A interrogação é só minha
transformando em dúvida o que é uma certeza para os que assim me rotulam. Eu acho injusto. A razão deste rótulo é a cisma que
tenho com certas palavras ou formas de falar. Implico mesmo. Ao escutá-las, sobretudo em noticiários da
televisão, sou vítima de reações físicas profundamente desagradáveis. Uma
espécie de alergia. Dá até urticária, acreditem. Sei lá eu por que, a maneira
pela qual são ditas soa pernóstica e descabida.
Uma destas palavras é internauta usada pelos apresentadores e
apresentadoras de programas para designar aqueles que assistem a seus programas
e lhes enviam mensagens. Trata-se – creio - de uma evolução tecnológica de
missivista, palavra que já não me era grata.
Eu que sempre escrevi cartas nunca admiti ser por esta injuriada. Cada
vez que a palavra internauta é
proferida fico possuída de uma irritação que me dá ganas de gritar. Por quais
diabos não usam espectador ou mesmo o não tão agradável, mas possível de ser
aturado, tele espectador?
Sempre que internauta é articulado por uma das
sorridentes moças (elas riem muito, repararam?) imagino um coitado vestido com
roupa de astronauta, flutuando, ao som do Danúbio Azul, frente ao computador
onde digita a mensagem que gerou o epíteto. Pior é que dizem isto com evidente
prazer, sabe-se lá por que, acentuando e prolongando o som da terceira sílaba: internaaauta. Como se não bastasse num
dos programas me informaram que iriam passar à transmissão do momento internauta quando seriam
divulgados e respondidos os mails recebidos.
Mais recentemente esta
infeliz palavra foi suplantada em frequência por outra que, tendo alterado o seu significado
original, me provocou além do horror, o espanto. Sei lá por que está sendo
incessantemente usada para anunciar a programação de transmissões todo tipo.
Não “divulgam” os fatos: repercutem. Não
contente em repercutir afirmam que
vão “estar repercutindo”. O que será
que vai acontecer? Vão reproduzir sons
ao invés de falas e ainda por cima vão fazer isto sem parar (porque vão estar). Minha nossa! O tom de séria gravidade com que é proferida esta informação repercute em minhas entranhas com a
mesma intensidade e incômodo de uma broca de dentista. Esta sim, desde minha
longínqua infância, repercute a intervalos regulares causando sérios danos
psicológicos e emocionais dos quais nunca me recobro.
Como se não bastasse, o
episódio do resgate dos mineiros no Chile inspirou comentaristas, repórteres e,
até por escrito, no texto que corre em baixo da tela, à criação da palavra resgatista para designar alguns dos
desceram à mina para retirar os que lá estavam presos. Isto me preocupa porque é bem
provável que num futuro próximo outros neologismos deste calibre venham a ser
criados. Como escadista (aquele que
sobe ou desce escadas). Não duvido que este primor de palavra seja atribuído a
um bombeiro que avança pela escada Magirus tentando apagar um incêndio. Vai ver
o tal resgatista também existe e eu,
que não possuo a mais recente edição do Aurélio, estou apenas revelando
ignorância. Outro mistério: por vezes, na transmissão, os resgatistas se transmudavam em socorristas.
Vai ver resgatista só resgata e
socorrista resgata e socorre. Ou seja, resgatar das entranhas de uma mina não é
socorrer. Não importa: ainda que a palavra exista me causa desprazer. Feia que
só ela!
Nem sempre são palavras
isoladas que me irritam. Frases inteiras podem incomodar de igual maneira. Até
hoje, passados alguns meses, ainda estou tentando entender a declaração de uma
apresentadora de programa que disse “ter
orgulho de não ser ainda nascida quando do festival de Woodstock”. Ela
dizia isto com uma expressão encantada e rindo muito. Qual seria o motivo deste
orgulho?! E do riso? Ou ainda outra que afirmou que o quadro de que falava “era autêntico do autor”. Neste caso até
dá para imaginar que ela queria garantir que não se tratava de uma cópia.
E eu me pego pensando que
bem podiam abandonar o tom empolado passando a dizer bobagens de uma forma
simples o que poderia até tornar divertido o escutar. Lembro-me de dois
campeões de asneiras que me deliciavam: o primeiro, motorista de uma prima que
tentava convencê-la a comprar uma caminhonete Dodge (naquela época só existiam
carros importados): a senhora sabe que na
Itália tem uma cidade onde só circulam Dodges? Levamos alguns segundos para
identificar Veneza (Cidade dos Doges) como sendo a cidade capaz desta estranha
exclusividade automotora.
O segundo é uma segunda: minha excelente cozinheira que sempre me pedia para levá-la ao sítio em Miguel
Pereira. Um dia resolvi atender ao pedido e no momento em que entramos no
extenso túnel de bambu que dá acesso à casa ela exclamou maravilhada: que lindo! Igualzinho as alamedas de Paris! Esta
mesma pessoa me legou uma frase afirmativa (mas nem tanto) que me maravilhou
desde a primeira vez que ouvi. Ela repetia esta frase, invariavelmente a mesma,
sempre e com a maior convicção todas às vezes que afirmávamos qualquer coisa
que ela desconhecia. Nunca consegui descobrir se com ela demonstrava
concordância ou discordância. De fato nos deixava na maior dúvida quando solenemente
declarava: É. Não deixa de não ser!
Esta maravilhosa
construção serve agora como resposta contrita a alguns (ou todos) leitores
desta crônica que porventura concordem com aqueles que me julgam implicante: É. Não deixo de não ser!
2011
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