditem. Sei lá eu por que, a maneira pela qual são ditas soa pernóstica e descabida.          

Uma destas palavras é internauta usada pelos apresentadores e apresentadoras de programas para designar aqueles que assistem a seus programas e lhes enviam mensagens. Trata-se – creio - de uma evolução tecnológica de missivista, palavra que já não me era grata.  Eu que sempre escrevi cartas nunca admiti ser por esta injuriada. Cada vez que a palavra internauta é proferida fico possuída de uma irritação que me dá ganas de gritar. Por quais diabos não usam espectador ou mesmo o não tão agradável, mas possível de ser aturado, tele espectador?

Sempre que internauta é articulado por uma das sorridentes moças (elas riem muito, repararam?) imagino um coitado vestido com roupa de astronauta, flutuando, ao som do Danúbio Azul, frente ao computador onde digita a mensagem que gerou o epíteto. Pior é que dizem isto com evidente prazer, sabe-se lá por que, acentuando e prolongando o som da terceira sílaba: internaaauta. Como se não bastasse num dos programas me informaram que iriam passar à transmissão do momento internauta quando seriam divulgados e respondidos os mails recebidos.

Mais recentemente esta infeliz palavra foi suplantada em frequência por outra que, tendo alterado o seu significado original, me provocou além do horror, o espanto. Sei lá por que está sendo incessantemente usada para anunciar a programação de transmissões todo tipo. Não “divulgam” os fatos: repercutem. Não contente em repercutir afirmam que vão “estar repercutindo”. O que será que vai acontecer? Vão  reproduzir sons ao invés de falas e ainda por cima vão fazer isto sem parar (porque vão estar). Minha nossa! O tom de séria gravidade com que é proferida esta informação repercute em minhas entranhas com a mesma intensidade e incômodo de uma broca de dentista. Esta sim, desde minha longínqua infância, repercute a intervalos regulares causando sérios danos psicológicos e emocionais dos quais nunca me recobro.

Como se não bastasse, o episódio do resgate dos mineiros no Chile inspirou comentaristas, repórteres e, até por escrito, no texto que corre em baixo da tela, à criação da palavra resgatista para designar alguns dos desceram à mina para retirar os que lá estavam presos. Isto me preocupa porque é bem provável que num futuro próximo outros neologismos deste calibre venham a ser criados. Como escadista (aquele que sobe ou desce escadas). Não duvido que este primor de palavra seja atribuído a um bombeiro que avança pela escada Magirus tentando apagar um incêndio. Vai ver o tal resgatista também existe e eu, que não possuo a mais recente edição do Aurélio, estou apenas revelando ignorância. Outro mistério: por vezes, na transmissão, os resgatistas se transmudavam em socorristas. Vai ver resgatista só resgata e socorrista resgata e socorre. Ou seja, resgatar das entranhas de uma mina não é socorrer. Não importa: ainda que a palavra exista me causa desprazer. Feia que só ela!

Nem sempre são palavras isoladas que me irritam. Frases inteiras podem incomodar de igual maneira. Até hoje, passados alguns meses, ainda estou tentando entender a declaração de uma apresentadora de programa que disse “ter orgulho de não ser ainda nascida quando do festival de Woodstock”. Ela dizia isto com uma expressão encantada e rindo muito. Qual seria o motivo deste orgulho?! E do riso? Ou ainda outra que afirmou que o quadro de que falava “era autêntico do autor”. Neste caso até dá para imaginar que ela queria garantir que não se tratava de uma cópia.

E eu me pego pensando que bem podiam abandonar o tom empolado passando a dizer bobagens de uma forma simples o que poderia até tornar divertido o escutar. Lembro-me de dois campeões de asneiras que me deliciavam: o primeiro, motorista de uma prima que tentava convencê-la a comprar uma caminhonete Dodge (naquela época só existiam carros importados): a senhora sabe que na Itália tem uma cidade onde só circulam Dodges? Levamos alguns segundos para identificar Veneza (Cidade dos Doges) como sendo a cidade capaz desta estranha exclusividade automotora.

O segundo é uma segunda: minha excelente cozinheira que sempre me pedia para levá-la ao sítio em Miguel Pereira. Um dia resolvi atender ao pedido e no momento em que entramos no extenso túnel de bambu que dá acesso à casa ela exclamou maravilhada: que lindo! Igualzinho as alamedas de Paris! Esta mesma pessoa me legou uma frase afirmativa (mas nem tanto) que me maravilhou desde a primeira vez que ouvi. Ela repetia esta frase, invariavelmente a mesma, sempre e com a maior convicção todas às vezes que afirmávamos qualquer coisa que ela desconhecia. Nunca consegui descobrir se com ela demonstrava concordância ou discordância. De fato nos deixava na maior dúvida quando solenemente declarava: É. Não deixa de não ser!

Esta maravilhosa construção serve agora como resposta contrita a alguns (ou todos) leitores desta crônica que porventura concordem com aqueles que me julgam implicante: É.  Não deixo de não ser!  

2011

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