sábado, janeiro 18, 2014

ESPERANDO O FIM DE SEMANA

Quando era ainda adolescente este bendito fim de semana prometia o encontro do namorado perfeito que, segundo os pais lhe haviam incutido por vezes de maneira óbvia e muito de forma subliminar, se apaixonaria perdidamente por ela. Com ele se casaria e viveriam felizes para sempre. Afinal esta era a finalidade da vida de uma mulher. Mas ele não aparecia. O que surgia no final da noite de domingo era a tristeza. Nos primeiros anos de pouca monta porque na segunda feira já recomeçava o embalo criativo para o romance que se revelaria em todo seu esplendor no próximo fim de semana.

O tempo foi passando e ela ainda esperando o fim de semana em que encontraria o sapo que se transformaria em príncipe. Sapos existiram, é verdade, mas permaneceram irremediavelmente sapos enquanto duraram. Até casou com um que, meses depois, começou a traí-la com a vizinha do décimo andar. Feia a coisa. Para suportar a ascensão ao andar mais alto ela reinventou o motivo da separação. Ficou sendo uma decisão sua. Escamoteou o desespero das noites em que implorou para que ele não a deixasse e inventou o fim do amor que havia sentido nos relatos que fazia. Não era mentira, não. Era o que podia aguentar humilhada e envergonhada por ter sido traída!

E a espera pelos fins de semana foi retomada, até com entusiasmo. Mas tempo passou e instalou-se a depressão aliada à tristeza, ultrapassando o fim de noite no domingo. Tudo isto invadia a segunda feira e ela começou a se perguntar: o que há comigo? Não percebia, nunca percebeu que havia se tornado uma ameaça para os possíveis candidatos. A ansiedade que lhe atacava evidenciada por gestos aflitos e declarações extemporâneas, os punha a correr. Pior é que estes eram identificados em qualquer homem que, distraído, lhe lançasse um olhar. Situações constrangedoras eram criadas e ela nem as percebia. Mas o efeito! Ah, este se mostrava em toda sua crueza. Estava cada vez mais só.

Foi então que começou a meter os pés pelas mãos. Resolveu ser uma mulher “livre”! Sem ter muita clareza do que isto significava esta liberdade se resumiu na entrega a qualquer um que buscava o momento, mas não ela. O pior é que esta “liberdade” se misturava ao romantismo de todo um passado de sonhos e ela descrevia estes homens baldios como perdidamente apaixonados. Era o jeito. Isto até o momento em que desapareciam, alguns sem dar explicação e outros as fornecendo em demasia. Por alguns dias caia na real, mas voltava, já a caminho dos sessenta, a esperar o fim de semana.

Passou a evidenciar na estética o patético do que lhe ia por dentro. Havia sido uma mulher bonita e agora esta beleza que certamente ainda poderia existir era escondida pela cor de um amarelo duvidoso nos cabelos mal tingidos, por um batom escandalosamente vermelho, por decotes absurdos e por roupas que até mesmo uma adolescente teria problemas em usar. Na vida não havia acumulado outros prazeres que não fossem os ligados à figura de um homem e estes, mesmo os baldios, já não apareciam com a mesma freqüência. Os poucos que se aproximavam sumiam de repente constrangidos pelas desesperadas caras e bocas cuidadosamente ensaiadas para conquistá-los.

Vai daí que o prazer sumiu. A espera do fim-de-semana continuava ainda. Sem ela a vida não seria possível. Só que durava pouco. Algumas horas apenas na sexta à noite. Enquanto o sono não vinha imaginava acasos que fariam com que o Homem cruzasse seu caminho. Foi ai que começou a construir uma biografia que contava a quantos se dispusessem a escutar. Uma ficção espantosa. E, como era impossível libertar-se do fim-de-semana, era neles que aparecia vivendo romances tórridos de uma sedutora mulher assediada por um desfilar de homens extraordinários, perdidamente apaixonados. Assumiu o personagem que lhe garantia sobreviver.

Foi aí que se deu o milagre. Ou melhor, o tombo! Os extraordinários saltos da sandália vermelha não suportaram o buraco na calçada e ela se estatelou frente à loja do turco. A dor das contusões impedia a atuação de costume e ela apenas chorava, borrando a pintura, sandália com salto quebrado e em total desalinho. O turco se condoeu. Carinhosamente levou-a para o fundo da loja e entre as ferragens secou suas lágrimas. Levou-a para casa no velho carro.

No dia seguinte veio saber notícias e entrou para um cafezinho. E os cafezinhos transformaram-se em longas conversas de início difíceis porque os longos anos de atuação da personagem impediam o falar de verdades. Por isto falava pouco e passou a ouvir. E foi se dando conta de que o turco não era um sapo, nem príncipe. Longe disso. Aquele homem triste, viúvo sem filhos e feio era apenas um homem bom. E maravilha das maravilhas parecia gostar dela. Tão longe do modelo sonhado fazia com que se sentisse bem. Bem demais.

Ele vinha todos os dias após fechar a loja e o fim de semana deixou de ter sentido. A espera, tão boa, acontecia de segunda à sexta. Mas casaram-se num sábado! E, segundo me contam, são felizes para sempre.
2006


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